quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A última

Depois de tantas, tantas doloridas, sofridas, engraçadas e alegres, esta é a última.
Desse ano, é claro. A última mesmo não saberei quando será, mas o que importa agora?


quero mais outono, mais folhas secas pra pisar, que as palavras não me faltem e nem a saudade me mate
que o tempo seja compreensivo e minha aflição seja um impulso
que o Amor seja sempre o mesmo, belo, dilacerador, mas que não doa tanto - embora se não doesse não seria Amor -  e os sorrisos me sejam encantadores
os olhos brilhem cada vez mais e os cílios me toquem com leveza
e a boca me beije com doçura
quero mãos nas minhas
pernas entrelaçadas
quero sol ameno com ventinho frio
chocolate quente, sorvete e guloseimas
uma rede dorminhoca debaixo de uma árvore gostosa numa sombra fresca
ou numa varanda qualquer
quero meus amigos, mais música, mais câmera lenta
mais fotografias, preto e branco e colorido
quero perfume, quero poesia, romance, paixão, lágrimas
porque isso sempre nos enriquece, nos fura o peito, jorra o sangue
jorra nosso mais fraco e forte ao mesmo tempo
quero mais viagem, mais tempo bonicto
chuva de verão molhando meu corpo, meus cabelos, meu espírito
quero ano novo sempre novo, sem ser batido, passado, extravagante
quero a simplicidade das coisas, sempre, o momento mais feliz, a película
um fiapo de roupa grudada na outra, beijo no pescoço
pequenissimos momentos, de um sorriso se formando, dos olhos abrindo de manhã, da voz rouca,
da voz doce no ouvido, bem de perto
quuueeeeeeeero a flor desabrochando
quero a flor arrancada do jardim por mãos bonictas
mãos mãos mãos
eu quero o mais bonicto de tudo
eu quero um abraço
o abraço mais forte do mundo
e então posso começar meu ano
posso começar de novo toda esse emaranhado de vida
esse sopro de dor e paixão tudo num pedaço de barro
tudo num simples corpo/alma em eterna, mas viva, mudança.

                                                      
   obrigada, ano velho
  pode entrar, ano novo!

Aquele abraço, aquele cheiro, aquele sorriso que te prende a respiração.


                                                             


ao som de: U2 - Angel Of Harlem

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Preguiça Ronronante

Penúltimo dia do ano.

Senhoras e Senhores
compradores de pepinos

Façam-me o favor de aliviarem minha barra ano que vem. Sem muita ironia do destino, sem o tempo brincar comigo, me maltratar e me dar pontapés.
Hoje sou um bicho do mato. Do mato da minha casinha. Posso ronronar se quiser. Soltar minhas garras pra fora. É fim de ano. Fim de ano é um pé no saco. Vou furar o saco com minhas unhas pontudas depois andar calmamente, espichando meu rabo, até o meu potinho de leite, bebericar e dormir... mas isso até a meia noite de manhã. Depois serei outra. Posso evoluir para uma onça ou pantera... ou uma calopsita - mansa.
Posso ser qualquer sorvete também e me derreter na sua boca. Naquela boca, ou na outra ou na minha mesmo, sem problemas. Posso ser uma... música? Uma cor? Seria o branco e o vermelho. Hoje eu seria o calor de dias nublados. O mormaço. Depois me queimaria e deixaria minha pele ardendo, como sempre fica, e passar aquele creme pós sol refrescante e ligar o ventilador bem nas costas. Sabe, aquele sono e fome depois da piscina? Vontade de dormir na rede.
Vontade de um colo bem macio acariciando meus cabelos. Uma água de côco, um copo de leite puro e gelado. Um ventinho pra acalmar. Um humour de luz do sol bem amena. Mas o ventinho... quase fecha meus olhos e me faz sorrir um canto, cansada, fatigada... mas não triste. Um colo pra eu deitar, uma mão passando bem de leve no meu rosto, e eu com os olhos fechados sorrio com muita preguiça, quase dormindo - entre as nuvens do amor ela dormia -, sentindo um perfume de flores que vem lá de fora, nesse vento abençoado.
' Vinhas fatigada e triste e triste e fatigado eu vinha' , mas não estou triste hoje. Estou calma. O que é bom, afinal. E posso também, se quiser, sentar embaixo de um coqueiro ou palmeira bem alta ( o vento precisa estar presente- mas é um vento fraco) e tocar violão, sozinha, num imenso deserto de areia.
Penúltimo dia, meus senhores. Acho isso tão estranho. Eu sempre fico pensando o que eu fazia no ultimo dia do ano do ano passado. E fica aquela brincadeira de: meu último banho do ano, essa roupa que vai virar o ano comigo... e nada muda, na prática. Mas a esperança é sempre a mesma, e nossa noção do que vai acontecer é zero.
Eu posso ser também um cadeado... acabei de ver um aqui na minha frente, e ele parece alguém em coma. Não, eu não poderia ser um cadeado. Vou continuar sendo uma gacta, preguiçosa e com sono. Malhada, simpática e acariciando a perna dos outros, de estranhos que chegam em casa - se chegasse alguém- da minha mãe, da minha avó... e então pulo em cima da minha cama e me deito com os ursinhos que nela habitam. E durmo, junto deles, num silêncio de bairro calmo, na metade dessa última quarta-feira, na metade de desse dia preguiçoso.

Miau!


grrrr
                          

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Que porra!

Aiiiiiiiiiiiii, que delícia é essa de vir aqui e vomitar tudo?
Estou rindo feito boba mesmo aqui na frente dessa berosca!
Nada de poesia, rimas ou o caralho a quatro.
Eu até poderia fazer aquelas coisas melancólicas, gritar essa ausência, esse peso,
esse enfadonho final de ano
sei lá... alguma coisa. Mas só queria dizer isso mesmo!
Obrigada, senhores, por esse lapso de vômito de léxico e ideias aqui presas.
E sentimentozinhos que espero que se esgotem e no primeiro minuto do dia primeiro eu seja outra, renovada, o cabelo mais lion e toda essa ladainha Cássia Oliveira ou Chic Valentina. Eu não sei, já me confundo. Quem sabe ainda surjam outras. Em todos os sentidos.

Pra você que me ama!
                  Aquele abraço!

( que mistura!)

Só pra estrebuchar

Olá, Pós Natal...

Estou começando a não gostar desses finais de anos. Me irrito muito facilmente, e ficar trancafiada em algum lugar, fazendo nada e me devorando o dia todo não foi de todo legal. Mas em questões sociais, não posso reclamar. Acho que o Natal vai passar mesmo como apenas um feriado qualquer. A coisa mais legal que eu sempre faço no Natal, eu não fiz esse ano. A coisa mais legal que eu faço no Natal é entregar cestas para os moradores de rua em São Paulo, com minha tia e meus avós, mas esse ano resolvi passar com a minha mãe. Que graça, não? Tudo bem. Temos o Reveillon ainda, me esbaldar de champagne e vinho e sei lá. Também tanto faz.
Eu queria mesmo era voltar embora pra Tatuí, deitar na minha cama, rir feito boba e escutar aquele CD que eu gravei, supimpa! Depois ligar pralgum amigo, pegar o fusca azul-calcinha e sair por aí, cheirando gasolina, e gritando na frente da casa dos outros. Depois parar naquela lanchonete, pedir porções de batata frita e se esbaldar de comer até altas horas da manhã e morrrreeer de rir. Meu Deus, que delícia! Obrigada pelos amigos, por Tatuí, pelo fusca azul-calcinha e pelas batatas douradas. As 5 horas que fiquei com meus amigos foi muito mais legal que esses dias de Natal! Porra! Minha mente nem funcionava. Eu até chorava assistindo filmes, credo. Que Tédio! E olha que sou bem brega pra fazer qualquer coisa, mas senti minhas pernas atrofiando de fazer nada e fazer nada é meu ofício. Não priemos cânico...
Voltei pra Tatuí. Estou em casa novamente. Abençoada cidade. O tempo amanheceu feio e está ventando. Mesmo assim pareço me sentir bem, dá até pra soltar pipa. Na verdade o dia está para deitar no sofá e assistir TCM Classical Hollywood tomando sorvete de creme. Cáááááásssia, que sedentária. Hahahaha.
( abre aquele sorriso bobo).
Minhas últimas postagens desse ano. Acho que eu deveria fazer uma retrospectiva. Um resumo geral, sem demoras. Claro que vou dedicar uma postagem só pra isso. É mesmo.
Feliz Natal atrasado, senhoras e senhores membros do júri. Que os dias melhorem e os anos também mas, tanto faz. O que me importa é se o céu está azul ou cinza, ou cor de baunilha, igual Monet, segundo aquele filme. Cor de baunilha, eu achei maravilhoso!
Um beijo!

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Sono Saudade

Ah! Que sono!
Ah! Que saudade!
Ah! Que sono ainda!

solidão acompanhada
calor distante

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Ode à mordida!

NNNNNHHHhhhhhhhhhhhhaaaaaaaaaaaaaaaaaaaacccccc
ccccccccccccccccckkkkkkkkkkkkkkkk!!!!!!!!!!!!
Uma mordida numa maçã
num pêssego sedoso
numa boca macia
no travesseiro
na mão
no braço
Uma mordida de vampiro
uma mordida de cachorro
de ratinho
Uma mordida no porquinho da india
que eu ainda não tenho
no Amor deitado na rede
preguiçoso
sereno
com esse calor que dá moleza
Uma mordida de menina
uma mordida de menino
mordida da mãe, do primo
mordida na vó
mordida na barriga
no pescoço
cheiroso
Uma mordida de Natal
uma mordida de presente de aniversário
uma mordida inesquecível
mordida de fim de ano
mordida de Páscoa
mordida de ódio
de carinho
de desejo
mordida de beijinho
beijinho de mordida
menininha
Nhack!

sábado, 19 de dezembro de 2009

Veio então a chuva.

( para ouvir com Goodbye Blue Sky - Pink Floyd)
'Teu coração baterá fortemente, sem que ninguém escute'
Um gramado imenso- eu diria infinito- verde, muito verde, que contrastava com o bem azul do céu. As nuvens brancas passavam às vezes lentas às vezes rápidas naquele plano infinito. Eu estava deitada olhando isso tudo. Apenas eu. Não se via nada além de todo esse cenário imenso e solitário. As nuvens faziam-me sombra.
Meu corpo apenas se deitava, de vez em quando minhas mãos apoiavam a cabeça, como um travesseiro, e meus pés se cruzavam. Era o que eu pensava ser - apenas alguém deitado num gramado.
Por alguns segundos de sonho havia alguém segurando minhas mãos. Olhei para o lado e apenas vi que a grama estava um pouco amassada, alguém havia deitado ali. Ali, do meu lado, e viu, como eu vejo agora, as nuvens passarem sobre nossos corpos. Mas não havia ninguém, e eu não sabia se eu queria que houvesse, eu sabia que eu sentia uma dor se alastrando pelo meu corpo. E era uma dor que não se sente em grandes dores físicas, mas como um mal silencioso que me devorava aos poucos por dentro, como uma saudade. Quando caiu uma lágrima de cada olho e escorregou salgada pelo meu rosto, passando pelo pescoço, pela nuca até chegar na grama. Eu nunca sei exactamente o que é sentir falta de alguém, mas aí pensei que era não poder segurar uma mão que eu segurava antes, era não sentir mais aquele calor.
Silenciosa eu derramei mais algumas lágrimas, eu estava paralisada um pouco, porque tudo que se passava em mim eram lembranças de um mundo remoto, campos floridos e leões que eu cavalgava. Eu quis chorar e não achei que isso fosse resolver alguma coisa. Mas eu chorei.
Alguns momentos depois tive muita raiva, e eu quebraria a casa toda, se eu tivesse casa, e estraçalharia aquele coração distante, não o meu, mas o seu. Mas eu sei que alguém já fez isso com você. Eu sei que alguém já fez isso comigo. Com a gente, o que é que sobra?
Meus pés descalços passavam pela grama. Se eu pudesse ver teu rosto, eu estaria te olhando bem no fundo dos olhos e visto quanta mentira você contou, não para mim, talvez. Se você pudesse me ver você derrubaria lágrimas nos olhos e veria tudo o que você quis um dia, tudo o que restou no seu coraçãozinho duro e perdido. E você, no fundo, não quis nada. Escondeu numa realidade fragmentada esse tempo que podemos pegar com as mãos, porque é muito fácil quando se pode viver quando o vento sopra a nosso favor e o tempo nos carrega como um bebê.
Minhas mãos passavam pela grama e eu sentia alguma coisa penicar. As mãos que soltaram as minhas eram as suas. E eu não vejo nenhuma outra mão te segurando, nada que me convença dessa sua realidade inventada, nada que me convença que você gosta de outra pessoa. Não porque eu quero ver isso, mas porque eu sinto. Não posso fazer nada, a não ser fingir acreditar em você. Não posso fazer nada sozinha.
No fundo eu ria. Mas eu não sei se eu ria de saudade, de marmelada ou de dó. Isso só é mais doloroso em você. Porque eu sei que vai pensar mim e lembrar-me em todos os momentos que me quis ao seu lado, porque eu lembro de você, até aqui, deitada nesse campo, até depois de você fingir que a decisão que você tomou foi a melhor ( talvez seja). A escolha é sua. Mas se for fazer algo certo, que seja inteiro. Pois essa é a sua maior enganação para com a outra pessoa. Que triste deve ser estar com alguém e pensar em outro e fingir tanto amor superficial, boiando na piscina suja em dias de inverno. Tanto amor superficial que escorre pelas mãos feito bexiga d'água estourada. Isso é o que eu sinto, não posso mentir, talvez seja pura verdade. Talvez seja mesmo um amor-real-feliz-que-eu-posso-tocar.
O toque na pele. O toque no Sonho. Inspirei um perfume que não sei de quem é. O meu? Cheiro de grama. Cheiro de céu. Cheiro de ainda-não-terminamos-nada, mas o meu silêncio diz por si só. Som de cheiro de silêncio do corpo sozinho.
Começou a chover. Deixei que a chuva entrasse em mim, me lavando inteira. Lavando minha saudade, meu pesar sua ausência, o seu afastamento por conta própria, o meu afastamento, o seu delírio real, o seu delírio em mim que sou eu, que somos, e quanto mais você foge, mais me pesa tudo isso. Mais te pesa meu cheiro te incomodando. Mais te dói minhas palavras. Mais me dói sua confusão, essa mistura ingrata de copo de leite com cerveja barata. Lavando o que fomos. Por ter sido o que não foi. Por ser o que não era. Mas que ainda assim foi. Pelas palavras repartidas. Pelo seu e o meu desejo contido explodindo aqui dentro. Pelo meu fingimento. Pelo seu. Por nossas rosas partidas, nossos beijos entrelaçados. Nosso fio que ainda, por incrível que pareça, nos mantém. Essa força vital que não sei da onde saiu, que nos une. E você, por mais que queira desfazer, acaba deixando muito mais bruto, pois quando der conta, verá que não poderá controlar, como eu não pude, nem você pôde, nem nós duas juntas. Mas que tenha sucesso seja o que for que está tentando fazer. O que é o fim nessa vida a não ser a morte?
Começou a chover. Fiquei em silêncio, depois de vomitar todo esse verme em mim. Ficarei em silêncio. Não nego a saudade, não nego que eu gosto de você ( e você nem sabe), não nego sua falta, não nego meu desejo, não nego. Os tempos são outros, o fim é só o desejo de um novo começo. É alimentar essa sede que temos, esse desejo louco assassino de gritar seu nome, essa sua fúria de ter que viver enfadonhamente essa realidade de merda que você julga tão realizadora. Que pena! No seu lugar eu talvez fizesse o mesmo. Sacrificando-se por alguém. Cuspiria muito ainda tudo o que você tinha que ouvir. Mas a chuva já chegou.
Adeus, céu azul.

Que me guarde!

Olá, senhoras e senhores membros do júri.

Cá estou entupida de coisas a escrever, mas não consigo, nem organizei minhas ideias. O que virá logo mais não é senão minha mania de cuspir as palavras e ver o que sai delas, mas como disse, ainda há muito o que desentupir, ainda há as ideias para recompor. O ano está acabando e espero fechá-lo com todas as palavras que eu necessito. Quero palavras novas, mas ainda há tempo...!
Hoje o sábado amanheceu muito bonicto. Ouço de longe algumas marteladas que parecem perturbar no fundo, mesmo quando não se sente tão directo assim. Meu cabelo está mais comprido, minhas unhas também maiores, meu rosto parece o mesmo com pitada de canseira de fim de ano e meus olhos continuam se alargando. Hoje acordei com o meu irmão entrando no meu quarto para pegar alguma coisa, deduzi que ele tivesse ido pegar o documento da moto... e era mesmo. É, eu tenho uma moto e adoro quando pego aquela avenidona imensa, correndo muito, e sentindo o vento passando por mim muito rápido me deixando o cabelo lá longe e o rosto bem gelado...
Meu rosto gelado sente o impacto quando depois encosto em um rosto quente, ou quando eu coloco minhas mãos nele, num gesto meio de esquentá-lo e segurá-lo para pensar na vida da amargura. Mas nem tudo é amargo... e nem tudo é doce. Que bom! Embora eu tenha deixado minha vida muito mais adocicada, ou pelo menos tentado, eu senti mesmo o amargo em muitos quesitos que consideramos importante para se manter um equilíbrio - momento não irei citá-los. Agora não sei medi-los.
Passei a mão nos olhos e ainda senti algum resíduo de ramelas. Minha boca sim está amarga porque eu ainda não escovei os dentes, mas preciso comer primeiro e já estou pensando no bolo de iogurte da minha mãe. Eu gosto muito desse bolo de iogurte dela. O dela, pois nunca comi os outros. Ela fez o bolo porque sabia que eu viria embora e eu amo quando ela faz essas coisas. Quando chego tem bolachas e bolo e sorvete e flan com calda de frutas vermelhas que ela compra e me fala pelo telefone quando estou prestes a vir, que ela cozinhou feijão e eu amo feijão, muito mais quando é cozido na hora. Adoro mesmo a panela de pressão pegando pressão e o cheiro de feijão se alastrando pela casa.
Mas nesse sábado tão belo, chamando-me e quase pegando meus cabelos, não posso ficar a olhar o teto. Talvez eu possa. Mas lembrei-me dos pinheiros e pensei em caminhar por entre eles. Andar, fotografar, recitar poemas que eu lembro de cor, sentar em algum tronco e olhar a imensidão azul... quanta beleza! E então eles me escutariam como meus melhores confidentes, porque é meu confessionário adolescente e um pedaço infantil, de quando eu ia com a minha mãe e o meu irmão, nós dois pequenos, caminhar entre os pinheiros. E depois eu voltei para eles, os braços abertos e o peito cheio. Depois eu voltei, crescida e tendo nos olhos aquele brilho confuso de dentro pra fora e de fora para dentro - eu nunca sei.

Mas esse sábado... se ele soubesse que algo aqui me incomoda. Aqui dentro, eu digo. Um cisco. Um balbucio incompreensível. Esse sábado nos pinheiros. O que são as luzes fragmentadas pelas folhas que me guardam? O que eu quero dizer com tudo isso? - senhores, saiam enquanto é tempo. Larguem-me mais uma vez, que eu quero esse dia iluminado iluminando meus olhos cansados. E eu quero sorrir com todo esse calor do sol. Mas o tempo, o tempo voa longe... e voa longe muito longe de mim. Se ele soubesse...
Que esse sábado me guarde!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

... porando

É algo que descontamina...
aos poucos, leve, calmo.
A paz que volta meio densa
na sua cortina pesada
com os raios de luz entrando aos poucos
.
.
.
é o ritual.

É algo que descontamina...
e passo a ser aquela de sempre
- em mim mesma-
desde o cabelo leão
até a ponta gelada dos meus pés.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Algum veneno partido

Foi naquela noite o primeiro beijo. O primeiro e último, já sabíamos. A pele era de um perfume único, sedosa, parecia uma fruta macia. Me deixava o coração pulando pra fora, o cabelo descabelado, cada centímetro arrepiado. Caí na suas garras muito mais fundo do que estava. Foi o ápice desde a primeira vez que a vi na minha frente, alta, os lábios carnudos, o jeito de me olhar. Foi o ápice e o declínio tudo num mesmo tempo. Num único respiro.



Só agora descobri que ela era realmente um veneno. E ela sabia muito bem disso. Apenas eu, cega, arrastando-me, se pudesse (aos seus brancos pés), não sabia o quanto ela me dava corda para me enforcar depois. E isso talvez por própria natureza e um pingo de maldade e prazer. Viu em mim um peixinho muito fácil de se fisgar, afinal eu deveria ser mesmo, ainda mais para aquela menina-mulher sedutora. Ainda mais para aquela garota de 17 anos que eu achei ser um peixinho fácil. Quanto veneno! Que dissimulada! Posso dizer mesmo que eram olhos de cigana oblíqua e dissimulada, jogando todo o seu encanto pelos olhos, enquanto eu, inocente (oh céus) caía com todo meu amor já meio arruinado pelo primeiro toque dos nossos lábios. Talvez fosse já arruinado pela primeira vez que conversamos e sabíamos que nada mais poderia acontecer, a não ser eu beber muito do seu veneno e ter minhas veias entupidas, enquanto ela, limpando cuidadosamente o canto da boca, sorria meio malígna, afincando o dedo na ferida e indo embora, longe, sempre inteira, procurando uma próxima vítima.



Só agora, depois de tanto veneno eliminado, depois da minha completa lucidez, percebi sua dissimulação, usando-me para seu bel prazer. E eu bem queria tê-la usado, mas já não tinha armas pra isso - eu era inteira levada pelo seu perfume. Não podemos negar que toda aquela energia que saía do corpo dela ( tão cheiroso, meus senhores) e do meu( amendrontado) nos fez estar num momento único que não esqueço jamais; não esqueço aquela bolha escura do quarto que nos envolvia. Só agora, relembrando toda aquela cena, percebo imediatamente que apesar de uma única bolha nos unir, estávamos em dimensões diferentes. Mas isso já não importa agora. Em algum ponto do tempo estamos lá. Agora a vejo claramente, tentando alguma coisa nela que parece não mudar. Essa natureza feroz e dissimulada, tão linda afinal. Essa coisa ariana que nunca entendi o que é. Já se passou muito tempo e para mim ainda guardo uma coisa muito bonicta dela. Um pedacinho minúsculo do beijo feroz, um pouco da luz da rua que entrava pelas frestinhas da janela, um sabor inesquecível da sua boca...

Mas ela, ela tem esse veneno. Esse avesso incrustrado. Uma inquietação. Uma parte que ela não mostra ou não quer mostrar, mas que exala a quilometros de distância e te bate na cara. É o veneno em pele de mulher-menina, um quê de vulgaridade com aquele sorrisinho safado dançando em fumaça. Entra pelos olhos, pela boca, pelos poros. E ela, ainda menina desamparada no fundo, solta a fera dissimulada, a fera instalada na íris dos olhos, na doçura embriagada das palavras... a fera embebida em veneno.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

E o coração dele batia como louco...

Eu bailava por entre o parquinho colorido. Era noite e estava frio. O parquinho estava quase vazio e era iluminado por holofotes grandes que projetavam minhas sombras na grama molhada. Havia chovido muito naquela noite (a grama estava mesmo encharcada). Por volta dos brinquedos do parquinho algumas poças de água me observavam e imaginei serem pequenos lagos que refletiam minha imagem. O meu tênis, ao andar, espirrava água e lama para os lados. Bailei até chegar nas montanhas. Subi no topo onde eu era iluminada pelo foco dos holofotes. De lá de cima eu via os pequenos lagos com algumas ilhas aleatórias. Se houvesse alguém lá de baixo me veria como uma deusa. Eu quis uma foto.

Como a chuva havia molhado tudo, eu escorregava algumas vezes entre aqueles canos coloridos sobrepostos um por um, formando quase uma escultura futurista, quadrada, arcaica. Um parquinho. Comigo estava aquele menino que eu sempre imaginei olhar para mim. Mas ele não apareceu ainda. Eu precisava me equilibrar nos canos e minhas mãos suavam um pouco. Suavam frio, molhadas também pelas gotas restantes da chuva. Ventava um pouco e meu rosto deveria estar vemelho, assim como meu nariz, e minha garganta arranhava. E eu arranhava aquele silêncio cuspindo delicadamente algumas palavras que decorei em alguns desses livros que se lê e se gosta muito.


Meus gestos, meus cabelos, minha lama, tudo numa bagunça sincronizada onde eu poderia ser a deusa mais viva naquele mundo escuro de penumbras. Era preciso... era preciso dizer que o céu me embalou naquela noite. Eu voltei como uma criança descalça pisando na grama, na areia, sozinha e contente. Toda minha roupa branca, limpa e cheirando mamãe aos poucos ia encardindo naqueles respingos de lama. Porque estava encharcada. Meus pelos arrepiavam porque o vento também tentava me embalar. A minha voz surgia meio surda, acanhada depois de dançar na noite nublada. Tentei projetar a voz. Dei mais energia, mais enfase e saíram algumas notas bonictas, encorpadas. Achei que não fosse mais a voz de criança que agora a pouco eu tinha. Eu era uma deusa e todo mundo me desejava. De longe o menino me desejava. E eu olhei para ele, bem no fundo dos olhos, e comecei a falar algumas coisas que me deixavam mais poderosa, eu lá em cima ele lá embaixo. Os olhos dele brilhavam. O vento soprava, não tão forte, já mais ameno, mas ainda arrepiando meus pelos.


Meu Deus! Mas que mulher era aquela? perguntava-me. Era eu mesma. Tão mulher, tão criança. Quando alguém me perguntou: - Quando você vai crescer? - foi aí que eu me encontrei, que aquele ser selvagem, que toda aquela inocência veio à tona e eu vi com os olhos ardentes que eu era exactamente isso. Que eu era aquela criança embalada nas nuvens e que eu era ao mesmo tempo aquela mulher feroz que às vezes me escapava pelo peito e pela boca. Eu me larguei, um dia, nos quatro ventos e resgatei-me num único; numa única pergunta mediocre. Era eu, era ele. Era meu coração pulsando com o sangue nostálgico tão belo e vermelho. Meu sangue! Eu! Eu! Ele! Ela!
Era eu ali, era eu, senhores. Minhas pupilas dilataram numa dança tribal. E ele, de longe, via tudo isso. Ele estava louco. Meus versos ruminaram o peito dele. Eu era agora duas em uma. A deusa em mim gritava ao mundo e pessoas vinham me ver, encontrada, esvoaçante, na roupa branca encardida e respingada. Era eu todo aquele poder. Era meu todo aquele coração.

O meu coração batia como louco. Eu disse sim. Sim! E ele caiu ardente na grama encharcada enquanto eu, rente ao seu corpo, ria sozinha, meio calada, ofegante, os olhos brilhando tão selvagem, que a criança em mim que eu havia descoberto havia recuado. Que eu era ele, a criança e a mulher.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Bom dia!

Que azul imenso coloria aquele céu!
a cara amassada
acordou sorrindo
sozinha, calada
ainda dormindo
ainda sentindo o lençol quente
as mãos dormentes
os olhos abrindo devagar
de-va-gar
enquanto imaginava outras vidas
outros sorrisos que ela mesma dava
tão alegre contente um novo dia
um novo ano rondando
um novo frio na barriga
Era um azul imenso.
que árvore dá na sua janela?
quem a faria chorar de novo?
qual é o sorriso que tanto lhe agradaria?
incendiou de um fogo de manhã
o fogo da manhã
que todo mundo tem assim que acorda e dá por si
calada
Porque choveu à noite
Porque trovejou
esbravejou
e ela, ainda calma
ainda serena
enrolou-se no lençol fino branco com borboletas azuis
(porque ele é assim mesmo)
e sentiu seu corpo coberto
por um fino pano
e ela imaginou ser seda
cedeu àquele calor particular
que brotava, ela bem sabia, daquele coração
pulsante
daquele coração vermelho
azul
roxo
Era bem azul o seu coração
e não era frio
Era bem azul o seu sorriso
e não estático
Era bem azul o céu
e ainda era dia
ainda era o que ela esperava
e ela não esperava nada além do céu azul
além de um novo dia
uma nova vida
um novo sorriso
um novo suspiro
abrindo os olhos bem de-va-gar
sorrindo, sozinha
um sorriso muito gostoso

sábado, 21 de novembro de 2009

Numa tarde chuvosa.

E eu ainda continuava em insistir da onde é que vem tudo isso. De onde é que vem a insistência em amar o amor? De onde vinha essa vontade da busca por tudo que é meio artista, meio com saudades, meio apaixonado, meio decadente, meio noir? Esse misto de alegria e saudades. Tipo tanta vida que lembra a morte. Tipo se apaixonar.
João Henrique
Eu ainda continuava insistindo em tudo: em mim, em você, meu querido eu-masculino, em Tatuí. Comecei com meu texto com o começo do teu texto e tomei a liberdade nisso, pois mesmo sabendo que é teu, que saiu de você, o sinto como um pedaço de mim. Essa eterna conexão entre nós.
Nossos momentos são raros. E hoje, como uma raridade em essência que nunca mais se pode presenciar, passamos a tarde juntos. Meu amigo João, mas que tempo são esses nossos?
Bem, há muito tempo que eu não o via. Eis que de repente, não mais que de repente ele surge em minha casa, uma camiseta branca, tão franzino e único. Eu, no meu traje domiciliar meio mendiga, meio largada, descalça e descabelada, atendi-o. Tenho o direito(oras) de atender seja quem quer que seja no meu traje domiciliar. E acho isso muito bom, porque percebi que geralmente ando meio largada, um largada gostoso, de não esperar tanta coisa, esperando que alguma coisa chegue, mas até lá, meu bem, tenho o direito de estar confortável na minha maneiro de sê-lo. Atendi-o com um sorriso de saudade e um tanto de espanto: Ó, você está dirigindo mesmo, mas que bonicto. E ele nem tinha enconstado o carro direito, todo torto no meio da minha ruazinha: Acho melhor você estacionar direito, senão vão bater. Não arrumou.
Convidou-me para ouvir o cd que ele tinha gravado só com músicas dos anos 80, bem fossa, bem preto e branco num calor ardente de Tatuí. - A-ha, Cindy Lauper e não sei mais o que tinha. O calor estava mesmo de derreter, meu Deus. Eu suava. Que calor, eu hein. Não curto muito isso não. Agora que ele estava dirigindo, poderíamos passear de carro. Foi o que fizemos, peguei meu ray-ban-top-único-cassia-oliveira, meu chinelo novo vermelho, entrei no carro e fomos. " Podemos comprar alguns LA's avulsos, o que acha? "Adorei a ideia. Estava tudo encaminhado. O menino do meu mundo, cigarros glamourosos, anos 80,o que mais? só o calor, mas o cenário melhoraria. Pra começar, eu não acho legal fumar, é feio e te causa impotência sexual, necrose e o caralho a quatro. O facto é que, querendo ou não, a gente tem essa imagem cinematográfica charmosa do cigarro. E querendo ou não, não perdemos uma oportunidade para nos fazermos literários, cinematográficos charmosos e juntos numa tarde calorosa. O cigarro era mero detalhe de direção. E compartilhar momentos únicos com nossos amigos, ó meus senhores, é algo que não se paga, não se vê, não alcança qualquer registro a não ser aquele timbrado no peito e na memória.
Ah, como eu adoro. Chegamos na Av das Mangueiras... chovia e fazia sol. Sol e chuva ( casamento da viúva?) No rádio ainda o anos 80 fossa, a chuva la fora, as luzes tentando penetrar nas nuvens, e tal o faziam muito bem que ainda nos iluminava e fazia mais calor ainda. Engraçado, eu estava derretendo.
A gente acendou os únicos dois cigarros que tínhamos e conversamos por um longo tempo naquele bafo de fumaça, vidro semi-fechado, chuva lá fora, minha risada atordoada e algumas cinzas dentro do carro. E essa foi a imagem mais bonicta que eu guardei comigo. Foi um momento muito gostoso que parecia meio lento, vaporoso e abafado( e isso estava mesmo). Por que parece que uma bolha nos envolve e as palavras parecem ser tão nossas, tão colocadas; por mais absurdo que seja, a gente consegue um entendimento impressionante. Falar sobre coisas da vida. Nossos medos repugnantes, sobre Tatuí deliciosa que nos aconchega, e como sempre o mesmo assunto que nos atinge em todo, sobre as pessoas e paixões e amores. Dessa melancolia nata no fundo do poço que a gente exala. Porque daí se explica muita coisa, cada detalhezinho, cada medo que nos faz morrer por dias e viver um segundo só porque a gente viu os raios de sol entrando na folhagem. E voltar à ibernação ouvindo nosso repertório noir, meio cult, um quê de melancolia em sépia, desde Nina Simone ( um marco em nossas vidas), Tom Jobim, Chico Buarque, Adriana Calcanhoto e afins. Pensamentos. Voltamos alguns assuntos passados, que tomamos como referências: Ah, mas e fulano? E aí começa uma dissertação tremenda. Ah, mas e fulana? E começo a dissertação, repuxando lá no fundo do copo amargo os amargos e doces dessa vida jovem, meio velha, meio retrógrada e adoravelmente sofrida." Eu não sei, não sei no que sofri mais, acho que daquela vez foi muito pior...a gente acaba criando anti-corpos. " Mas que graça tem essas pessoas normais e felizes?" Bom mesmo é sentir aquele prazer na dor, na tristeza. É que aí sempre pensamos que isso pode nos render um bom texto, uma porcaria qualquer que nos satisfaça. " Mas estamos bem..." " Sim, estamos". " O que será agora?" " O que será depois? O próximo? " "A próxima?" . E todo um projeto meio mal feito de vida, porque, de repente, sentimos vontade de casar e ter filhos. Não eu com ele, por favor. ( embora tenhamos nos perguntado algum dia no passado: ' porque você nasceu mulher?' " porque você nasceu homem?" risos). Um papo bem - estamos velhos e maduros para ter um matrimonio e filhos... e tudo isso na nossa adolescência já um tanto passada- " Ah, como é chato começar tudo de novo" "Não é? Não to pra isso não" "Nem eu, não quero mesmo, essa mesma ladainha de começar desde o começo, que preguiça" " Eu quero uma pessoa só e pronto, nada de ficar procurando em todo mundo alguma coisa meio absurda" Ficamos conversando sobre tanta coisa, sobre nós mesmos, as pessoas, aquele papo denso que juntamos pra falar um pro outro, mas por incrivel que pareça, soa tão natural que até chega a ser leve e alegre. Sobre como a vida nos leva, jogados, sem absolutamente plano nenhum. " Mas isso não é bonicto? Essa chuva, esse sol raiando, o cigarro, a trilha..."
Não é bonicto? - Oras, cada um com suas crises.
- Ah, eu te acho muito mais bonicta do que ela.
- Sério? Nossa, sou tão sem graça e ela era tão... prática, selvagem.
- É, o P. também. Mas agora estou bem melhor, nossa... e isso já faz um ano.
- E eu reclamando de três meses. ( risos) Mas acho interessante, porque não tínhamos os mesmos gostos.
- Eu e o P. também. Ela não tinha essa coisa densa?
- Um pouco. Ela gostava de verão e eu de inverno.
- Ele era alguém normal, era prático também, sem poesia, nem literatura, não tinha essa coisa literária assim, que nem a gente.
- Que coisa. Esse mundinho.
E tantas conclusões, tantas coisas que ficam no ar, uma palavra que domina todo pensamento.
" Oh, mas é claro...é isso, ano que vem. Só pode" Ah. E ríamos.
No texto dele ele escreveu sobre de onde vinha a Coisa. A Coisa é isso mesmo da nossa natureza poética, meio densa, melancólica, bonicta acima de tudo. Dos nossos gostos. E a Coisa vinha dele ( de nós, me incluindo) e nós viemos de Tatuí. E isso é de um orgulho tão, mas tão, que me explode no peito. Tatuí.
Viemos daqui e voltamos sempre pra ver esse ar tatuiano e comer pipoca na praça, ver o chafariz da Av das Mangueiras, entrar na igreja da Matriz e ficar olhando as pinturas barrocas tão belas guardadas ali nela, naquele teto imenso. Eu sempre adorei aquilo. E o conservatório, abrigando aqueles músicos que vem de fora, os hippies taxados perjorativamente, o Café Canção da high society, aquelas palmeiras da Av Firmo Vieira que eu adoro quando passo de carro e finjo estar numa praia. Dessa música eterna que soa em cada um. Da gente, encolhido, tocando violão, bebendo cerveja na janela olhando as luzes laranjas dos postes, folheando alguma revista, comentando aquele livro, coisas absurdas tão nossas, tão eu, tão você, meu querido. Coisas banais de jovens. Coisas aleatórias que guardamos e achamos que aquele detalhe faz a diferença, que esse arranjo fica lindo, que aquele filme é tããão legal. E eu te disse que você me foi um marco na vida. Muito do que gosto hoje, se eu já gostava, passei a apreciar mais, e juntamos nosso gostos tão semelhantes, que nos deixaram abismados, porque tanto eu quanto você, nessa cidade que tanto reclamavamos, achamos que nunca encontraríamos alguém que gostasse de Nina Simone ou Frank Sinatra, alguém que lesse Lolita ou Presença de Anita em plena Tatuí. E a gente se encontrou, entre uma carteira, entre bilhetinhos espantosos e a partir daí é que nossa poesia e densidade se juntou e sofrer não foi tão ruim assim, porque sabemos que somos felizes, mas sempre com essa agulhinha no peito, esse incômodo eterno que embeleza a vida.
.ao som do silêncio

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O resto era ele.

Uma história qualquer psicografada.
Tudo o que havia nele era fumaça e um monte de dentes grandes. Você o olhava e via dentes e fumaça, que até seu corpo começava a pegar um pouco daquilo que saía dele. Menos os dentes é claro. Sentado num pedaço de toco de árvore, ele via o movimeno que passava. Pessoas, carros, cachorros. Ele queria rir de tudo aquilo. Não entendia tudo como um simples movimento, mas achava que era qualquer coisa num lugar qualquer. E isso ele entendia: que entender alguma coisa não o levava a lugar nenhum. A fumaça o cobria um pouco. Deveria ser do cigarro. Cachimbo? Charuto cubano? Um dia desses vi o meu avô com um, mas ele guardava com tanto zelo aquilo que resolvi não pedir pra fumar o charuto cubano, mas isso não entra na história. Era algum cigarro qualquer, de palha, daqueles que você mesmo faz, lambe e enrola. O meu avô também fazia desses...e mascava fumo.
Ele ficava sentado o dia todo naquele toco. Do jeito que ficava, até parecia ser aconchegante, de dar vontade de sentar com ele e olhar o movimento. E não dizer nada. Só sentir a fumava impregnando cada poro e de vez em quando se assustar com aquele monte de dentes na boca. E ninguém o cumprimentasse, talvez. Um ou outro que passava por ali. Até mesmo aqueles que passavam todo santo dia por ele não o cumprimentavam. Olhavam e desviavam logo o olhar, como se ele fosse uma coisa qualquer, quotidiana, como se fosse a continuação do toco de árvore, intacto, morto. Bem, pra ele não fazia tanta diferença ser comparado a uma árvore. Gostava delas. E sendo árvore ou gente, tanto fazia, como tanto fez. Se árvore pudesse fumar,ele até preferiria ser uma. Alguém algum dia o cortaria para escrever alguma coisa, ou algum cachorrinho imbecil mijaria nele, ou seria pintado até a metade de uma tinta branca, como essas árvores da cidade, que até hoje ele nunca entendeu porque pintá-las. Acho que também nunca pensou nisso.
Tendo ele ficado o dia todo ali, estava com dor nas costas e achava que poderia fazer outra coisa. E fez, mudou de posição. E assim ficou por mais um longo tempo. Um longo tempo.
E ai ele reclamou de alguma coisa. Acho que era de mim. Eu nunca consigo terminar uma história com personagens. Nunca consigo. É sempre jogado, seja como for, aconteça o que acontecer.
Então resolvi que ele vai ficar ali por mais um longo tempo, sentado naquele toquinho de árvore, fumando e mostrando sua coleção de dentes grandes.
O resto, o resto passava. Mal o cumprimentava. O resto era resto.
começando o ritual

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Essa saudade que eu sinto

Parece que com o passar do tempo algo aqui dentro se concretiza. A saudade aumenta e nada muda. Uma vontade imensa . Uma certeza terrível.
Todo indevido e devido momento me vem lembranças, vontades, saudade... Os dias passam.
Que triste poder esse do homem de não poder nada. Que tristes paredes essas que me guardam sozinha, sem a presença dela, sem ela, só eu. Que triste esse tempo de distância, tão cruel e dolorido. É preciso tirar prazer nisso tudo. É preciso " se sentir forte". E alguma coisa em mim, nesse meu interior meio oco, me diz que ainda nossos fios não se romperam. Sinto, como sempre senti. Mas também sinto essa distância, e não só a física, essa de estrada e árvores e quilometros por hora, mas uma distância natural de que algo precisa amadurecer. E não são minhas dúvidas, não é dúvida qualquer se o que eu desejo é realmente o que eu desejo, mas um amadurecimento de tempo. Minhas dúvidas tem certezas absolutas de pequenas verdades. Ah, tempo e espaço tão longe de mim. Leva-me daqui. Traga-me em algum lugar onde aquele perfume me pertence. O silêncio me remói. Ou me remoo no silêncio? Que lugar é esse que nos encontramos se não mais nossos pensamentos tingidos? Lá onde a primavera me acaricia o rosto vermelho, lá no fundo do nosso ninho intacto e meio abalado. Lá onde eu e você pertencemos. Naquela badalada de sinos que anunciam esse sentimento tão grande. Esse carinho que eu sinto por você. Essa saudade diária, quotidiana, medrosa. Essa saudade contida em lágrimas pequenas. Essa saudade remoida em palavras. Essa saudade que só é saudade porque ainda eu sei e sinto que nada em mim mudou a não ser essa coisa que me empurra sempre pra frente, onde tento tomar as rédeas, direcionar meus planos, sanar esse desejo de dragões no meu peito. Essa saudade, essa tristezinha que um dia me valerá o coração cheio de flores e espinhos. Porque é sempre isso, não é? As flores sempre vem com espinhos. Mas eu procuro tirar cada um, assim, delicadamente, sem pressa, no tempo dilatado mais dilatado do que nunca, como uma prova qualquer de cavaleiro que passa anos a procura do dragão pra mata-lo e salvar a princesa. Tiro cada espinho no seu tempo e sigo as pegadas que me levam... me levam.
A esperança e paciência me corroem. E cada dia pareço mais viva quanto a isso. Cada dia pareço mais forte e cheia de desejos. A esperança, grande amiga! A paciência, grande virtude.
Mas é o que eu sinto, forte, arrebatador. Esperando o único beijo que espero. O único tocar de lábios de veneno de tant o esperar. E se fiz por merecer, se não fiz por merecer, só esse, o tempo, o mais cruel e amigo, me dirá.
Só essa saudade que eu sinto. Essa saudade que me guarda e que guardo dos olhos que me encantaram tanto, do sorriso maravilhoso que desejo que esteja em mim um dia.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Eu só tenho um plano.
E é ir....
ir.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Dessa eterna falta do que falar

Senhores e senhoras membros do júri, bem vindos ao sol do meio dia. A luz cortando teu cerébro, cegando teus olhos. A luz te saúda.
Vou me embora pra Algum Lugar, lá sou amiga de alguém. Lá onde o bosque é verde e posso sentar tranquila me cobrindo com a terra e folhas secas. Como naquele dia de céu azul intenso, a luz entrando por entre os vãos das folhagens de árvores grandes, e eu me via me remoendo no chão, pinicando meu corpo todo. Me sujando, feito uma criança, quase comendo a terra de onde parti, a terra para onde partirei. A terra absurda meio alheia a tudo, onde nada fazia sentido nenhum.

Mas nada de drama. Esses momentos, essas películas de felicidades são a própria luz que cortam. E não deixo de sorrir, porque alguém ai nessa platéia microscópica, seca e retorcida, alguém aí há de me sorrir e novamente, meus senhores retorcidos, me verei triunfante por entre uma natureza selvagem. Arrepiando cada parte do meu corpo em todos os aspectos humanos e psicológicos.

Não é delírio. Resgatei aquela cena de ontem, do vinho e dos morangos. Restaguei por entre esse emaranho de teias algum sorriso, resgatei meu eu alegre, meu eu tão eu dessa baboseira toda.

Igual dizia meu senhor condecorado Cazuza: Estou cansado de tanta babaquice, tanta caretisse, dessa eterna falta do que falar.

Eterna falta do que falar. Não te parece óbvio? Parece-me óbvio e pesado.

Mas não é isso que eu digo. O que digo, apesar de não ter o que dizer, é que entre dragões e mares bravios, eu sou assim. Eu sou assim, à flor da pele, intensa e densa. Eu sou apenas mais um lado de mim.





ao som do vento balançando as folhas

domingo, 15 de novembro de 2009

Vinho branco extase chuvoso.

Um vinho branco, morangos com mel, um jazz e chuva. Não quis mais nada. Não quis mais nada, ali, sentada no escuro, e vendo os raios,clarões que iluminavam por segundos meu rosto cansado e sorridente. Comia vagarosamente os pedaços carnudos de morango e eu nunca pareci sentir a textura deles na minha boca. Eu parei por um momento e meu extase tão contido, meu prazer dentro de mim, e fora e chovendo, uma chuva gostosa que lá de fora me molhava. E eu me banhava de vinho branco. É importante que seja branco, adquiri um gosto especial por ele, não menosprezando o tinto, é claro. Cada um com sua beleza. Mergulhei a boca na taça e o azedo adocicado me embrigava aos poucos.
Mil pernilongos me mordendo. E isso foi um facto desgradável no meu momento extase guloso com chuva e música. Mas eu precisava mencionar isso, porque minha noite se deu entre escrever baboseiras de um trabalho e estapear minhas pernas, até explodir algum insectozinho chato chupador de sangue, borrando com pingos minha mão. As pernas com pontos coçantes, a cabeça com pontos pensantes e o extase por entre partes gritantes.
Partes gritantes, mas calmas, calmas e contidas, porque hoje me foi um dia bom. Esqueci de mim por um momento. E esquecer-se às vezes porque o peso parece menor, e as penas flutuam num patamar alheio. Parece que não tive pensamentos meus, eram vagos, flutuavam mesmo.
Lembrei-me de mim ao brindar-me. " Um brinde à Cássia Oliveira" E todos ergueram suas taças cheias, imagine isso em camera lenta, algumas gotas pulando pra fora da taça, os sorrisos embriagados como se fosse a última coisa a se brindar. A pessoa mais especial da festa à fantasia. Era eu. Era eu e lembrei de mim. Mas foi tão logo. Logo. Levantei-me de um sofá e fui para o outro. Os morangos já haviam sido degustados. Olhei para a janela e daqui se tem uma vista muito bonicta de palmeiras grandes. E como estava chovendo, o céu encontrava-se meio cor de rosa chuva e eu podia apreciar a silhueta das palmeiras dançantes e medrosas dos raios e trovões. Aí eu fiz o brinde. Depois sentei de novo e engoli os restos mortais do vinho. O salão todo em delírio.
Quis pegar um cigarro e fumar numa piteira bem longa. Sei lá, qualquer coisa que representasse. Então fingi que fumava. Soltei a fumaça com graça bem no rosto de algum monsieur que passava por mim, sorrindo, gracioso. As moçoilas todas sentadas nos sofás pomposos. Nenhum pernilongo me incomodava, nenhuma gota de sangue em mim. O céu num diluvio de rosa chuva. Rosa chuva vinho tinto morangos melados.
Quis dançar, mas não dancei, se é que dar alguns passinhos cambaleantes seja dançar, ai então podemos considerar. Apaguei o cigarro num cinzeiro. Ou joguei no chão e pisei com a ponta do meu sapato? Ou apenas joguei-o indiferentemente?
Um brinde.

preto e branco, na chuva cor de rosa chuva.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Passatempo Atoa

1 frase do meu dia:
. acho que vale a pena esperar pelo que é bom

3 coisas do meu dia:
. quem odeia o casal que fica se pegando na Letras?
. quem quer brincar de esconde-esconde põe o dedo aqui
. hoje eu não fiz bolhas de canudo

1 música do meu dia
. smashing pumpkins - tonight tonight

1 uma coisa que eu diria pra qualquer pessoa
. Chupaminharola!

2 coisas que eu diria pra mim
. Meu Deus, como eu sou linda!
. É foda ser eu às vezes.

2 coisas que eu diria pra você
. E pela minha lei a gente era obrigado a ser feliz
. Você quer pipoca?

2 objetos valiosos
. meu ray ban
. meu colar Pax et Bonum, meio mendigo

5 palavras
. alfabeto ( escrever isso é tão estranho)
. amora
. lapiseira
. unha
.amanteigado

1 estação
. outono (sempre)

algo que devo fazer agora
. calar a boca, sair daqui e parar de te encher o saco

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Os Olhos Cheios de Olhares

Um fato muito bonicto, meu querido, que eu queria te contar. Bonicto e singelo.
Era noite e eu estava esperando o ônibus ali na Consolação. Demorou um tempão para o ônibus chegar e eu estava atrasada pra aula na faculdade. A primeira eu não ia assistir mesmo, mas esperar me encheu o saco. Bem, o fato não é esse.
Olhei de soslaio e vi uma menina muito bonicta. Não me dei muita conta disso e coloquei-me a esperar o ônibus, olhando ansiosamente para todos os que passavam para ver se era o meu. Enfim, chegou. A senhoricta entrou também. Percebi que ela era realmente muito bonicta e que tinha os olhos muito bonictos e um cabelo também muito bonicto. Olhei-a e ela me olhou . Nos dispusemos no meio de muita gente meio apertada no ônibus. Ela ficou de costas para mim e um infeliz de um rapaz muito alto ficou bem na minha frente tampando qualquer visão que eu tinha dela. Eu conseguia, aos poucos, ver seu cabelo. Com o balanço do ônibus, os corpos iam pra lá e pra cá, e o rapaz que me ofuscava a visão saiu um pouco da minha frente. Percebi que ela se virou e me olhou. Ela teve a ousadia de se virar para trás para me olhar, e era pra me olhar sim. Um olhar meio tímido, não querendo denunciar a luz nos meus olhos. Não querendo que eu soubesse que ela me olhava. Os dois, aliás. E eu olhava para o teto cantando qualquer música que passava no rádio e quando me virava de novo para vê-la, ela estava me olhando e desviava muito rápido o olhar. Nos cruzávamos muitas vezes e aquela luz dos olhos dela congelava por alguns segundos na minha luz e isso me enchia de uma coisa muito gostosa por dentro. Bem dentro dos meus olhos. Assim foi a viagem toda. Eu rezava para que demorasse e o trânsito engarrafasse mais. Demorou, afinal, mas me pareceu de uma rapidez absurda. Torci para que ela descesse no mesmo ponto, e por ironia muito boa do destino ela desceu, subiu as escadas da História e se enfiou no vão onde não mais a vi. Fui pra minha aula com os olhos cheios de luz. Com os olhos cheio de olhares.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009


ao som de Gavota- Heitor Villa- Lobos






um sorrisinho de manhã não faz mal a ninguém

uma leve chuva

uma leve brisa

uma leve alma





sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Pandeguinha

Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na minha vida
(inclusive o porquinho-da-índia que me deram quando eu tinha seis anos)

esse poema é engraçadinho
e hoje estou alegre pra coloca-lo
hoje estou alegre

ps: claro que ele é engraçadinho, pq ele se chama Madrigal tão engraçadinho.


hoje estou pândega

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Só estar melhor

Escrever me tem sido um remédio. Dores psicológicas reflectiram directamente no meu corpo. Dores de estômago, ânsia, mal estar. Passei a tarde toda ontem vegetando entre a cama e o sofá. Um calor danado, o sol brilhando intenso lá fora.
Nunca fui de ter dores de estômago. Aliás, nunca tive. De repente, num raio de duas semanas pra cá tive essas coisinhas chatas. Não consigo fazer nada, nem pensar. Aliás, não me sentia mal de todo, parecia que estava bem com minha mente. O dia estava lindo, porque diabos me senti assim?
Resolvi não me entregar. Joguei-me embaixo do chuveiro derramando água fria. Passou por uns instantes o mal estar. Eu parecia estranha no meu corpo. A água caia. Tentei sorrir e cantar, mas não saia nada. Fiquei quieta, o silêncio me fazia bem até. O silêncio. Não me entreguei. Troquei de roupa e fui, com muito pesar, para a padaria comprar Gatorade . Não tinha comido nada e já eram 6 horas da tarde. O sol estava ameno. Aquela merda de padaria não aceita cartão de crédito e então voltei resmungando pra casa, sem suco e atordoada. Caminhei bem lenta pra faculdade. " Devagar e sempre" , falava comigo. Um peso imenso em mim, um calor chato. Estava gostando tanto de ti, calor. Por um momento desejei que chovesse e me molhasse toda, resfriasse a cabeça, o coração, os olhos.
No fundo tinha algo remoendo aqui dentro.
No fundo a gente dói mais do que pensa. E pensar parece ser mais superficial do que sentir. Mas procurei não pensar nem sentir, deixei que as palavras fluíssem e como sempre, elas fluem. A vida flui. Você vai, jogado num rio, a correnteza te puxa, muitas coisas passam. E passou, levemente meu mal estar. Consegui voltar pra casa, dormi bem, um leve lençol pra me cobrir.
Hoje acordei bem. O mal estar havia passado, num passe de mágica. Como diria minha avó: " parece que tirou com a mão". Continuei sem comer, não senti fome. Me alimentei de água gelada. Um gosto meio amargo na boca. Me olhei no espelho e ainda me via estranha. Pensei que poderia caminhar mais tranquila hoje porque o céu está com muitas nuvens, nuvens grandes, e elas tampariam o sol forte e me fariam sombra. E alguém lá em cima me guardaria por um momento, me tiraria do fluxo intenso do rio e me deixaria calma entre a sombra das árvores sem querer nada, só estar melhor.


quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Leões

Eu continuo gostando muito de você
como quando vejo o sol no céu azul com nuvens e campos floridos.


1



Imaginas que cultuo muito esse mundo de ideias e palavras. Não é atoa que sou o que sou, com o maior direito de sê-lo. Levo tudo isso como um mundo meu, um cuidado de me entender inteira em partículas aleatórias, sem disciplina nenhuma. Escrevo sempre o que sinto, com a maior possibilidade de verdade e do ridículo e afinal, não me importo com essa demonstração gratuita de ser humano em crise, essas entranhas mal dormidas com gosto azedo. Não me impeço de demonstrar o que sinto e o que sou. Sou isso que me acompanho e me vejo em emaranhados eternos e lembranças, afetos e densidade. Porque é uma vida que se vai. É uma vida que tenta ir. Como sempre me deixei levar por essa mão maior que nos afaga e corrompe.

2


O que mais me doeu em tudo isso, nesse caso específico, nesse acto indefinido, nesse afecto entre eu e você (não você, meu querido) foi justamente o facto de ter me arrancado algo. Senti que o que me foi tirado foi justamente o que mantinha nosso mundo interligado. Como se as palavras, essas que me traduzem e traduzem tudo o quanto sentimos, fossem nosso único meio e um dos mais bonictos meios, de ter todo um jardim com borboletas e passarinhos. Quando aquelas palavras num texto, de profunda dor e ironia, me foi arrancado, te foi arrancado também, por algo que me deixou profundamente magoada e esmagada. Eu não sabia o que fazer. Minha boca calou, meus dedos, coitados, congelaram e por um momento senti meu coração sendo furado com pequenas agulhas. Naquele momento eu percebi que você não se importava comigo, que nosso vínculo havia se quebrado, enquanto eu ainda suspirava. Senti-me, egoisticamente, em segundo plano, mas num plano que era eu e você e não havia mais ninguém que pudesse estar em primeiro. Não sei se é tão confuso ou se dói de tão explícito.

Minha boca está muito seca. Quis derramar algumas lágrimas mas me contive. Minha vontade era mesmo estar num quarto sozinha e deitada, me embriagando de vinho, me banhando de vinho, e meu corpo ensaguentado de vinho, até eu rir e rir e rir pra explodir as paredes, pra invadir outra atmosfera e depois chorar igual um bebê abandonado. Essa era a minha vontade. Chorar porque me sinto completamente presa. Eu me sinto tão incapaz, um amargo, alguma coisa entre lama e vermes. Minha vontade maior, meu escuro do mundo, era mesmo encontrar o que você quer. Porque você me disse, um pouco antes de eu sentir tudo se desabando sobre minha cabeça, que eu era tudo o que você queria. E ai tudo se contradizeu em questões de segundo: meus olhos piscaram, meu sangue fluiu, um mosquito passou e . E eu não me vi. Eu não te vi. Eu não nos vi mais. O escuro se escureceu mais ainda e não via outra saída e pensava - mas isso não é possível. Sentia todo o sangue me borbulhando; apenas de um lado, o meu, porque você não me fazia parte mais, não era mais minha ( um terceiro lado foi imposto). Você escolheu e eu não fui a escolhida. Eu senti tão dolorido que não era eu. Como se nossas mãos tivessem se separado.

3

Minha boca continua muito seca e isso parece piorar a cada letra. O ar me arranha. Parece que alguém me tirou a capacidade de alguma coisa que me é muito importante.


4


Você não me escolheu. Ainda fez questão de que eu a visse em fotos e recados. Não suportei mesmo. Um martelo na minha cabeça.
Estava pensando, antes de dormir: porque uma realidade invadiu a nossa?. Porque a verdade me foi dada e porque a verdade não foi dada para a outra? Achei um tanto injusto. Aliás, eu to me achando totalmente ridícula. hahahahahahaha. Que novidade. Eu to me achando uma derrota imensa. Que minha única vontade nesse exato momento era exterminar tudo o que me faz estar longe de você. O problema maior é você não me querer mais. E rio mais de dor do que de orgulho. Rio de desespero.

5


Estou falando tudo o que me está intalado na garganta. Garganta seca. O coração está fluindo, fraco, mas está. Eu nunca sei o que fazer, que posição tomar, que a puta que pariu. Eu sempre acho que não valho o pão que eu como. Ainda se eu tivesse um porquinho da índia.

6


Hoje vi um campo florido. Quase todo dia vejo na verdade. Pensei em milhares de coisas e uma onda imensa de palavras caiu sobre mim. As palavras que eram suas. Um campo florido. Eu não peço tanta coisa e estou contente com o que tenho, mas a única coisa que eu não tenho me deixa nervosamente triste. Me faz, mais uma vez, estar no fundo do poço arranhando a terra e comendo-a. Nunca vi tanta ironia e maldade do destino. Nunca me senti ilhada e jogada dessa maneira. Afinal, há sempre um novo modo de dor.


7


Preciso crescer. Meu exoesqueleto está me sufocando. Pensei nisso esses dias. Pareço um insecto. Um insecto com calça furada embaixo. O cabelo, como sempre, um cogumelo. As poucas vezes que sorri foi meio de lado. Hoje me perguntaram se eu estava triste. Disse que não. Não sei porque disse isso, afinal eu estava mesmo triste. Disseram-me então que minha cara é de quem está triste. Falei que era cansaço e e que estava com sono ( que não deixava de ser verdade). Não devo me ver no espelho há muito tempo, nem lembro como é minha cara de triste e não consigo disfarçar. Fico mole, quero alguma coisa impossível, a água desce meio quadrada. Literalmente eu não tenho chão e aí me diminuo menor que uma formiga, porque até ela deve ter alguma certeza nessa vida. Nem beber eu consigo mais. Ainda me embebedasse. Algumas coisas me parecem absurdas(pra não dizer tudo). Minha vida, uma ilusão. São Paulo, tão grande e tão pequena ao mesmo tempo. Sufocante. E aí eu tenho que escrever tudo. E talvez essa fosse uma esperança mínina de vida. Fosse um escape pra um nada, mas um nada diferente do nada de antes. Eu tenho que escrever tudo, não posso segurar essas coisas que entram em mim, sem eu deixar. Minhas portas estão tão abertas assim? Escrevo para diminuir a pressão sanguinea, talvez menos que a psicológica. Talvez menos que essa bolha densa. Um lençol enorme me envolve e não tem cor, mas se tivesse seria cinza. Se tivesse cor seria um céu cinzento como esses que fazem ultimamente em plena primavera. Logo a tardinha, sentei numa carteira da sala perto da janela, e reparei que havia uma árvore grande com florzinhas amarelas que caiam constantemente e banhavam o chão que estava todo colorido entre verde e amarelo. Aquilo me deu uma paz. O céu neutro, sem opinar em nada na Natureza. - Deixa essa menina olhar a árvore e as flores caindo - permitiu-me a natureza.
Preciso crescer. Cresço eu ao longo do tempo?

8


Minha história com você eu não sei definir. Precipita algo aqui dentro. Por mais humilhada e estraçalhada, algo me faz continuar. Sozinha? Querer você sem você? Acho que preciso mesmo de um bom correctivo. Nascer de novo, porque não sei de onde vem essa sina irônica.
Eu sempre, a partir de algum momento muito mágico e sublime, gostei de você. E nunca, acho, senti o poder dessa palavra: gostar. Não é nem adorar e nem amar. É gostar e isso me pareceu de um peso imenso, porque sempre fui sincera quanto a isso. Foi o primeiro gostar que me doeu e me pesou. Foi um gostar gostar mesmo e não tenho dúvidas. Tem coisas que não tenho dúvidas, mas são poucas e me agarro com unhas e dentes nessas pequenas verdades. Pequenas verdades. Já teve alguma grande verdade? Verdades absolutas, conceitos concretos, pensamentos brutos? Mas verdades pequenas, estas sim parecem fazer sentido. Gostar. Um pouquinho. Gostar tanto. Por um momento me vi brincando com novelos de lã, igual um gato, espichando as unhas e arranhando meu corpo. Gostar, que engraçado. Deve haver alguém que goste de mim. Ela talvez não saiba que eu goste muito dela. Ela talvez não saiba o quanto me entreguei, bamba e ridícula, passos no escuro, as mão nas paredes ( se houvessem paredes). Nem fosse de tudo obrigada a saber. Nem fosse imposto a saber. Mas eu desejei intensamente que aquele sorriso me devorasse e me fizesse a mais destroçada dos seres. Sabe, esses sorrisos que te deixam suando? Disse uma vez que era um sorriso cheio de coração, e eu poderia sentir a respiração dela quando eu fosse dormir. Todas imagens me vem à mente. Tudo que se passou, flashs e momentos únicos. Ainda sou um gato rolando com um novelo. Pulo do sofá. Lembro que posso beber leite no potinho meu. Não sei meu nome. O novelo some de repente. Uma alegria momentânea, se não fosse minha cara triste de hoje de manhã.
Mas eu quis agora estar feliz. Lembrei-me dela e que um dia, pelo menos senti seu perfume, num papelzinho. Pelo menos um dia eu a tive inteira minha e eu ocupava aquela mente, aqueles desejos que evaporaram. Um dia pelo menos, tenho certeza. Tenho certeza. Se o universo não for tão ruim assim comigo, que minhas lembranças sejam boas e doces. Que eu ainda permaneça nela.

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Um mantra. Você vai se lembrar de mim: quando sentir o vento batendo no seu rosto; quando vir um campo florido com flores amarelas( vermelhas, roxas, líriios, rosas...); quando o céu estiver azulzinho e o sol, de leve, banhar teu rosto sereno e lindo. Vai se lembrar quando ouvir Stereophonics, Rita Lee ou qualquer bobagem do Cazuza quando estiver no teu quarto olhando para o teto ( será que você ainda pensa em mim?). Quando ouvir Pink Floyd, Yael e aquela musiquinha Toxic cantada por ela. Minha imagem virá na tua mente quando você beijar outros lábios, e sentirá um agulhinha te enfiando no coração, um tremor no corpo, um vinho. E vai se lembrar de mim quando reler minha carta e vir meus bilhetinhos jogados em qualquer canto do teu quarto. Vai se lembrar de mim quando alguém de São Paulo te ligar. Quando a água da chuva cair sobre você e vai abrir o guarda chuva lembrando que um dia dançamos embaixo dele. Quando, sem mais nem menos, olhar para a lua e ela cintilando em cima de nossas cabeças, porque sabemos que ela também está sobre minha face. Quando sentir um cheiro de champu. Quando comer Passatempo. Vai se lembrar de mim com cara de sono. Vai se lembrar de mim com algum café na cama. Em noites chuvosas vai se lembrar de mim. Da minha voz rouca, do meu sussurro no telefone, da minha breguice. Vai se lembrar de mim quando sorrir e pensar que eu adoro esse sorriso com buraquinhos na bochecha. Vai se lembrar quando tiver netos e falar que seu primeiro beijo pela web foi uma coisa ridícula e linda. E vai se lembrar de mim quando seus pés tocarem a areia da praia, morna e úmida. E quando os passarinhos cantarem e os leões saírem da jaula. E quando quis fazer Amor comigo. No sofá amarelo ou em qualquer canto desse mundo estranho. Quando desligarem depois de você falar alô. Vai se lembrar de mim quando comer amora e lembrar a cara simpática que ela tem. Vai se lembrar quando as nuvens passarem pelo céu. Quando o cheiro de flores invadir o seu quarto. Quando essas palavras ainda fizerem sentido e você, bela, única e encantadoramente com olhos brilhando, sentir no seu coraçãozinho que um dia você foi minha.

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Agora o céu e o sol nos banham. O ar que respira é o mesmo que o meu. Fico quieta, intacta, esperando o universo se acalmar. Escrevo cartas, palavras saem da minha boca. Meus olhos começam a brilhar com uma naturalidade de criança. Meu coração ainda suspira, leve e com esparadrapos amarelos. Continuo a ver o céu. Tudo passa muito rápido e lento para eu sentir. Se eu morresse amanhã estaria feliz. Mas ainda espero. Não tenho tanta pressa. Ainda espero no fundo escuro desse mundo que algum pássaro, alguma rosa cintilante suspire e a naturalidade dos olhos dela, meio inocente, meio animal, encontre as minhas de criança.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Final de outro ato. Onde começou?

não entendi onde se chega com tudo isso
em qualquer lugar que seja
e chegamos aqui
e cheguei aqui
em círculos como sempre
me leio
me vejo cada vez mais
um não sei o quê

não entendi onde se chega com tudo isso
não basta meu coração dilacerado?
o que mais se quer?
o que mais?
um pesado pé imenso
gigante
pisou-me
e me senti esmagada
com esse sorriso irônico
malvado
com ódio e riso
fiquei intacta
como sempre costumo ficar
um gelo

não entendi mesmo onde se chega com tudo isso
com toda essa ironia
com toda essa demonstração ridícula de afeto alheio
acho que a partir daquele momento
laços se desfizeram
não por mim
por uma realidade invadida
por um fio irônico
que fez questão de repetir
onde não você era a vítima
mas eu
enforcada, pisada e esmagada
quando não te pedi absolutamente nada
e você me veio com tudo
e mais o tudo que ainda faltava

decidi que o sol vai brilhar
sempre
e não me permito continuar sozinha
porque você me bateu na cara tantas vezes
como não percebi isso antes, meu Deus?
não faz sentido continuar sozinha
você me recompensou em dobro
toda essa ironia
essa dor
angústia
pra quê? você não está feliz com isso?
o sol está brilhando tanto pra você
sabemos muito bem
enquanto, depois de eu ter tentado tudo
você não se importou
e agora tenho tanta coisa intalada

mas nao importa, amanhã ou depois eu melhoro
quem sabe
sim, amanhã.
hoje ainda, talvez.
Coisas boas e ruins passam
sempre passam
e virão outras e passarão outras tantas
pra perder
pra doer
como sempre foi
como sempre será.

não entendi onde se chega com tudo isso
mas amanhã eu melhoro
quem sabe hoje.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Sorriso imenso de beira de estrada ao chegar aqui

É isso. Pronto.
Há coisas que devemos decidir por nós mesmas.
Pensamento alheio. Off agora.

Deixa-me contar o sorriso. O meu sorriso.
A viagem toda vim olhando a estrada. Tantos anos fazendo o mesmo caminho e todo final de semana a mesma coisa. Nunca havia percebido tamanha beleza. Em meio à mata aquelas casinhas rústicas. Uma nostalgia me bateu na porta. Mas o céu estava lindo e azul. Eu tenho um derretimento por céu azul. Mas o mais bonicto, além do azul intenso e as nuvenzinhas brancas, era o contraste que ele dava com o verde da mata. E de repente aparecia outras casinhas, uma muralha de pedra. Nunca fui tão feliz numa viagem de volta pra Tatuí.
Tirei meu tênis, estiquei meus pés lá no alto. Me senti acolhida por uma bolha gostosa e aconchegante. Dormi só um pouquinho, o que é bom, porque costumo dormir a viagem inteira. O costume atrapalha nossas vidas. É difícil olhar depois, quando você acha que ja olhou tudo.
Estavamos perto, reconheço a estrada, fabricas, loteamentos, ceramicas, ferros velhos. O sol nos giuando. Entramos na cidade. A avenida, os bares-botecos, uma oficina ali. É no alto, então da pra ver uma boa parte da cidade, principalmente a fabrica de tecelagem velha e abandona, que eu nunca entrei na minha vida. Um dia eu entro, com certeza. Lugares velhos, abandonados e emepoeirados me chamam. (seria eu um lugar velho e empoeirado?) Vai o onibus subindo avenida, passando pela praça da Concha Acústica. Avistei uma menina que estudou comigo, que agora mora em São Paulo e faz dança. Linda. Ana Cláudia. Nunca mais nos falamos. Ela subiu e o ônibus virou. Logo a praça do Junqueira. Cesário Mota. A praça que costumavamos ir beber vinho, eu e os meninões, na nossa adolescência rebelde. Continua, atravessa a rua onze, uma rotatória, o conservatório, meio vazio, e chegamos na rodoviária. Calcei o tenis, sai, morrendo de sede. Chegando ao bebedouro avistei uma senhora com carrinho de sorvete. Corri. Ela atendia um rapaz, mas não escutava o que ele falava - eu não escuto o que voce fala, fique a vontade aí pra procurar... - e falou a mesma coisa pra mim: ... oia, tem de leite aqui, ali de frutas, pode ficar a vontade, viu?. Obrigada, respondi sorrindo. O rapaz tinha levado dois picolés de limão. Eu procurava um de groselha, mas não achei, nem me esforcei pra procurar mais fundo. Peguei um de côco. - tchau, obrigada, disse à senhora do sorvete. Era tudo o que eu precisava: um picolé.Não quero mais nada, ah não ser isso, poder admirar tudo, como se nunca nates tivesse visto. Subi a rua XV. Um sol, um calor, meu picolé de côco, todo branco e reluzindo. Doía nos olhos. Decidi não ir de ônibus até minha casa. Já fiquei sentada muito tempo num ônibus. ( um pra ir até a Barra Funda, outro pra chegar em Tatuí). Por isso, resolvi pegar a moto. Subi a rua XV, passei na frente do cinema e estava cheirando pipoca de cinema ( porque pipoca de cinema é diferente da pipoca que se faz em casa). Parei para ver o que estava em cartaz, apenas dois filmes. Um desenho e outro sei lá o que no metro. Toda alegre decidi que hoje iria ao cinema, quem sabe sozinha, quem sabe convidaria alguém, não sei, ainda é tempo de decidir. Pessoas andando pela rua e eu os saudava: Olá, povo tatuiano, estou de volta. Quem seria você? - alguém me perguntaria se me ouvisse. SOu eu, a Cássia, acabei de chegar de São Paulo, mas moro aqui. E então sorrindo o cidadão tatuiano me abraçaria. Povo tatuiano. Sorri muito, o caminho inteiro, tomando meu picolé. Durou acho que, três quarteirões. Cheguei atrás da igreja e joguei meu palito ali numa muretinha. Eu nunca faço isso, mas hoje resolvi joga-lo. Logo após tinha um carrinho de lanche e percebio que tinha um lixo. Burra, pensei, o que custava segurar o palitinho ate agora? Dane-se, joguei mesmo. Passei pelo carrinho de lanche do lado do Unibanco, e havia muita gente ali. Nesse calor, nesse sol, voces comendo um puta de um lanche. Oh. E eu estava com fome, mas fome de outra coisa. Cheguei no escritório onde o meu irmão trabalha, apertei a campainha, duas vezes e ele apareceu. Pedi então que ele me desse a moto. Disse que sim, se eu o fosse buscar às 5 e 30 da tarde. Sim, respondi sorrindo. Peguei o capacete, a chave, o documento e o controle do portão e fui. A cidade cheia de gente, eu e minha moto. Fiz o caminho que costumo fazer, indo por cima, pela Nova Tatuí, porque é um caminho mais bonicto e posso correr mais, sentir o vento no cabelo ( ou o cabelo no vento?) . É uma avenidona enorme que eu costumava fazer minhas caminhadas, mas ha tempos que não faço mais, agora só passo de moto ou de carro. Corri. Um pasto grande, algumas casas, o cééé azul. Que lindo. Respirei fundo e olhava-me no espelho para ver meu sorriso, porque era muito bonito, não posso negar, minha felicidade foi bela. Correndo com a moto comecei a cantar alguma música. Passei por aquela árvore que sempre adorei. É uma árvore bem grande, e parece árvore cinematográfica, por que em dias nublados ela fica muito bem. Ela é seca e eu nunca a vi com flores ou folha. Até hoje. Surpreendi-me e até voltei minha cabeça pra trás para ver se era verdade: a árvore estava mesmo com folhas. Continuei correndo e sorrindo. Um muro novo ali naquela empresa, ai que chato, pensei. Virei, passei em frente a polícia, virei de novo e peguei a avenida mais vazia que eu tambem adoro, a rua deserta onde tem uma ceramica velha ( que até hoje não sei se é abandonada). É uma rua que dá para os pinheiros. Eu sempre faço esse caminho e ele é sempre muito bonicto. Cheguei no meu bairro e fui pela rua do ponto de ônibus, na esperança de ver a menina do ponto de ônibus. Nada. Nunca mais a vi. Que pena, ela me sorria lindamente, e os sorrisos sempre me derretiam. Como se nos conhecessemos há muito tempo. Desde a primeir vez ela me olhou muito lindo e então passei a retribui-la com olhares e sorrisos. Por onde andas, menina do ponto de ônibus? Há dias que passo e nunca mais te vi. Apareça, mande carrta, mande um sorriso, por favor. Olhe pra trás quando passar por mim. - Não a vi. Dessorri por um momento. Mas logo cheguei em casa. Minha casa. Entrei correndo porque precisava muito fazer xixi, e esse é um problema que tenho. Fico desesperada, não consigo achar a chave, preciso sentar e respirar. Abri e entrei. Um frescor de casa minha invadiu-me, bateu-me no rosto, no cabelo, os pés, o nariz. Invadiu-me. Abri todas as janelas pra deixar a luz entrar, como ela deve entrar, me iluminando. Estou tendo momentos agradáveis com iluminação em geral. No jardim que não é um jardim, que dá pra janela do meu quarto, nasceu uma planta e agora ela está florindo. Florzinhas pequenas e arroxeadas. Vou falar para não a cortarem. Preciso plantar algo ali. Um pé de amora? Seria lindo. Cerejeira? Também. Rosas, copos de leite, tudo tudo tudo. Vou plantar meu sorriso que cultivei a viagem toda. Vou me plantar ali. Seria eu uma flor? Que nada. Admiro-as, de facto. Admiro tanta coisa. Agradeci mesmo por eu ter olhos e ouvidos e poder ver todas essas cores e poder ouvir músicas bonictas, agradáveis.
Agradeci por estar de volta. Agradeci por estar em São Paulo também. O que seria daqui se eu não estivesse lá? Agradeci por tudo, porque afinal, tenho tudo o que eu preciso. Não peço coisas absurdas. De vez em quando talvez, é bom sonhar. É muito bom sonhar.
Tomei um banho ouvindo música bem alto, como sempre faço. Corro pela casa, danço, faço careta. Vim escrever, porque eu precisava dividir isso, meu empoeirado quarto, e ninguém melhor do que você prame ouvir. Nada melhor do que eu mesma pra saber das coisas. Senti um egoísmo ai. Você também, né. Estou assim hoje. Acho que vou mesmo sozinha ao cinema. Não é que eu nego as pessoas, elas me negam, então não faço muitas questões de algumas coisas. Na verdade eu tenho preguiça. E ver o que é belo não custa-me nada. Acresceta-me.
Atémais vê-lo, senhores. Senhoras, me desculpem, mas hoje estou pra mim. Hoje estou pra Tatuí. Quem sabe amanhã. E vai indo que eu não vou.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

"eu vou ficar esperando você numa tarde cinzenta de inverno bem no meio duma praça, então os meus braços não vão ser suficientes para abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta coisa que eu vou ficar calada um tempo enorme só olhando você sem dizer nada só olhando olhando e pensando meu deus ah meu deus como você me dói vez em quando"

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Momentinho II

Comecei a ler algum conto do Caio F. Abreu, mas não consegui, a densidade dele está diferente da minha. Minha densidade agora é clara e bela. É uma boca cheia de sorrisos. Sorrisinhos lúcidos e brilhantes. Não consigo traduzir tudo ao certo. Só sendo eu mesma para saber.
Mas deixa eu te falar uma coisinha:
capelinha de melão
é de São João
é de cravo
é de rosa
é de majericão.
É só isso. Breve e alegre. Breve e alegre. Como tudo na vida.
ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai ai

Vazio Gostoso

Obrigada, clara manhã, o essencial é viver

Uma alegria engraçada, de ficar sorrindo feito boba. Andando pela rua e buscando na memória músicas antigas e alegres.
Vida cheia de mudanças. Pândega essa vida, se não fosse irônica. Não acha? Acho um pouco. Mas a ironia tem diminuido aos poucos, e isso é bom. Volto a reinar em mim. Livre arbítrio zero.
Que seja. O fato não é esse.
Cheguei em São Paulo segunda-feira à tarde e vim direto pra faculdade. Estava sem a chave do apartamento ( um amigo meu havia perdido) e combinei com a Arielli de me esperar para irmos embora juntas. Agora moramos só eu e ela. As gêmeas saíram e foram morar no prédio ao lado, com o pai.
Fiquei uma semana fora, mas ainda lembrava de como era o apartamento e de como era chegar em casa e entrar bem quietinha porque as meninas já estavam dormindo e e eu tinha de vagar com as luzes apagadas. Bem, cheguei em casa segunda-feira e o apartamento estava vazio. Vazio de tudo, pessoas, móveis, som. Eu e a Arielli. Falavamos e o som ecoava pelo apartamento todo. A maioria dos móveis que tinha era das meninas. Mas essa é a melhor parte. Não temos nada, televisão, computador, micro ondas. Na cozinha o essencial que é um fogãozinho e uma geladeirinha. Temos o essencial e o que ficou foi ( além do nosso quarto inteiro) um sofá amarelo com algumas almofadas, uma mesinha, uma vitrola e uma caixa com discos de vinil ao lado. Meu Deus, como eu não descobri isso antes? Que maravilha, senhores. Chegamos e deixamos rolando o disco do Chico enquanto conversávamos atoa. Eu sorrindo igual boba, tudo vazio, um vazio gostoso, limpo, calmo. Temos tudo que precisamos. Uma vitrola e discos e um sofá com almofadas. O que mais eu quero? Achamos pizza na geladeira e comemos. E eu sorria feito boba. Apartamento vazio.
Não sei, senti mesmo algo muito gostoso dentro de mim, me purificando, me deixando inteira, sem me perder em outras coisas aleatórias. E esse enxuto me fez parecer mais livre. Era a música que faltava, era olhar o outro.
Ontem cheguei sorrindo de novo, louca para sentar no sofá e ficar olhando o teto deixando o disco rolar. Porque vitrola deixa o ar mais sofisticado. Fiz um miojo, estiquei meus pés e lá vai o disco rolar: Willie Nelson. Nunca tinha escutado. Só ouvia esse nome na música dos Engenheiros do Havai, mas nem fazia ideia de quem era. E ouvi. Um country antigo, que faz você viajar por todos os lugares, aquela cena árida e amarela, um sol alaranjado, você, um calor no seu corpo. Viajei sozinha e me senti feliz de novo.
Um sofá e um disco tocando. Eu disse que queria agora uma máquina de escrever. Já que estamos nessa onda retro, antiga e deliciosa. Acho que é a única ambição atual: uma máquina de escrever. Na verdade foi algo que sempre tive vontade de ter. Coloco ali na mesinha onde ficava o computador, acendo um cigarro que não fumo, um vinho barato e deixo, como sempre, as palavras virem. Não é delicioso? Me diga. ( Até me lembra Nelson Rodrigues)
O apartamento está vazio e ecoa as palavras pelos cômodos, do chão ao teto. Deixo a música tocando e fico dançando na frente do espelhinho que uma das meninas deixou. Já é tarde da noite, estou de pijama, descalça, e canto o que eu nunca ouvi. Faço caretas, me divirto comigo. Me acho linda. Me acho linda e engraçada, porque me pergunto às vezes: o que você ta fazendo ai, hein? vai dormir, menina. Que nada. Deixa-me aproveitar a vida. É o meu jeito de aproveitar a vida. Caretisse. Cássia, como você é engraçada. Dançava desajeitada, tentava plantar bananeira, a mão deslizava. A capoeira está fazendo efeito. - que diabos eu pensava quando entrava e estava tudo apagado, cheio de gente e tão vazio - parece que eu explodi ali dentro.
Maaaaaaas
oooooo
vazio
um sofá
uma vitrola
no vazio
mais gostoso
que eu dancei
dançava
bailava
o cabelo gigante
armado
a noite calma em plena São Paulo

bailava
só no som do disco

bailava
só no sofá

meu pé bailava
no eco
no vácuo
no
v
a
z
i
o

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Momentinho

Um não sei o quê aqui dentro.

Cássia, querida

fada, princesa, colombina

cadê

vontade louca de doer de alegria

que estoure tudo

a vidraça da praça intacta

a vidraça do seu sorriso

mas é uma alegria contida

serena

deixa eu viver e respirar

serena

calma

um alegria que me diz que o dia está azul

e estar azul é uma coisa muito boa

Mais uma semana: coisa boa de doer

'Tenho agradecido por estar vivo e ter andado por todos os lugares onde andei e ter vivido tudo o que vivi e ser exatamente como eu sou.'


Mais uma semana se foi. Há coisas que não se explicam, que parecem fracas quando traduzidas em palavras. Mas é o que vou tentar passar um pouco. De quanto tudo foi tão gostoso. Foi tão mágico. Uma comunhão agradável entre todos os que me acompanham, me acompanharam, e mais uma vez o destino nos colocou juntos.
Aprendi muita coisa. Reflecti outras. Revivi outros sentimentos, alguns fracos , um tanto apagando-se. Alguns outros muito vivos. Aquela chama ardente de sempre. A chama que precisava ser activada de novo. Minha energia recuperada. Estou completa novamente. O mundo gira sem muitos propósitos e descobri que posso dirigi-lo. Posso mudar alguma coisa. Alguma coisa, entende? Interagir. Eu posso me renovar sempre, meu Deus, que coisa linda. Como é bom crescer, acompanhar esse processo tão doloroso dentro de mim.
Festival de Teatro. Um acontecimento que é esperado todo ano. E esse ano foi mais fraco, embora pareça eu tenha aprendido muito mais, eu tenha me enxergado em alguma coisa, visto de outros modos.
A Oficina de Direção, com o Marcelo Lazaratto, foi algo surreal. É além, entende? Foi uma parte do Teatro que eu não dava tanta importância. Mas agora pareceu explodir na minha cara. E uma concepção de Teatro, que talvez eu tenha deixado de lado, voltasse a reinar. A idéia de que nos prestamos para algo maior do quenos, entende? Meros instrumentos. E o resutado final é grandioso, que dá até vontade de chorar de lindo. Dá até vontade de voltar a atuar e começar a dirigir. Mas ainda é tempo. Sempre ' ainda e tempo'.
Ah, meus orgasmos artísticos. Repensei muitas coisas. Ainda estou processando tudo. Foi tão rápido. Uma semana, meu Deus.
Encontrei aquela menina de novo, minha eterna amiga, apesar de tudo. É tudo uma questão de posicionamento. Foi maravilhoso tê-la de volta. Não tanto do jeito que eu queria, do jeito que desejei de novo, irracionalmente, mas acho melhor que seja assim, talvez. Tenho um carinho imenso, pelo que fomos, pelo que somos e o que passamos juntas. Não consigo não achá-la linda. E ela continua usando o mesmo perfume, que eu tanto gostava quando beijava seu pescoço e o cabelo caía em meu rosto. Lembrei de tudo sim. O que você quer que eu faça? Foi inevitável. Mas eu, senhores, sei o que me foi dado. Sei o meu papel. E não me arrependo do que foi nem do que é.
Marcou-me muito esse contacto com meus amigos. Nos reunimos, todos. Embora tenha faltado muita gente querida que nos lembrávamos sempre. É lindo demais. DEMAIS, DEMAIS, DEMAIS. É lindo de se ver. E eu agradeço por tudo. Pelo que construímos juntos, pela nossa identidade e nossa bolha teatral maravilhosa. Sexta-feira nos reunimos para um churrasco. Conversamos sobre tudo, sobre o festival, sobre as peças, sobre psicanálise... tudo. Um churrasco. Vou dizer que churrasco sempre me remeteve uma ideia meio chata de pessoas que se reúnem para beber e jogar baralho, falar sobre futebol, mulheres e outras coisas fúteis. Mas a gente consegue ( e eu amo isso sempre) transformar tudo num ambiente mágico. Um churrasco artístico. Seja o que quer que seja. Brincamos de mímica, de mafioso e isso por altas horas. Tomamos sorvete, rimos e atuamos tão bem. Novas piadas interna, eu recuperando minha energia ( e eu precisava disso, você bem sabe, ó empoeirado quarto). Eu preciso de vocês.
Um vento muito bom soprou a nosso favor, a meu favor. E o universo tem sido mais ou menos bonzinho, embora algumas ironias ainda continuem e olho para o céu para ver: isso é comigo mesmo?
Foi tudo maravilhoso maravilhoso maravilhoso maravilhoso
Obrigada, Tatuí por existir e me fazer ter nascido no seu berço. E ter te conhecido desde pequena, nessas ruas finas de cidade de interior, e comido pipoca na praça da Matriz e tomado sorvete no Palácio dos Sorvetes. E poder ter brincado no coreto da praça. Vagar pela Avenida das Mangueiras e olhar a fonte que há tempo tempo ficou sem jogar água. Por ter desfilado no Onze de Agosto, quando criança, pela sua rua principal. Por ter conhecido suas escolas de arquitetura antiga que admiro tanto.E suas pessoas que te seguem, andam, os velhinhos no banco da praça, as pombas comendo milho. Pelo Teatro, onde, sem sombra de dúvidas, foi um marco pra minha vida, pra Cássia como pessoa, em crescimento, e por ter me feito ser o que sou hoje. O Teatro foi decisivo pra minha identidade, pra minha afirmação como pessoa, e meu crescimento pessoal. Foram três anos, que passaram( voando aliás) que me alimentaram de arte. E claro que não nego outras coisas. Mas a energia forte que isso tem é sem dúvida o que me alimentou até agora.
E não adianta, senhores membros do júri, pois eu vou sempre voltar pro meu berço. Seja o físico, o mental, o artístico. E eu vou mudar em muitos aspectos, mas é ainda mais saboroso quando se mantém aquele cerne de pessoa.
Estou maravilhada. Tenho que voltar pra minha vida. Fiz o que eu tinha de fazer. E vou sempre ter de decidir entre um ou outro. Mas quando se trata de se alimentar com coisas boas, tudo o que vier é válido.
Obrigada meus amigos. Obrigada ó grande obra prima. Ó Teatro, meu amor. Ó energia louca que me toma conta, me invade, me recupera. Obrigada pelo que fui e pelo que sou. Pelo que conquistei e ainda hei de conquistar. Obrigada.


- em eterna mutação, lenta e bruta. É preciso lapidar-se.