quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Leões

Eu continuo gostando muito de você
como quando vejo o sol no céu azul com nuvens e campos floridos.


1



Imaginas que cultuo muito esse mundo de ideias e palavras. Não é atoa que sou o que sou, com o maior direito de sê-lo. Levo tudo isso como um mundo meu, um cuidado de me entender inteira em partículas aleatórias, sem disciplina nenhuma. Escrevo sempre o que sinto, com a maior possibilidade de verdade e do ridículo e afinal, não me importo com essa demonstração gratuita de ser humano em crise, essas entranhas mal dormidas com gosto azedo. Não me impeço de demonstrar o que sinto e o que sou. Sou isso que me acompanho e me vejo em emaranhados eternos e lembranças, afetos e densidade. Porque é uma vida que se vai. É uma vida que tenta ir. Como sempre me deixei levar por essa mão maior que nos afaga e corrompe.

2


O que mais me doeu em tudo isso, nesse caso específico, nesse acto indefinido, nesse afecto entre eu e você (não você, meu querido) foi justamente o facto de ter me arrancado algo. Senti que o que me foi tirado foi justamente o que mantinha nosso mundo interligado. Como se as palavras, essas que me traduzem e traduzem tudo o quanto sentimos, fossem nosso único meio e um dos mais bonictos meios, de ter todo um jardim com borboletas e passarinhos. Quando aquelas palavras num texto, de profunda dor e ironia, me foi arrancado, te foi arrancado também, por algo que me deixou profundamente magoada e esmagada. Eu não sabia o que fazer. Minha boca calou, meus dedos, coitados, congelaram e por um momento senti meu coração sendo furado com pequenas agulhas. Naquele momento eu percebi que você não se importava comigo, que nosso vínculo havia se quebrado, enquanto eu ainda suspirava. Senti-me, egoisticamente, em segundo plano, mas num plano que era eu e você e não havia mais ninguém que pudesse estar em primeiro. Não sei se é tão confuso ou se dói de tão explícito.

Minha boca está muito seca. Quis derramar algumas lágrimas mas me contive. Minha vontade era mesmo estar num quarto sozinha e deitada, me embriagando de vinho, me banhando de vinho, e meu corpo ensaguentado de vinho, até eu rir e rir e rir pra explodir as paredes, pra invadir outra atmosfera e depois chorar igual um bebê abandonado. Essa era a minha vontade. Chorar porque me sinto completamente presa. Eu me sinto tão incapaz, um amargo, alguma coisa entre lama e vermes. Minha vontade maior, meu escuro do mundo, era mesmo encontrar o que você quer. Porque você me disse, um pouco antes de eu sentir tudo se desabando sobre minha cabeça, que eu era tudo o que você queria. E ai tudo se contradizeu em questões de segundo: meus olhos piscaram, meu sangue fluiu, um mosquito passou e . E eu não me vi. Eu não te vi. Eu não nos vi mais. O escuro se escureceu mais ainda e não via outra saída e pensava - mas isso não é possível. Sentia todo o sangue me borbulhando; apenas de um lado, o meu, porque você não me fazia parte mais, não era mais minha ( um terceiro lado foi imposto). Você escolheu e eu não fui a escolhida. Eu senti tão dolorido que não era eu. Como se nossas mãos tivessem se separado.

3

Minha boca continua muito seca e isso parece piorar a cada letra. O ar me arranha. Parece que alguém me tirou a capacidade de alguma coisa que me é muito importante.


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Você não me escolheu. Ainda fez questão de que eu a visse em fotos e recados. Não suportei mesmo. Um martelo na minha cabeça.
Estava pensando, antes de dormir: porque uma realidade invadiu a nossa?. Porque a verdade me foi dada e porque a verdade não foi dada para a outra? Achei um tanto injusto. Aliás, eu to me achando totalmente ridícula. hahahahahahaha. Que novidade. Eu to me achando uma derrota imensa. Que minha única vontade nesse exato momento era exterminar tudo o que me faz estar longe de você. O problema maior é você não me querer mais. E rio mais de dor do que de orgulho. Rio de desespero.

5


Estou falando tudo o que me está intalado na garganta. Garganta seca. O coração está fluindo, fraco, mas está. Eu nunca sei o que fazer, que posição tomar, que a puta que pariu. Eu sempre acho que não valho o pão que eu como. Ainda se eu tivesse um porquinho da índia.

6


Hoje vi um campo florido. Quase todo dia vejo na verdade. Pensei em milhares de coisas e uma onda imensa de palavras caiu sobre mim. As palavras que eram suas. Um campo florido. Eu não peço tanta coisa e estou contente com o que tenho, mas a única coisa que eu não tenho me deixa nervosamente triste. Me faz, mais uma vez, estar no fundo do poço arranhando a terra e comendo-a. Nunca vi tanta ironia e maldade do destino. Nunca me senti ilhada e jogada dessa maneira. Afinal, há sempre um novo modo de dor.


7


Preciso crescer. Meu exoesqueleto está me sufocando. Pensei nisso esses dias. Pareço um insecto. Um insecto com calça furada embaixo. O cabelo, como sempre, um cogumelo. As poucas vezes que sorri foi meio de lado. Hoje me perguntaram se eu estava triste. Disse que não. Não sei porque disse isso, afinal eu estava mesmo triste. Disseram-me então que minha cara é de quem está triste. Falei que era cansaço e e que estava com sono ( que não deixava de ser verdade). Não devo me ver no espelho há muito tempo, nem lembro como é minha cara de triste e não consigo disfarçar. Fico mole, quero alguma coisa impossível, a água desce meio quadrada. Literalmente eu não tenho chão e aí me diminuo menor que uma formiga, porque até ela deve ter alguma certeza nessa vida. Nem beber eu consigo mais. Ainda me embebedasse. Algumas coisas me parecem absurdas(pra não dizer tudo). Minha vida, uma ilusão. São Paulo, tão grande e tão pequena ao mesmo tempo. Sufocante. E aí eu tenho que escrever tudo. E talvez essa fosse uma esperança mínina de vida. Fosse um escape pra um nada, mas um nada diferente do nada de antes. Eu tenho que escrever tudo, não posso segurar essas coisas que entram em mim, sem eu deixar. Minhas portas estão tão abertas assim? Escrevo para diminuir a pressão sanguinea, talvez menos que a psicológica. Talvez menos que essa bolha densa. Um lençol enorme me envolve e não tem cor, mas se tivesse seria cinza. Se tivesse cor seria um céu cinzento como esses que fazem ultimamente em plena primavera. Logo a tardinha, sentei numa carteira da sala perto da janela, e reparei que havia uma árvore grande com florzinhas amarelas que caiam constantemente e banhavam o chão que estava todo colorido entre verde e amarelo. Aquilo me deu uma paz. O céu neutro, sem opinar em nada na Natureza. - Deixa essa menina olhar a árvore e as flores caindo - permitiu-me a natureza.
Preciso crescer. Cresço eu ao longo do tempo?

8


Minha história com você eu não sei definir. Precipita algo aqui dentro. Por mais humilhada e estraçalhada, algo me faz continuar. Sozinha? Querer você sem você? Acho que preciso mesmo de um bom correctivo. Nascer de novo, porque não sei de onde vem essa sina irônica.
Eu sempre, a partir de algum momento muito mágico e sublime, gostei de você. E nunca, acho, senti o poder dessa palavra: gostar. Não é nem adorar e nem amar. É gostar e isso me pareceu de um peso imenso, porque sempre fui sincera quanto a isso. Foi o primeiro gostar que me doeu e me pesou. Foi um gostar gostar mesmo e não tenho dúvidas. Tem coisas que não tenho dúvidas, mas são poucas e me agarro com unhas e dentes nessas pequenas verdades. Pequenas verdades. Já teve alguma grande verdade? Verdades absolutas, conceitos concretos, pensamentos brutos? Mas verdades pequenas, estas sim parecem fazer sentido. Gostar. Um pouquinho. Gostar tanto. Por um momento me vi brincando com novelos de lã, igual um gato, espichando as unhas e arranhando meu corpo. Gostar, que engraçado. Deve haver alguém que goste de mim. Ela talvez não saiba que eu goste muito dela. Ela talvez não saiba o quanto me entreguei, bamba e ridícula, passos no escuro, as mão nas paredes ( se houvessem paredes). Nem fosse de tudo obrigada a saber. Nem fosse imposto a saber. Mas eu desejei intensamente que aquele sorriso me devorasse e me fizesse a mais destroçada dos seres. Sabe, esses sorrisos que te deixam suando? Disse uma vez que era um sorriso cheio de coração, e eu poderia sentir a respiração dela quando eu fosse dormir. Todas imagens me vem à mente. Tudo que se passou, flashs e momentos únicos. Ainda sou um gato rolando com um novelo. Pulo do sofá. Lembro que posso beber leite no potinho meu. Não sei meu nome. O novelo some de repente. Uma alegria momentânea, se não fosse minha cara triste de hoje de manhã.
Mas eu quis agora estar feliz. Lembrei-me dela e que um dia, pelo menos senti seu perfume, num papelzinho. Pelo menos um dia eu a tive inteira minha e eu ocupava aquela mente, aqueles desejos que evaporaram. Um dia pelo menos, tenho certeza. Tenho certeza. Se o universo não for tão ruim assim comigo, que minhas lembranças sejam boas e doces. Que eu ainda permaneça nela.

9

Um mantra. Você vai se lembrar de mim: quando sentir o vento batendo no seu rosto; quando vir um campo florido com flores amarelas( vermelhas, roxas, líriios, rosas...); quando o céu estiver azulzinho e o sol, de leve, banhar teu rosto sereno e lindo. Vai se lembrar quando ouvir Stereophonics, Rita Lee ou qualquer bobagem do Cazuza quando estiver no teu quarto olhando para o teto ( será que você ainda pensa em mim?). Quando ouvir Pink Floyd, Yael e aquela musiquinha Toxic cantada por ela. Minha imagem virá na tua mente quando você beijar outros lábios, e sentirá um agulhinha te enfiando no coração, um tremor no corpo, um vinho. E vai se lembrar de mim quando reler minha carta e vir meus bilhetinhos jogados em qualquer canto do teu quarto. Vai se lembrar de mim quando alguém de São Paulo te ligar. Quando a água da chuva cair sobre você e vai abrir o guarda chuva lembrando que um dia dançamos embaixo dele. Quando, sem mais nem menos, olhar para a lua e ela cintilando em cima de nossas cabeças, porque sabemos que ela também está sobre minha face. Quando sentir um cheiro de champu. Quando comer Passatempo. Vai se lembrar de mim com cara de sono. Vai se lembrar de mim com algum café na cama. Em noites chuvosas vai se lembrar de mim. Da minha voz rouca, do meu sussurro no telefone, da minha breguice. Vai se lembrar de mim quando sorrir e pensar que eu adoro esse sorriso com buraquinhos na bochecha. Vai se lembrar quando tiver netos e falar que seu primeiro beijo pela web foi uma coisa ridícula e linda. E vai se lembrar de mim quando seus pés tocarem a areia da praia, morna e úmida. E quando os passarinhos cantarem e os leões saírem da jaula. E quando quis fazer Amor comigo. No sofá amarelo ou em qualquer canto desse mundo estranho. Quando desligarem depois de você falar alô. Vai se lembrar de mim quando comer amora e lembrar a cara simpática que ela tem. Vai se lembrar quando as nuvens passarem pelo céu. Quando o cheiro de flores invadir o seu quarto. Quando essas palavras ainda fizerem sentido e você, bela, única e encantadoramente com olhos brilhando, sentir no seu coraçãozinho que um dia você foi minha.

10

Agora o céu e o sol nos banham. O ar que respira é o mesmo que o meu. Fico quieta, intacta, esperando o universo se acalmar. Escrevo cartas, palavras saem da minha boca. Meus olhos começam a brilhar com uma naturalidade de criança. Meu coração ainda suspira, leve e com esparadrapos amarelos. Continuo a ver o céu. Tudo passa muito rápido e lento para eu sentir. Se eu morresse amanhã estaria feliz. Mas ainda espero. Não tenho tanta pressa. Ainda espero no fundo escuro desse mundo que algum pássaro, alguma rosa cintilante suspire e a naturalidade dos olhos dela, meio inocente, meio animal, encontre as minhas de criança.

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