Um fato muito bonicto, meu querido, que eu queria te contar. Bonicto e singelo.
Era noite e eu estava esperando o ônibus ali na Consolação. Demorou um tempão para o ônibus chegar e eu estava atrasada pra aula na faculdade. A primeira eu não ia assistir mesmo, mas esperar me encheu o saco. Bem, o fato não é esse.
Olhei de soslaio e vi uma menina muito bonicta. Não me dei muita conta disso e coloquei-me a esperar o ônibus, olhando ansiosamente para todos os que passavam para ver se era o meu. Enfim, chegou. A senhoricta entrou também. Percebi que ela era realmente muito bonicta e que tinha os olhos muito bonictos e um cabelo também muito bonicto. Olhei-a e ela me olhou . Nos dispusemos no meio de muita gente meio apertada no ônibus. Ela ficou de costas para mim e um infeliz de um rapaz muito alto ficou bem na minha frente tampando qualquer visão que eu tinha dela. Eu conseguia, aos poucos, ver seu cabelo. Com o balanço do ônibus, os corpos iam pra lá e pra cá, e o rapaz que me ofuscava a visão saiu um pouco da minha frente. Percebi que ela se virou e me olhou. Ela teve a ousadia de se virar para trás para me olhar, e era pra me olhar sim. Um olhar meio tímido, não querendo denunciar a luz nos meus olhos. Não querendo que eu soubesse que ela me olhava. Os dois, aliás. E eu olhava para o teto cantando qualquer música que passava no rádio e quando me virava de novo para vê-la, ela estava me olhando e desviava muito rápido o olhar. Nos cruzávamos muitas vezes e aquela luz dos olhos dela congelava por alguns segundos na minha luz e isso me enchia de uma coisa muito gostosa por dentro. Bem dentro dos meus olhos. Assim foi a viagem toda. Eu rezava para que demorasse e o trânsito engarrafasse mais. Demorou, afinal, mas me pareceu de uma rapidez absurda. Torci para que ela descesse no mesmo ponto, e por ironia muito boa do destino ela desceu, subiu as escadas da História e se enfiou no vão onde não mais a vi. Fui pra minha aula com os olhos cheios de luz. Com os olhos cheio de olhares.
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