"É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora
E sozinha supor
Que se estivesses dentro
Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora
Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio."
Hilda Hilst
Veio-me assim, de súbito esse trecho de Caio Fernando Abreu e senti-me angustiada, inútil e cheia, absurdamente cheia de saudade e incapacitacão.
Porque no fundo, sempre fica um grãozinho de areia do nosso passado que a gente tenta esquecer, mas que parece uma assombração que vai aumentando até sair pela sua boca na forma de uma bola de incertezas gordurosas. Você sabe, todo mundo sabe que o que mais nos assombra somos nós mesmos e nossa capacidade de memória emotiva rasgada e suja, e o cabelo oleoso que escorre idéias absurdas de metafísica e existencialismo.
Tem dias que tudo está na beira do abismo, que a mão fica formigando, o pé lento, a cabeça pesada. Se eu pudesse fazer alguma coisa agora seria, sem dúvida, voltar no passado só pra sentir de novo aquele gosto de sorriso deslumbrado. Aquele sorriso falso e o cheiro inesquecível de sabonete hidratante. Torturo-me com isso em dias que vão e que vem. Agora não é sempre nem todo dia, mas são recaídas de saudade que eu tenho não tanto de você, mas de mim. Eu me encontrava em você, eu sabia quem eu era, e eu tinha cada minuto contado entre o estar em mim e sairmos de nós mesmos. Mas a vida corre, a vida corre... é preciso continuar mesmo estando plantada e concretizada num passado azedo com cheiro de enxofre. É momento, entenda, depois eu estarei pensando em outra coisa, limpando os óculos e fotografando em preto e branco alguém sorrindo que eu nem faço idéia de quem seja, mas é preciso continuar e ver outros sorrisinhos engraçados e outros cheiros de sabonete.
Porque nem tudo é como queremos...mas a lembrança é boa. Sempre foi boa, não nego. não minta também que você não queria, mas o problema é que eu vivo o momento. Entende? parei naquele momento e só. E você parece camuflar e se restabelecer em qualquer situação. Ahhh..! Eu nem sei porque estou escrevendo sobre você. Já faz tanto tempo.Talvez quando minha velhice chegar, aliás, velhice não, mas alguns anos a mais, umas lamebranças a menos, eu ainda continue escrevendo baboseiras. Ou não...posso sair dessa vida que só a gente sabe o quanto sofre, mas o quanto é gostoso sofrer pra ver o que vai sair literariamente!
...E muda em mim apenas o tempo, a roupa, uns cabelos crescem. Você, meu bem (des)amado de tempos remotos, vai ser sempre uma personagem minha. Tudo não passou de delírio e alucinação! Tudo não passa de momentos alcoólicos de um cheiro inexplicável.