sábado, 5 de fevereiro de 2011

E eu que tinha apenas 17 anos

Primeiro um gole num copo de leite bem gelado. O copo suado deixa o círculo na mesinha, não gosto, limpo com a mão e mistura o pó com todo o vazio da vida. Era eu.
Nos anos que se passaram desde os meus dezessete anos tentei cobrir essa camada profunda de amor-falso-inexistente, que um dia, talvez por uma noite você tenha me causado. Mas foi golpe certeiro.

Quero tudo e mais um pouco da sua vida. Te sugo desde o momento que te conheci, aos poucos, mesmo esquecendo. E mesmo não querendo, o fio continuou minimamente ligado entre nós, de minha parte, infelizmente.

Sei lá, foi de repente. Hoje mesmo não estou muito bem, tudo soa niilista demais, as pessoas estão caídas nelas mesmas, as outras que não estão tentam cair em outras, uma porcalhada danada da vida. Nem sempre me parece tudo certo, aliás, quase sempre tudo parece estar torto, às vezes gosto disso tudo, do mistério de amanhã e por isso também caio em mim mesmo, por dentro, bem por dentro, agarranhando o pedaço de tripa que ainda falta contaminar.  Uma angústia presa na garganta, de sentar e chorar com minha avó, que deixa transparecer a quase lágrima que cai do rosto tentando escondê-la. É nítida sua preocupação. Tempos de angústia.  Sempre foi assim, mesmo antes dos dezessete.

Acontece que antes meus amores eram outros, e eu ainda nem sabia se ia mesmo um dia te ver, nem sabia depois se sobreviveria a isso. Confundo tudo com restos do passado e livros empoeirados que li. São histórias que se cruzam, nem sei mesmo se foi comigo, mas foi aos dezessete, meses depois, uns dois ou três e nada mais. Digo, e tudo mais.  Depois não fui o mesmo: chorei adoidado debaixo do chuveiro, senti teu perfume nos outros cangotes, beijei de mentira outros olhos para relembrar o seu não-acto, sempre quis, sempre quis que me beijasse os olhos, desvairei noites inteiras sem dormir babando nos restos de lembranças dadas por você, um chaveiro, uma pulseira, as cartas, teu perfume evaporando dia-a-dia e agarrando-se mais e mais no meu pulmão, te respirando como um fantasma, um miserável fantasma infame. E era eu que me dilacerava.

Tantos anos. Tanto nada respirando em mim. Me pego com fotos suas e me dói saber que você nunca, jamais, nem ao menos cogitou de me amar. E ainda, depois de tanto tempo prometi a mim mesmo que te esqueceria, te sacrificando num ritual bacaca de palavras mínimas. Inútil. Guardo para mim. Talvez um dia  ainda te veja, ouça sua voz de moça formada, sim, já moça mulher, olhe com carinho e ódio tua face clara, seus lábios carnudos. Eu era uma criança apaixonada. E você um dragão branco que me queimou com teu fogo. Daria no que tudo isso? Bem sabíamos, desde o começo. Agora aqui, esse cachorro batendo as patas no meu joelho, implorando atenção, como imploro agora, a ninguém, remoendo o leite que esquentou no copo, faz muito calor, um sol de danar lá fora, céu azul. E embaço com essa escuridão dentro de mim, exorcizada aos trancos, porque é preciso se encontrar, mas acontece que me perdi ao te relembrar no fundo da poeira da memória, do porão das lembranças, e me assusta saber que foi tudo guardado às pressas, sendo que poderia ter sido jogado fora.