sábado, 21 de novembro de 2009

Numa tarde chuvosa.

E eu ainda continuava em insistir da onde é que vem tudo isso. De onde é que vem a insistência em amar o amor? De onde vinha essa vontade da busca por tudo que é meio artista, meio com saudades, meio apaixonado, meio decadente, meio noir? Esse misto de alegria e saudades. Tipo tanta vida que lembra a morte. Tipo se apaixonar.
João Henrique
Eu ainda continuava insistindo em tudo: em mim, em você, meu querido eu-masculino, em Tatuí. Comecei com meu texto com o começo do teu texto e tomei a liberdade nisso, pois mesmo sabendo que é teu, que saiu de você, o sinto como um pedaço de mim. Essa eterna conexão entre nós.
Nossos momentos são raros. E hoje, como uma raridade em essência que nunca mais se pode presenciar, passamos a tarde juntos. Meu amigo João, mas que tempo são esses nossos?
Bem, há muito tempo que eu não o via. Eis que de repente, não mais que de repente ele surge em minha casa, uma camiseta branca, tão franzino e único. Eu, no meu traje domiciliar meio mendiga, meio largada, descalça e descabelada, atendi-o. Tenho o direito(oras) de atender seja quem quer que seja no meu traje domiciliar. E acho isso muito bom, porque percebi que geralmente ando meio largada, um largada gostoso, de não esperar tanta coisa, esperando que alguma coisa chegue, mas até lá, meu bem, tenho o direito de estar confortável na minha maneiro de sê-lo. Atendi-o com um sorriso de saudade e um tanto de espanto: Ó, você está dirigindo mesmo, mas que bonicto. E ele nem tinha enconstado o carro direito, todo torto no meio da minha ruazinha: Acho melhor você estacionar direito, senão vão bater. Não arrumou.
Convidou-me para ouvir o cd que ele tinha gravado só com músicas dos anos 80, bem fossa, bem preto e branco num calor ardente de Tatuí. - A-ha, Cindy Lauper e não sei mais o que tinha. O calor estava mesmo de derreter, meu Deus. Eu suava. Que calor, eu hein. Não curto muito isso não. Agora que ele estava dirigindo, poderíamos passear de carro. Foi o que fizemos, peguei meu ray-ban-top-único-cassia-oliveira, meu chinelo novo vermelho, entrei no carro e fomos. " Podemos comprar alguns LA's avulsos, o que acha? "Adorei a ideia. Estava tudo encaminhado. O menino do meu mundo, cigarros glamourosos, anos 80,o que mais? só o calor, mas o cenário melhoraria. Pra começar, eu não acho legal fumar, é feio e te causa impotência sexual, necrose e o caralho a quatro. O facto é que, querendo ou não, a gente tem essa imagem cinematográfica charmosa do cigarro. E querendo ou não, não perdemos uma oportunidade para nos fazermos literários, cinematográficos charmosos e juntos numa tarde calorosa. O cigarro era mero detalhe de direção. E compartilhar momentos únicos com nossos amigos, ó meus senhores, é algo que não se paga, não se vê, não alcança qualquer registro a não ser aquele timbrado no peito e na memória.
Ah, como eu adoro. Chegamos na Av das Mangueiras... chovia e fazia sol. Sol e chuva ( casamento da viúva?) No rádio ainda o anos 80 fossa, a chuva la fora, as luzes tentando penetrar nas nuvens, e tal o faziam muito bem que ainda nos iluminava e fazia mais calor ainda. Engraçado, eu estava derretendo.
A gente acendou os únicos dois cigarros que tínhamos e conversamos por um longo tempo naquele bafo de fumaça, vidro semi-fechado, chuva lá fora, minha risada atordoada e algumas cinzas dentro do carro. E essa foi a imagem mais bonicta que eu guardei comigo. Foi um momento muito gostoso que parecia meio lento, vaporoso e abafado( e isso estava mesmo). Por que parece que uma bolha nos envolve e as palavras parecem ser tão nossas, tão colocadas; por mais absurdo que seja, a gente consegue um entendimento impressionante. Falar sobre coisas da vida. Nossos medos repugnantes, sobre Tatuí deliciosa que nos aconchega, e como sempre o mesmo assunto que nos atinge em todo, sobre as pessoas e paixões e amores. Dessa melancolia nata no fundo do poço que a gente exala. Porque daí se explica muita coisa, cada detalhezinho, cada medo que nos faz morrer por dias e viver um segundo só porque a gente viu os raios de sol entrando na folhagem. E voltar à ibernação ouvindo nosso repertório noir, meio cult, um quê de melancolia em sépia, desde Nina Simone ( um marco em nossas vidas), Tom Jobim, Chico Buarque, Adriana Calcanhoto e afins. Pensamentos. Voltamos alguns assuntos passados, que tomamos como referências: Ah, mas e fulano? E aí começa uma dissertação tremenda. Ah, mas e fulana? E começo a dissertação, repuxando lá no fundo do copo amargo os amargos e doces dessa vida jovem, meio velha, meio retrógrada e adoravelmente sofrida." Eu não sei, não sei no que sofri mais, acho que daquela vez foi muito pior...a gente acaba criando anti-corpos. " Mas que graça tem essas pessoas normais e felizes?" Bom mesmo é sentir aquele prazer na dor, na tristeza. É que aí sempre pensamos que isso pode nos render um bom texto, uma porcaria qualquer que nos satisfaça. " Mas estamos bem..." " Sim, estamos". " O que será agora?" " O que será depois? O próximo? " "A próxima?" . E todo um projeto meio mal feito de vida, porque, de repente, sentimos vontade de casar e ter filhos. Não eu com ele, por favor. ( embora tenhamos nos perguntado algum dia no passado: ' porque você nasceu mulher?' " porque você nasceu homem?" risos). Um papo bem - estamos velhos e maduros para ter um matrimonio e filhos... e tudo isso na nossa adolescência já um tanto passada- " Ah, como é chato começar tudo de novo" "Não é? Não to pra isso não" "Nem eu, não quero mesmo, essa mesma ladainha de começar desde o começo, que preguiça" " Eu quero uma pessoa só e pronto, nada de ficar procurando em todo mundo alguma coisa meio absurda" Ficamos conversando sobre tanta coisa, sobre nós mesmos, as pessoas, aquele papo denso que juntamos pra falar um pro outro, mas por incrivel que pareça, soa tão natural que até chega a ser leve e alegre. Sobre como a vida nos leva, jogados, sem absolutamente plano nenhum. " Mas isso não é bonicto? Essa chuva, esse sol raiando, o cigarro, a trilha..."
Não é bonicto? - Oras, cada um com suas crises.
- Ah, eu te acho muito mais bonicta do que ela.
- Sério? Nossa, sou tão sem graça e ela era tão... prática, selvagem.
- É, o P. também. Mas agora estou bem melhor, nossa... e isso já faz um ano.
- E eu reclamando de três meses. ( risos) Mas acho interessante, porque não tínhamos os mesmos gostos.
- Eu e o P. também. Ela não tinha essa coisa densa?
- Um pouco. Ela gostava de verão e eu de inverno.
- Ele era alguém normal, era prático também, sem poesia, nem literatura, não tinha essa coisa literária assim, que nem a gente.
- Que coisa. Esse mundinho.
E tantas conclusões, tantas coisas que ficam no ar, uma palavra que domina todo pensamento.
" Oh, mas é claro...é isso, ano que vem. Só pode" Ah. E ríamos.
No texto dele ele escreveu sobre de onde vinha a Coisa. A Coisa é isso mesmo da nossa natureza poética, meio densa, melancólica, bonicta acima de tudo. Dos nossos gostos. E a Coisa vinha dele ( de nós, me incluindo) e nós viemos de Tatuí. E isso é de um orgulho tão, mas tão, que me explode no peito. Tatuí.
Viemos daqui e voltamos sempre pra ver esse ar tatuiano e comer pipoca na praça, ver o chafariz da Av das Mangueiras, entrar na igreja da Matriz e ficar olhando as pinturas barrocas tão belas guardadas ali nela, naquele teto imenso. Eu sempre adorei aquilo. E o conservatório, abrigando aqueles músicos que vem de fora, os hippies taxados perjorativamente, o Café Canção da high society, aquelas palmeiras da Av Firmo Vieira que eu adoro quando passo de carro e finjo estar numa praia. Dessa música eterna que soa em cada um. Da gente, encolhido, tocando violão, bebendo cerveja na janela olhando as luzes laranjas dos postes, folheando alguma revista, comentando aquele livro, coisas absurdas tão nossas, tão eu, tão você, meu querido. Coisas banais de jovens. Coisas aleatórias que guardamos e achamos que aquele detalhe faz a diferença, que esse arranjo fica lindo, que aquele filme é tããão legal. E eu te disse que você me foi um marco na vida. Muito do que gosto hoje, se eu já gostava, passei a apreciar mais, e juntamos nosso gostos tão semelhantes, que nos deixaram abismados, porque tanto eu quanto você, nessa cidade que tanto reclamavamos, achamos que nunca encontraríamos alguém que gostasse de Nina Simone ou Frank Sinatra, alguém que lesse Lolita ou Presença de Anita em plena Tatuí. E a gente se encontrou, entre uma carteira, entre bilhetinhos espantosos e a partir daí é que nossa poesia e densidade se juntou e sofrer não foi tão ruim assim, porque sabemos que somos felizes, mas sempre com essa agulhinha no peito, esse incômodo eterno que embeleza a vida.
.ao som do silêncio

2 comentários:

S.T. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Que bonito , que bonito , que bonito !