sexta-feira, 25 de junho de 2010

Tarde de Junho

é tempo de céu azul
afta na língua
música sensual
unha lixada
cabelo desfeito

passeio no campo
solitário
passeio nos livros
mais ainda
passeio contigo
nas nuvens
tortas dos nossos pensamentos

é tempo de amizade
e boas ações
boas bocas
mãos em mãos
pés sempre juntos

é tempo de frio
e o calor
que me aquece
te aquece também.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Uma parte de mim

Nos dias quietos
como este, meu caro
dá vontade de sair pro desconhecido
e mal sei eu que o desconhecido
está bem debaixo do meu nariz.

sábado, 19 de junho de 2010

Breve Consciência de Três Anos pra Cá.

De quando eu tinha dezessete anos e conversava comigo mesma, no meu único muquifo empoeirado: Este. Meu caro, há quanto tempo não me dirijo a você. Há quanto tempo não me dirijo a mim. Como eu cresci. Como eu mudei. Mudei mesmo? Ou será só esse cabelo despontado? Ou será só essa falha na sobrancelha? O mesmo rosto, os mesmos sorrisos de criança com doce. Ninguém rouba de mim. De repente me vejo mais mulher. Inútil. Me vejo como me vejo. Me incomodei um pouco. Onde está minha inocência? Ainda vejo beleza em tudo. Mas essa selvageria humana. Um coração concreto pesando no meio das pedras urbanas. Uma nova fase, um novo ciclo. O vínculo. Me desato de tantos nós e me ato em outros. Outro acto. Um monólogo. Queria escrever uma musiquinha pro mocinho-mais-lindo-do-mundo me cantar. E ele sabe que é ele, de barbinha e cabelo gostoso de amaciar. De violão e songbook do Chico. Que saudade.
Ai, que saudade de mim que me deu. De quando eu ia sozinha aos pinheiros caminhar e recitar poemas que sei decor até hoje. Eram sempre os mesmos, todos os dias, com o sol se pondo. Os pinheiros sempre de braços abertos para mim, arreganhados. Eu e minha pipa, eu e meus amigos e piquenique. Que fartura. Cantava essa leveza pesada da vida, tão gostosa, tão dócil. Canto outras coisas agora. E me agarro a essa sobra do que os outros não querem, o belo, o inútil, é meu. É tudo meu. Inútil saber que não é.
Descubro minha voz. Canto pra mim mesma com mais afinação. Alto demais. "Mas minhas voz é de criança..." Sim, eu já liguei pra mim mesma só pra ouvir minha voz. Bocuda. Voz de criança mas fala besteira. Sempre falei, oras. Que mal há nisso? Pior se eu matasse passarinho. Pior ainda destruir o ninho.
Sempre descubro novas maneiras de ficar sozinha. E foi isso que sempre me fez ir pra frente. Ou pra trás. Eu nunca sei direito. Também não deve importar muito avançar ou recuar, ou ficar. Contanto que você veja o pôr-do-sol. Que me interessa se um recua enquanto outro pula duas casas? Já joguei banco imobiliário e a vida é mais ou menos desse jeito, só que sem olhar antes o Sorte ou Revés. Reluto muito, mas o mundo acaba por não se moldar a mim. Me diluo. Dissolvo. Nunca. Sou eu mais maleável nesse espinho de roseira. E o bagaço da laranja. Dou duro pra me camuflar.
E de dançar sozinha com aquela cartola lilás ouvindo Morcheeba? Muitos risos e caretas no espelho. Que delícia. Ai, menina, largue mão de ser daninha e vá estudar. E eu estudava. Largue mão de arte e vá tomar banho. E eu tomava. Largue mão, menina, de ser respondona. E eu não respondia. Tudo isso resultou nisto. Artes copistas literárias na parede, essa coisa gostosa introspectiva. Mas até que me acho simpática, não posso negar. Não posso negar, falo o que eu quiser nessa porcaria, é tudo meu. E você pare de ser mimada, e eu não parava e apanhava de vara de marmelo, de cinta, de fio de rádio, de chinelo, de tapa, de tudo. Ai, como doía. Casca de ferida. Ou abria a bocão a chorar ou ficava séria, firme e forte, engolindo o choro. Ruindade. Uma vez fiz meu pai chorar. Já fiz minha mãe chorar. Já me fiz chorar. Até o Lobinho, meu cachorrinho que me morreu atropelado por um infeliz, já devo ter feito chorar. T U D O bobagem. A gente chora porque sente, ué. Porque dói. E quer coisa mais bonicta que doer? Quero. Lá vai: Não, não tem. Tudo dói. Dói de lindo, dói de triste, dói de felicidade, dói de dor mesmo, de barriga ou cabeça, dor de parto, dor por dor, dor-prazer e a dor de amor? Clássico e clichê. Dói de saudade, dói de arder o frio, dói o sol por muito tempo.Dor de morte. E dor de dente? Mas é que a gente reclama de tudo. Que diabos eu estou falando? Eu já tenho 20 anos, não sei nada, mas sei muita coisa, já tive todas essas dores, e quem não teve? A criança da quarta série? Faz-me rir. Na quarta série eu tinha dor de ouvido. Aposto. Nem na piscina eu ia. Na oitava eu já deveria ter dor de pseudo-amor. E dor de barriga? Até hoje.
Hoje tenho vinte anos e me levo no berço eterno da placenta materna. Por opção. É difícil, acredite, é muito difícil crescer. Mas continuo me alargando. Hoje aprendi que: não se pode pisar na grama quando se tem plaquinha. E achei isso absurdo. O que vai doer a grama serem pisadas? Poupem-me.
Hoje tenho vinte anos e parece que nem nasci.
E que tudo acontece aos 17: Escrevi cartas (ridículas) de amor aos dezessete, amei aos 17; sofri demais; me formei aos 17, aos 17 estava coçando a mão pra fazer 18. Aos 18 eu queria voltar aos 15. Mas nem sempre. Meu primeiro namorado foi aos 17. E aos 17 eu comecei a escrever pra mim, pra você, meu muquifo.Viajei sozinha, para o desconhecido, para a desconhecida, aos 17. Aos 17 ainda chorei em posição fetal debaixo do chuveiro, Ah! meus dramas! Aos 17 eu já conhecia Chico Buarque e adorava Bolero de Ravel, Nina Simone e a Nona Sinfonia. Li Lolita aos 17. Reli aos 18. E tentei reler aos 19. Metade. Matava aula aos 17 e ficava na biblioteca. Conheci Delacroix e sua Órfã no Cemitério, acredite, aos 17. Prestei vestibular aos 17 e não passei. Pintei meu quarto, assisti Laranja Mecânica e li todas as peças do Jorge Andrade, aos 17, aquele da Marta e o Relógio. Mijei nas calças, fiz arroz, lavei o quintal, escrevi, asneiras, mas escrevi. E tudo tudo tudo. Mas eu já tinha vida. Sim, havia vida antes do 17. E como havia! Mas aos 17 eu comecei esse vínculo comigo mesma que se une mais e mais. Não é o vínculo teatral, mas é o vínculo visceral. A droga literária. Doses irremediáveis de palavras. Aos 17 eu escrevia sobre a surrealidade absurda e inútil do pensamento sobre um copo com água. Eu acho isso bárbaro. Bárbaro em todos os sentidos possíveis. E me acompanhar até aqui, até essa porta escura que é o amanhã e a penumbra de hoje, é como enfiar uma lanterna na janela de ontem e ver foco por foco cada chaga do meu corpo. Corpo novo. Mas já tão velho, em sentidos grandes. E tudo, abusivamente, não faz, talvez, sentido nenhum. Mas que eu cresço e preencho cada vez mais as páginas da minha tortuosa vida com letras vagas, aleatórias. Mas que nem eu sei o que é, mas é. É uma pétala que fica em cada página. Uma gota de sangue ( em cada poema), e não é de guerra. A engrenagem linfática de tudo o que é torto e não se arruma. Mas o que é reto nessa fajuta trajetória vital?
Aos 20 eu ainda continuo fazendo as mesmas enfadonhas coisas, mas é aí que está, com outros olhares. Talvez, mais sujos ou mais largos? Minha cara, quanta consciência há nisso tudo. Você que teve a vida ao deus-dará, sempre, desde pequena, meninota, quando andava de patinete pelo bairro. E caía e tropeçava, o joelho sangrava. Você, eu, tu, que exerce controle nenhum sobre teus pentelhos. Controle nenhum sobre teu controle de televisão remendado com durex e com pilha fraca. Você, bêbado aos 15, vomitando pelas praças de cidades interioranas, que se acha dono do mundo. E você, mamãe, e você, papai, que cospem a liberdade de seus filhos no ralo com cabelo. É inútil querer traçar um plano para eles. Acredite quando eu digo isso. Ele será coronel se o quiser padeiro, e padeiro se o quiser coronel. Cuida-os com amor e carinho, mas eles são do mundo. Aceite a perda. A conspiração do universo bate sempre à porta. Tive que aceitar que nem minha eu sou, que sou jogada aos quatro cantos do mundo, aos quatro ventos uivantes do pão amanhecido de cada dia.

Poema da Menina na Janela

Mas essa poesia da gente
esse perfume que fica
esse gosto doce do beijo
um abraço apertado
você na minha janela
fumando,
os seios cobertos pelos cabelos
a luz do sol te iluminando
mas você, mas você,
me faz suspirar.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Da janela do meu Muquifo

Do quarto que não é meu
E me apossei por uns dias
Da janela vejo pessoas que passam.
Uma japonesa, um chileno de mochila amarela.
Outra senhora japonesa saindo de casa com seu lhasa-apso.
Ela vai até a esquina e o cachorro pára, faz um cocozinho.
Muito educadamente, ela o pega com uma sacolinha de plástico.
Limpa o bumbum do cachorro com um papel. Sai de cena.
A fumaça do cigarro distorce um pouco.
Agora uma moça passa. Desvio os olhos e vejo novamente a mulher
limpando a bunda do cachorrinho. Voltam à frente da casa dela. Ela fala alguma coisa para o cachorro
( será que ele entende?) e o puxa com toda força. Acho que ele não entendeu não quer ir.
Sai de cena. Um rapaz saindo de casa com a moto.

Não queria lhe dizer, mas
essa janela, esse sol da tarde, essa música
esse cigarro
deixam a gente feliz
que até nem sei.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Raiva Repentina

Ai que me arrebento
desses imprevistos
desses limites
dessa vida
errante.

Me mordo.
Te mordo.

Às vezes tenho ódio de tudo.
De vez em quando enlouqueço no banheiro
no chuveiro
enquanto a água cai.

Mas o dia está lindo.
E vou me namorar sozinha.

domingo, 13 de junho de 2010

Trilogia Banderiana

PORQUINHO-DA-ÍNDIA

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor no coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos e limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum de minhas ternurinhas...

- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.


TERESA

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
( Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez que vi Teresa não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus se voltou a se mover sobre a face das águas.



MADRIGAL TÃO ENGRAÇADINHO

Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na minha vida, inclusive o
                                              [ porquinho-da-índia que me deram
                                              [quando eu tinha seis anos.

sábado, 12 de junho de 2010

Carinho

te faço tudo
 carinho
 cafuné
 beijinhos
 café

Breve Apelo

Onde andará Viviane Luqui Acto?
Seus semi-cachos loiros acinzentados
seu sorriso de boca fina
nariz de europeia
alta e sedutora
fria.

Onde andara Viviane?
E seu longo vestido florido
E seu longo pescoço branco
E seu longo silêncio reduzido

Onde andará o teu sorriso?
nas aulas de russo
nos corredores das letras
no dia do impulso
no teu recado partido

Na minha breve vida
encontrei-a
nenhuma resposta
apenas algumas, breves, nada longas
"Seja muito feliz"

E nunca mais apareceu.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Graça Fumaça Vitrola

No começo achei que nunca ouviria nada assim.
Assim, dessas coisas que a gente fala sem querer, que sai do coração mesmo, ou da pele, ou da boca linguaruda. Que sai sem pensar. Apenas sai. E saiu.
Depois do dia maravilhoso. A tarde toda debaixo da coberta esquentado meu gélido corpo. Cheguei à noite, a casa sozinha. Toda minha.
Um maço inteiro de cigarros em cima da mesa. Quanta asneira. Mas eu estava feliz demais para pensar no câncer. Tirei meus sapatos, joguei-os pro alto. Tirei a blusa. Abri a janela do quarto vazio. Tudo meu. O mundo é meu. Olhei pra vitrola, procurei um vinil na caixinha e coloquei um jazz no Glen Miller. Di-vi-no. Peguei um cigarro, acendi na terceira (nunca aprendi a acender cigarro), cambaleei dançante até a janela do quarto vazio. Frio. Luzes pra lá, alguns prédios, o bairro calmo. Fumei como uma poser, uma cena clichê de filme. Ando muito clichê, afinal. E não querer ser clichê por ser clichê também é muito clichê. Pensei. Fumei. Soltava a fumaça como uma actriz, faltou a piteira. O jazz tocando, a noite só minha, o frio só meu, pulmão só meu. Acabou o cigarro e dancei sozinha na sala. Aproveitei meu corpo enquanto ele pode. Piano, saxofone, fechei a cortina, deslizei de meias no chão, rodopiei. Que alegria repentina, que delícia. Num solavanco, fui até o banheiro e fiz xixi e escovei meus dentes, porque me deu uma vontade imensa de escová-los. Sempre escove muito bem atrás dos dentes. Depois me enfiei debaixo do chuveiro quente, lavei minha calcinha e a esqueci em cima do box. Paciência. O disco ainda tocando, corri pro quarto e me enfiei no pijama azul-calcinha-de-vó. Nada mais confortável. No começo achei que não dançaria nada assim. Arrasei na pista.
Depois comi Cheetos de Lua queijo parmesão e me perguntei porque Lua se ele tem formato de bactéria. E lua ou é redonda ou é semi-circular, mas não um bastonete. Vai saber. Tomei suco de maracujá. E ainda estou com fome e com frio. E com sono. Mas estou tão de bem comigo que , não sei. Superstições. Pensei em fumar outro cigarrinho. Por pura graça. Nunca gostei de cigarros, mas no começo achei que não fumaria nada assim. Nada assim sozinha ao som de um jazz.

Voz de Menina Doce

Porque te pergunto se me esperas se eu sei que te espero?

Ao desligar o telefone, com a voz sussurrada, não pra fazer silêncio, mas pra relembrar antes como desligávamos o telefone, eu disse que gosto muito de você. Repeti mil vezes, querendo atravessar a linha e chegar na sua boca. Você não sussurrou para mim, com medo talvez, querendo deixar tudo como está. E tudo está como está: assim ficamos, assim calamos, assim nos gostamos, no silêncio. Mas grito aqui, pra esse mundo oco, numa manhã de sexta-feira, em mais um dia frio em São Paulo, um avião passando ao fundo, grito que a saudade habita e me invade cada vez mais. A saudade. Mas com calma. Estou calma. Grito manso, sem desespero. Doce como a nuvem que te envolve. Doce como o canto do passarinho ali na árvore.
Enquanto você cantava pra mim a música picadinha, porque não lembrava a letra, eu chorava quietinha do outro lado, tentando disfarçar a voz presa. E você ria, ria tão macia e eu chorava, chorava tão macia. A gente cantou nossas músicas, que você já havia esquecido, porque você disse que me bloqueou em você. Enquanto eu ainda aberta, exposta, caindo no asfalto escuro da nossa paixão, avistava uma formiga passando. Pequenas coisas. As mesmas coisas. Rimos tanto, conversamos tanto que eu explodia de alegria a cada minuto. E rolava na cama, colocava os pés pra cima, me olhava no espelho, sorria, sangrava, sorria de novo e mais outras dores agradáveis e mais outros doces amargos. Que melodia essa sua voz. Uma menina desamparada de mim. Nem pelos pais, nem pelos avós, mas de mim. Minha. Possessão absurda essa, quando sabemos que somos sozinhos, mas com você, mas com essa lua, com esse outono, a nossa bolha ainda intacta, essa esperança ainda forte, mas com você eu sou capaz de esperar cair meu cabelo pra te ter, esperar a chuva congelar de repente, te espero no aeroporto, a rodoviária, na sala de estar.

Porque me bloqueia se sabes que te carrego?

Não sei, mas acho que nem ciúme eu sinto de você. Vou te explicar: parece que o sentimento já se consolidou aqui nesse coraçãozinho impuro que aconteça o que aconteça, caia uma bigorna, caia o piano da janela, quebre os vidros da igreja, eu vou continuar sentindo teu cheiro gostoso. E acho isso muito bonicto.
' Eu te quero livre também' igual na música que me cantou, ma-ra-vi-lho-sa com sua voz de moça formada, menina inquieta.

Porque o universo conspira contra nós, se sabe que somos fracos, se sabe que ainda caio?

A flor está aqui. As fotos e cartas. Estou aqui também, como sempre. A mesma e velha Valentina. Comendo chocolate, lendo livros, indo a lugares empoeirados, tendo dias lindos, mesmo quietinha. E você a mesma borboleta azul que eu tenho colada na parede.
E voa. Voa. E fica.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Qualquer Coisa que Soe Como Nada

Dentro desse mundo grande azul, desse quotidiano áspero que tira a cada segundo uma camada da nossa superfície e corroe nosso profundo literário e carnoso, sentei e, intacta, me fiz em lembranças. Inteira. Um outro mundo qualquer, qualquer coisa que soe como nada, qualquer bolha de sabão da infância ou um tesouro perdido no futuro. Porque, enfadonhamente, queira ou não queira, a minha vida vai ser um poço profundo de lembranças, um abismo inigualável de perdas e danos e quedas de braço, perdas de membros, um olho. E no outro ainda há ainda a retina inteira, visualizando com uma só visão todo a dor bela do mundo. Aspiramos, como um aspirador inútil de pó, todo o pó da vida, sem querer às vezes, forçados, às vezes dormindo, às vezes morto. E voltamos à poeira vermelha da terra. E voltamos ao sujo da vida. O sujo mais limpo de nascer de novo. O nada. E caía, como Alice cai no País das Maravilhas, e crescie diminuí em questões de segundos num período incontável, porque eu pude, não porque me obrigaram. Obrigar é uma coisa que dói. Mas obrigar é necessário. Dicotomias infames. E se eu for deserdada? Um dia, numa segunda-feira qualquer, quando eu ainda mastigava os restos de ovo frito, uma voz soou como uma agulha no meu ouvido e disse, não tanto porque ela queria, mas porque precisava, que deserdaria sua filha. Palavras duras em voz mansa. Palavras superficiais, mas doloridas.
Acordei. Esse espinho me deixou alegre como o diabo. Cutuquei até sair sangue e agora bebo dele. O meu. E sempre a gente ressurge das cinzas, do negro. Então me retoquei, sorri sozinha dentro do ônibus, sonolenta e não reneguei a vida e aceitei como era. Porque é assim. Aceitação. Isso tem me martelado sempre. A vida. O destino. O universo como centro das conspirações. E eu? Um ponto nesse infinito de retas. Nenhuma curva. Alguém me dê a mão e curve comigo o rio. Quebre esse ângulo. Ressurgi de mim. Uma aceitação, não sei se breve, não sei se pra sempre.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Pássaro Alegre

A coisa mais linda que eu vi na minha vida, que inunda meu coração de alegria, meu amor. Te espero com toda saudade do mundo. E ouço sua voz ecoando por dentro de mim, passando por cada célula e sorrio por que te sinto comigo sempre e te protejo, te envolvo, te faço uma pantera branca onde te pinto com minhas cores, te adoro. E é você a luz dos meus olhos, é você quem me sacode o coração.
Pra gente, um dia, correr no campo florido.
Pra você se lembrar de mim.
Faz amor comigo?

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Remoto

Ai que me deu cãimbra no pé.
Ai, que esse tempo passa lento e demorado, mas passa rápido.
Quando se quer uma coisa e não sabe o que é.
Quando se sabe, finge que não tem.
Uma bolacha em cima. Duas bolachas recheadas.
O dia explodindo de maravilhoso lá fora e eu, e eu aqui, mexendo meus dedos nesse teclado.
E eu aqui, morrendo aos poucos aos som de qualquer coisa.
Um carro lá fora. Esse bairro de São Paulo que parece interior. Um silêncio.
O caminhão do gás não passou hoje com aquela música chata.
E logo estarei em Tatuí.
Se Drummond cantando, seria Itabira.
Mas Tatuí... Que coisa maravilhosa.
Tem a comida da minha mãe, os beijos insanos da minha avó,
meu irmão chato, nossas brigas
O meu quarto.

Ai que quero ir embora.
Ai, que essa vida não demora.
E de pé vejo toda a cidade. Lá do alto. No pôr do sol.
Ai, que essa dor, esse amor louco por tudo
esse desprezo fútil
por tudo
essa coisa emaranhada no peito,
de que jeito?
que vontade pular da janela e voar
nesse imenso céu azul
no canto do pássaro
mas estou presa.

Ai, que me dói.
Mas não destrói.
Me corroe
caatinga.

Quero ouvir uma modinha sertaneja.
Pra lembrá da minha infância
e do meu avô
e do meu pai.
Ai.

E Soletram o Mundo

"Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem."
                                                                     Drummond


Sinto-me forte por não ter desistido de tudo. Embora eu fuja constantemente do que me machuca, consigo me manter na minha bolha doce nessa vida amarga e nem dei ao universo o gosto de vitória. Doloroso. Não encaro as coisas de frente e ontem meu amigo me perguntou: " até quando você vai fugir?" . Fiquei quieta. Por um momento me senti inferior, mas oprimir os outros pensando que se é forte não quer dizer que você seja. Então respirei bem fundo. Pensei que talvez meu destino seja fugir, como o destino de outrem seja, talvez, encarar tudo de frente, achar que deve seguir o fluxo. Mas eu nunca segui o fluxo e meu ritmo nunca foi o mesmo. Talvez eu não tenha mudado nada. Ou tenha me tornado outra pessoa. Mas seguir tudo isso que me impõem, me dói tanto. Um buraco sem fim, um labirinto. O velho funil que já começa na infância e eu sempre fui a descartada. E não falo isso com ar de tristeza, mas um pouco de orgulho e revolta. Fui obrigada a fugir, me obriguei a tornar meu mundo mais colorido e florido nessa imensidão solitária e cinza. Sempre fugia para um campo verde e ensolarado, o imenso o pasto, onde tudo me é mais bonicto e me traz mais verdade do que pensar que tenho que me tornar gente grande pra prestar serviço nessa porcaria de sociedade que me consome e me obriga a consumi-la. Meu mundo é de retratos. Meu mundo é de literatura. " Tenho em mim todos os sonhos do mundo" e nem sempre eles condizem com a realidade. Fugi e fujo. Minha válvula de escape. Se me obrigam a isso, parto para aquilo. Se aquilo me pesa, parto pra isso. E vou sempre nesse tortuoso e eterno caminho de fuga, de tentar tirar mais prazer no que eu posso. O prazer sempre vem depois da dor. Mas parece que a dor vive em mim, então a todo momento preciso escapar disso, ou não. Não reclamo da dor. Ela vem, quase que sempre, de mim mesma. E me sinto forte sendo como sou. Se não sou boa nisso, aquilo eu farei com muito empenho, mas aquilo que me agrada. Não fomos feitos pra aceitar tudo. Ainda mais um tudo vomitado, que passou de geração em geração e nunca, jamais, deu certo. Morrendo deixarei meus caminhos de fuga. Outro que morra deixará seus bens materiais, uma casa, um tradição quadrada, o machismo, um preconceito, a vida dentro desse retângulo com bolinhas. Como me dói. Como me dá asco esse sistema-mor onde se cria as pessoas num estábulo. Te marcam na pele com ferro quente. Te levam com os olhos tapados, no cabresto. Montam em cima de você e então você é seleccionado se suportar a dor, você é aceito no clube deles se for mais forte. E quem disse que não posso ser fraca?
Se me deixo levar é porque nunca fiz questão de ficar nesse plano imbecil de querer ser mais. Apenas sou. E ser mais ou menos não me torna melhor ou pior, nem do mendigo, nem do cachorro, nem do político.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.