terça-feira, 23 de setembro de 2008

Liberdade em cena de cheiro inodoro.


"...e no final, tudo acaba em sexo ou em morte. "


UM,DOIS,TRÊS e abre a porta. Acho que agora sou um homem livre. Acho que agora não quero liberdade. Vivi preso e impotente durante boa parte da minha vida.Você,o que acha que eu tenho
? O que eu acho que eu tenho? Prazeres incompreendidos. Vida presa na minha liberdade de não ter liberdade. Porque quando eu bati na sua porta,você estava conversando com outra pessoa,com outro cara talvez,e não soubesse mesmo onde estaria minha toalha que você me emprestou para eu tomar banho e usar o seu champu e usar o sabonete que você usa e a pasta gosmenta que refresca nossas bocas,mas você não sabia onde estava a toalha e eu não sabia onde eu estava. Eu juro que eu não sabia. Tudo era um borrão de imagens num cheiro de banheiro úmido de vapor,de toalha mofada e dedos tocando o lençol carinhosamente e com medo.


ARRANCARAM a pele do meu dedo,como uma manicure arrancando a cutícula com alicate de electricista. E eu tremia e tremia. Além disso eu não sei. O que eu espero é que pelo menos eu não espere muita coisa,de mim,de você,nem dos meus pais. Meus filhos,quem sabe,se um dia os tiver. A minha barba rala e o rosto cheio de feridas,sangue seco,casquinhas enjoativas num tom vermelho-vinho-bege.Talvez ninguém espere nada da vida. Mas no fundo eu sei que o coração quer perfurar o peito e bater lá fora,nas mãos de alguém ou andando de bicicleta,mas nos seguramos,fortes e com medo e então toda a perspectiva de vida eleva-se em fumaça,em nada,em respiração debaixo do chuveiro com o seu champu e o seu sabonete. Os seus dentes,a sua gengiva,a sua garganta. Os seus amigos para lá e para cá num domingo à noite,como moscas perdidas na luz mortal. Eu e você virando os olhos e tomando uma caipirinha para passar a dor de saudade que só eu sentia mesmo estando palmos distante da sua voz.


A SUA VOZ me é conhecida. Juro que já ouvi isso em algum lugar.Será é que sua mesmo? É você?


DO MEU PEITO surgiu um enorme lagarto que uma vez eu sonhei ter comido;acordei com os seus dedos tocando o lençol carinhosamente e com medo de alguma coisa,era do lagarto? Era a minha mão nas suas costas,porque eu me lembro exactamente que você dormia de costas para mim,com medo de alguém nos ver juntos na sua cama,do lado que você não gostava ou não estava acostumada a dormir. Eu não sou o lagarto,se é que me entende;eu não sou quem você pensava. Sou o cara que você que você tem não na vida real,mas na sua fantasia de moça adolescente,o cara que mora longe,esquisito e anti social. Eu sou uma idéia.


MORRI de tanto gritar do meu lado de dentro,o meu lado de fora calmo e sereno,via os seus olhos derramando um lágrima de um olho. E eu gritava e gritava e você chorava,não me escutava,não entendia,ou não queria entender. A liberdade é relativa e a minha prisão era você naquela sala escura da minha mente.


DEITADO do lado direito da cama,sentindo-me um prisioneiro-carrasco de algum conto de Kafka,eu vomitava nos lençóis que antes foram acariciados por você. O meu cheiro de noitada bêbada com um toque de abandono,o meu cheiro oco de verme alcoólatra na sua cama,misturando-se com o cheiro de sabonete que o seu pescoço deixava no travesseiro. Ao todo era um cheiro único de noite azeda e sabonete vaporizado. Sabe, essa imagem de banho fica na minha mente e não sei se é nojo ou se é higiene.


JÁ NA ESTAÇÃO eu deixei minha liberdade caminhando sobre cabeças desconhecidas que talvez cheirassem igual ao seu champu. Mas eu não quis saber que cheiro tinham ou se eram carecas.

Eu morri. A sua idéia morreu logo após abraçar-se à você,como um vampiro vira pó ao ver a luz do sol. Dissipei-me-te. Morri para sempre e agora vejo uma lágrima em apenas um olho,a sua mão no lençol e a sua bebida em cima da mesa,e você...você eu não sei.

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