sábado, 12 de dezembro de 2009

Algum veneno partido

Foi naquela noite o primeiro beijo. O primeiro e último, já sabíamos. A pele era de um perfume único, sedosa, parecia uma fruta macia. Me deixava o coração pulando pra fora, o cabelo descabelado, cada centímetro arrepiado. Caí na suas garras muito mais fundo do que estava. Foi o ápice desde a primeira vez que a vi na minha frente, alta, os lábios carnudos, o jeito de me olhar. Foi o ápice e o declínio tudo num mesmo tempo. Num único respiro.



Só agora descobri que ela era realmente um veneno. E ela sabia muito bem disso. Apenas eu, cega, arrastando-me, se pudesse (aos seus brancos pés), não sabia o quanto ela me dava corda para me enforcar depois. E isso talvez por própria natureza e um pingo de maldade e prazer. Viu em mim um peixinho muito fácil de se fisgar, afinal eu deveria ser mesmo, ainda mais para aquela menina-mulher sedutora. Ainda mais para aquela garota de 17 anos que eu achei ser um peixinho fácil. Quanto veneno! Que dissimulada! Posso dizer mesmo que eram olhos de cigana oblíqua e dissimulada, jogando todo o seu encanto pelos olhos, enquanto eu, inocente (oh céus) caía com todo meu amor já meio arruinado pelo primeiro toque dos nossos lábios. Talvez fosse já arruinado pela primeira vez que conversamos e sabíamos que nada mais poderia acontecer, a não ser eu beber muito do seu veneno e ter minhas veias entupidas, enquanto ela, limpando cuidadosamente o canto da boca, sorria meio malígna, afincando o dedo na ferida e indo embora, longe, sempre inteira, procurando uma próxima vítima.



Só agora, depois de tanto veneno eliminado, depois da minha completa lucidez, percebi sua dissimulação, usando-me para seu bel prazer. E eu bem queria tê-la usado, mas já não tinha armas pra isso - eu era inteira levada pelo seu perfume. Não podemos negar que toda aquela energia que saía do corpo dela ( tão cheiroso, meus senhores) e do meu( amendrontado) nos fez estar num momento único que não esqueço jamais; não esqueço aquela bolha escura do quarto que nos envolvia. Só agora, relembrando toda aquela cena, percebo imediatamente que apesar de uma única bolha nos unir, estávamos em dimensões diferentes. Mas isso já não importa agora. Em algum ponto do tempo estamos lá. Agora a vejo claramente, tentando alguma coisa nela que parece não mudar. Essa natureza feroz e dissimulada, tão linda afinal. Essa coisa ariana que nunca entendi o que é. Já se passou muito tempo e para mim ainda guardo uma coisa muito bonicta dela. Um pedacinho minúsculo do beijo feroz, um pouco da luz da rua que entrava pelas frestinhas da janela, um sabor inesquecível da sua boca...

Mas ela, ela tem esse veneno. Esse avesso incrustrado. Uma inquietação. Uma parte que ela não mostra ou não quer mostrar, mas que exala a quilometros de distância e te bate na cara. É o veneno em pele de mulher-menina, um quê de vulgaridade com aquele sorrisinho safado dançando em fumaça. Entra pelos olhos, pela boca, pelos poros. E ela, ainda menina desamparada no fundo, solta a fera dissimulada, a fera instalada na íris dos olhos, na doçura embriagada das palavras... a fera embebida em veneno.

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