Eu bailava por entre o parquinho colorido. Era noite e estava frio. O parquinho estava quase vazio e era iluminado por holofotes grandes que projetavam minhas sombras na grama molhada. Havia chovido muito naquela noite (a grama estava mesmo encharcada). Por volta dos brinquedos do parquinho algumas poças de água me observavam e imaginei serem pequenos lagos que refletiam minha imagem. O meu tênis, ao andar, espirrava água e lama para os lados. Bailei até chegar nas montanhas. Subi no topo onde eu era iluminada pelo foco dos holofotes. De lá de cima eu via os pequenos lagos com algumas ilhas aleatórias. Se houvesse alguém lá de baixo me veria como uma deusa. Eu quis uma foto.
Como a chuva havia molhado tudo, eu escorregava algumas vezes entre aqueles canos coloridos sobrepostos um por um, formando quase uma escultura futurista, quadrada, arcaica. Um parquinho. Comigo estava aquele menino que eu sempre imaginei olhar para mim. Mas ele não apareceu ainda. Eu precisava me equilibrar nos canos e minhas mãos suavam um pouco. Suavam frio, molhadas também pelas gotas restantes da chuva. Ventava um pouco e meu rosto deveria estar vemelho, assim como meu nariz, e minha garganta arranhava. E eu arranhava aquele silêncio cuspindo delicadamente algumas palavras que decorei em alguns desses livros que se lê e se gosta muito.
Meus gestos, meus cabelos, minha lama, tudo numa bagunça sincronizada onde eu poderia ser a deusa mais viva naquele mundo escuro de penumbras. Era preciso... era preciso dizer que o céu me embalou naquela noite. Eu voltei como uma criança descalça pisando na grama, na areia, sozinha e contente. Toda minha roupa branca, limpa e cheirando mamãe aos poucos ia encardindo naqueles respingos de lama. Porque estava encharcada. Meus pelos arrepiavam porque o vento também tentava me embalar. A minha voz surgia meio surda, acanhada depois de dançar na noite nublada. Tentei projetar a voz. Dei mais energia, mais enfase e saíram algumas notas bonictas, encorpadas. Achei que não fosse mais a voz de criança que agora a pouco eu tinha. Eu era uma deusa e todo mundo me desejava. De longe o menino me desejava. E eu olhei para ele, bem no fundo dos olhos, e comecei a falar algumas coisas que me deixavam mais poderosa, eu lá em cima ele lá embaixo. Os olhos dele brilhavam. O vento soprava, não tão forte, já mais ameno, mas ainda arrepiando meus pelos.
Meu Deus! Mas que mulher era aquela? perguntava-me. Era eu mesma. Tão mulher, tão criança. Quando alguém me perguntou: - Quando você vai crescer? - foi aí que eu me encontrei, que aquele ser selvagem, que toda aquela inocência veio à tona e eu vi com os olhos ardentes que eu era exactamente isso. Que eu era aquela criança embalada nas nuvens e que eu era ao mesmo tempo aquela mulher feroz que às vezes me escapava pelo peito e pela boca. Eu me larguei, um dia, nos quatro ventos e resgatei-me num único; numa única pergunta mediocre. Era eu, era ele. Era meu coração pulsando com o sangue nostálgico tão belo e vermelho. Meu sangue! Eu! Eu! Ele! Ela!
Era eu ali, era eu, senhores. Minhas pupilas dilataram numa dança tribal. E ele, de longe, via tudo isso. Ele estava louco. Meus versos ruminaram o peito dele. Eu era agora duas em uma. A deusa em mim gritava ao mundo e pessoas vinham me ver, encontrada, esvoaçante, na roupa branca encardida e respingada. Era eu todo aquele poder. Era meu todo aquele coração.
O meu coração batia como louco. Eu disse sim. Sim! E ele caiu ardente na grama encharcada enquanto eu, rente ao seu corpo, ria sozinha, meio calada, ofegante, os olhos brilhando tão selvagem, que a criança em mim que eu havia descoberto havia recuado. Que eu era ele, a criança e a mulher.
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