quarta-feira, 2 de junho de 2010

E Soletram o Mundo

"Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem."
                                                                     Drummond


Sinto-me forte por não ter desistido de tudo. Embora eu fuja constantemente do que me machuca, consigo me manter na minha bolha doce nessa vida amarga e nem dei ao universo o gosto de vitória. Doloroso. Não encaro as coisas de frente e ontem meu amigo me perguntou: " até quando você vai fugir?" . Fiquei quieta. Por um momento me senti inferior, mas oprimir os outros pensando que se é forte não quer dizer que você seja. Então respirei bem fundo. Pensei que talvez meu destino seja fugir, como o destino de outrem seja, talvez, encarar tudo de frente, achar que deve seguir o fluxo. Mas eu nunca segui o fluxo e meu ritmo nunca foi o mesmo. Talvez eu não tenha mudado nada. Ou tenha me tornado outra pessoa. Mas seguir tudo isso que me impõem, me dói tanto. Um buraco sem fim, um labirinto. O velho funil que já começa na infância e eu sempre fui a descartada. E não falo isso com ar de tristeza, mas um pouco de orgulho e revolta. Fui obrigada a fugir, me obriguei a tornar meu mundo mais colorido e florido nessa imensidão solitária e cinza. Sempre fugia para um campo verde e ensolarado, o imenso o pasto, onde tudo me é mais bonicto e me traz mais verdade do que pensar que tenho que me tornar gente grande pra prestar serviço nessa porcaria de sociedade que me consome e me obriga a consumi-la. Meu mundo é de retratos. Meu mundo é de literatura. " Tenho em mim todos os sonhos do mundo" e nem sempre eles condizem com a realidade. Fugi e fujo. Minha válvula de escape. Se me obrigam a isso, parto para aquilo. Se aquilo me pesa, parto pra isso. E vou sempre nesse tortuoso e eterno caminho de fuga, de tentar tirar mais prazer no que eu posso. O prazer sempre vem depois da dor. Mas parece que a dor vive em mim, então a todo momento preciso escapar disso, ou não. Não reclamo da dor. Ela vem, quase que sempre, de mim mesma. E me sinto forte sendo como sou. Se não sou boa nisso, aquilo eu farei com muito empenho, mas aquilo que me agrada. Não fomos feitos pra aceitar tudo. Ainda mais um tudo vomitado, que passou de geração em geração e nunca, jamais, deu certo. Morrendo deixarei meus caminhos de fuga. Outro que morra deixará seus bens materiais, uma casa, um tradição quadrada, o machismo, um preconceito, a vida dentro desse retângulo com bolinhas. Como me dói. Como me dá asco esse sistema-mor onde se cria as pessoas num estábulo. Te marcam na pele com ferro quente. Te levam com os olhos tapados, no cabresto. Montam em cima de você e então você é seleccionado se suportar a dor, você é aceito no clube deles se for mais forte. E quem disse que não posso ser fraca?
Se me deixo levar é porque nunca fiz questão de ficar nesse plano imbecil de querer ser mais. Apenas sou. E ser mais ou menos não me torna melhor ou pior, nem do mendigo, nem do cachorro, nem do político.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

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