terça-feira, 8 de junho de 2010

Qualquer Coisa que Soe Como Nada

Dentro desse mundo grande azul, desse quotidiano áspero que tira a cada segundo uma camada da nossa superfície e corroe nosso profundo literário e carnoso, sentei e, intacta, me fiz em lembranças. Inteira. Um outro mundo qualquer, qualquer coisa que soe como nada, qualquer bolha de sabão da infância ou um tesouro perdido no futuro. Porque, enfadonhamente, queira ou não queira, a minha vida vai ser um poço profundo de lembranças, um abismo inigualável de perdas e danos e quedas de braço, perdas de membros, um olho. E no outro ainda há ainda a retina inteira, visualizando com uma só visão todo a dor bela do mundo. Aspiramos, como um aspirador inútil de pó, todo o pó da vida, sem querer às vezes, forçados, às vezes dormindo, às vezes morto. E voltamos à poeira vermelha da terra. E voltamos ao sujo da vida. O sujo mais limpo de nascer de novo. O nada. E caía, como Alice cai no País das Maravilhas, e crescie diminuí em questões de segundos num período incontável, porque eu pude, não porque me obrigaram. Obrigar é uma coisa que dói. Mas obrigar é necessário. Dicotomias infames. E se eu for deserdada? Um dia, numa segunda-feira qualquer, quando eu ainda mastigava os restos de ovo frito, uma voz soou como uma agulha no meu ouvido e disse, não tanto porque ela queria, mas porque precisava, que deserdaria sua filha. Palavras duras em voz mansa. Palavras superficiais, mas doloridas.
Acordei. Esse espinho me deixou alegre como o diabo. Cutuquei até sair sangue e agora bebo dele. O meu. E sempre a gente ressurge das cinzas, do negro. Então me retoquei, sorri sozinha dentro do ônibus, sonolenta e não reneguei a vida e aceitei como era. Porque é assim. Aceitação. Isso tem me martelado sempre. A vida. O destino. O universo como centro das conspirações. E eu? Um ponto nesse infinito de retas. Nenhuma curva. Alguém me dê a mão e curve comigo o rio. Quebre esse ângulo. Ressurgi de mim. Uma aceitação, não sei se breve, não sei se pra sempre.

Um comentário:

LARISSA MIRANDA disse...

Aceitação, mesmo que breve, passageira, é aceitação, é um in love de um eu com um eu.
Muito profundo o que tu escreveu, parabéns pelo blog.
Beijo grande!