sábado, 19 de dezembro de 2009

Veio então a chuva.

( para ouvir com Goodbye Blue Sky - Pink Floyd)
'Teu coração baterá fortemente, sem que ninguém escute'
Um gramado imenso- eu diria infinito- verde, muito verde, que contrastava com o bem azul do céu. As nuvens brancas passavam às vezes lentas às vezes rápidas naquele plano infinito. Eu estava deitada olhando isso tudo. Apenas eu. Não se via nada além de todo esse cenário imenso e solitário. As nuvens faziam-me sombra.
Meu corpo apenas se deitava, de vez em quando minhas mãos apoiavam a cabeça, como um travesseiro, e meus pés se cruzavam. Era o que eu pensava ser - apenas alguém deitado num gramado.
Por alguns segundos de sonho havia alguém segurando minhas mãos. Olhei para o lado e apenas vi que a grama estava um pouco amassada, alguém havia deitado ali. Ali, do meu lado, e viu, como eu vejo agora, as nuvens passarem sobre nossos corpos. Mas não havia ninguém, e eu não sabia se eu queria que houvesse, eu sabia que eu sentia uma dor se alastrando pelo meu corpo. E era uma dor que não se sente em grandes dores físicas, mas como um mal silencioso que me devorava aos poucos por dentro, como uma saudade. Quando caiu uma lágrima de cada olho e escorregou salgada pelo meu rosto, passando pelo pescoço, pela nuca até chegar na grama. Eu nunca sei exactamente o que é sentir falta de alguém, mas aí pensei que era não poder segurar uma mão que eu segurava antes, era não sentir mais aquele calor.
Silenciosa eu derramei mais algumas lágrimas, eu estava paralisada um pouco, porque tudo que se passava em mim eram lembranças de um mundo remoto, campos floridos e leões que eu cavalgava. Eu quis chorar e não achei que isso fosse resolver alguma coisa. Mas eu chorei.
Alguns momentos depois tive muita raiva, e eu quebraria a casa toda, se eu tivesse casa, e estraçalharia aquele coração distante, não o meu, mas o seu. Mas eu sei que alguém já fez isso com você. Eu sei que alguém já fez isso comigo. Com a gente, o que é que sobra?
Meus pés descalços passavam pela grama. Se eu pudesse ver teu rosto, eu estaria te olhando bem no fundo dos olhos e visto quanta mentira você contou, não para mim, talvez. Se você pudesse me ver você derrubaria lágrimas nos olhos e veria tudo o que você quis um dia, tudo o que restou no seu coraçãozinho duro e perdido. E você, no fundo, não quis nada. Escondeu numa realidade fragmentada esse tempo que podemos pegar com as mãos, porque é muito fácil quando se pode viver quando o vento sopra a nosso favor e o tempo nos carrega como um bebê.
Minhas mãos passavam pela grama e eu sentia alguma coisa penicar. As mãos que soltaram as minhas eram as suas. E eu não vejo nenhuma outra mão te segurando, nada que me convença dessa sua realidade inventada, nada que me convença que você gosta de outra pessoa. Não porque eu quero ver isso, mas porque eu sinto. Não posso fazer nada, a não ser fingir acreditar em você. Não posso fazer nada sozinha.
No fundo eu ria. Mas eu não sei se eu ria de saudade, de marmelada ou de dó. Isso só é mais doloroso em você. Porque eu sei que vai pensar mim e lembrar-me em todos os momentos que me quis ao seu lado, porque eu lembro de você, até aqui, deitada nesse campo, até depois de você fingir que a decisão que você tomou foi a melhor ( talvez seja). A escolha é sua. Mas se for fazer algo certo, que seja inteiro. Pois essa é a sua maior enganação para com a outra pessoa. Que triste deve ser estar com alguém e pensar em outro e fingir tanto amor superficial, boiando na piscina suja em dias de inverno. Tanto amor superficial que escorre pelas mãos feito bexiga d'água estourada. Isso é o que eu sinto, não posso mentir, talvez seja pura verdade. Talvez seja mesmo um amor-real-feliz-que-eu-posso-tocar.
O toque na pele. O toque no Sonho. Inspirei um perfume que não sei de quem é. O meu? Cheiro de grama. Cheiro de céu. Cheiro de ainda-não-terminamos-nada, mas o meu silêncio diz por si só. Som de cheiro de silêncio do corpo sozinho.
Começou a chover. Deixei que a chuva entrasse em mim, me lavando inteira. Lavando minha saudade, meu pesar sua ausência, o seu afastamento por conta própria, o meu afastamento, o seu delírio real, o seu delírio em mim que sou eu, que somos, e quanto mais você foge, mais me pesa tudo isso. Mais te pesa meu cheiro te incomodando. Mais te dói minhas palavras. Mais me dói sua confusão, essa mistura ingrata de copo de leite com cerveja barata. Lavando o que fomos. Por ter sido o que não foi. Por ser o que não era. Mas que ainda assim foi. Pelas palavras repartidas. Pelo seu e o meu desejo contido explodindo aqui dentro. Pelo meu fingimento. Pelo seu. Por nossas rosas partidas, nossos beijos entrelaçados. Nosso fio que ainda, por incrível que pareça, nos mantém. Essa força vital que não sei da onde saiu, que nos une. E você, por mais que queira desfazer, acaba deixando muito mais bruto, pois quando der conta, verá que não poderá controlar, como eu não pude, nem você pôde, nem nós duas juntas. Mas que tenha sucesso seja o que for que está tentando fazer. O que é o fim nessa vida a não ser a morte?
Começou a chover. Fiquei em silêncio, depois de vomitar todo esse verme em mim. Ficarei em silêncio. Não nego a saudade, não nego que eu gosto de você ( e você nem sabe), não nego sua falta, não nego meu desejo, não nego. Os tempos são outros, o fim é só o desejo de um novo começo. É alimentar essa sede que temos, esse desejo louco assassino de gritar seu nome, essa sua fúria de ter que viver enfadonhamente essa realidade de merda que você julga tão realizadora. Que pena! No seu lugar eu talvez fizesse o mesmo. Sacrificando-se por alguém. Cuspiria muito ainda tudo o que você tinha que ouvir. Mas a chuva já chegou.
Adeus, céu azul.

Um comentário:

Stephanie disse...

'Às vezes eu pressinto e é como uma saudade de um tempo que ainda não passou'