quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Desvario Roedor Cerebral

Caso um dia eu morra, por favor, toquem a Pastoral de Beethoven. Symphony n°6 em F Maior Op.68. Contento-me com um violino bem ao lado do caixão. Bem, eu queria que minhas cinzas fossem jogadas ao mar, mas essa beleza musical combina com uma romaria até o cemitério. Bem, encaixem-a em algum lugar.
Caso um dia eu case, por favor, não me julguem. Alguém um dia vai ter se unir a mim. Alguém que seja, uma pessoa desvairada, cega, surda e muda. Não... alguém. E pensando bem, poderiam tocar a mesma pastoral. Porém, quero que toquem Bitter Sweet Symphony do The Verve. Sim, a própria, com direito a violinos. Mas eu não quero muitas pessoas assistindo. Malemá vai um padre.
Bem,caso um dia eu nasça de novo, que me façam do mesmo jeito. Mas algumas poucas mudanças. Podem diminuir o um pouco o meu nariz, pôr uma dose de atrevimento, um pouco de disciplina. Coloquem, se possível, duas asas com penas (de anjo) e um rabinho vermelho com pontas de garfo. Não me deixem dormir muito tarde lendo livros e nem me façam ler tantos. A vida é um livro que eu escrevo.Não me façam querer entender algo que nunca se entende. Caiu o pote de tinta e borrou tudo. Borrei-me. Meu irmão, ninguém sabe o que estamos fazendo aqui. Senta então na sua poltrona de coro legítimo, descansa esse corpo sôfrego e essa alma tão cansada, e finge que tudo vai bem . ' Mas tudo vai bem' .



Toquem a Symphony N° 9 . A Nona Sinfonia... e assistam de camarote à minha desilusão vital. Ao meu pleno engano . Ao espetáculo mais infame e desvairado de toda uma pequena e mísera vida. Peguem os leques, pois o calor é muito, e abanem-se caras damas. Nunca sabemos quando pode ser o fim. Estaremos intocáveis e muito bem trajados para o grande espetáculo.


...para o GRANDE ESPECTÁCULO.



Foi aí que eu me perdi mesmo em sons...entre violinos e flautas eu corria e corria sem nem saber por onde andava. Sem nem saber qual era o próximo lugar de sabor amargo que eu encontraria. Sem querer saber porque que é que essa maldita solidão me pegava e enfiava-me num saco preto e abafado e me deixava lá, no fim de um mundo colorido, no fim de mim mesma.

Não ouvia absolutamente nada. Os violinos e flautas e tambores haviam sumido. Um zumbido começou lá longe. Meio mato meio cidade. Meio povo meio eu.
Fiquei, intacta. Cada movimento me doía mais a alma. Um dedo que se mexia era alguém me martelando na cabeça. Um olho virando era um agulha que me enfiavam no outro. Eu já não pensava. Até meus pensamentos paralisaram. E eu não poderia mesmo continuar pensando. Parei. Movia apenas a mão sem pensar em absolutamente nada. Não me doía tanto.

O saco foi expandindo-se. Eu inteira virei um rato. Um rato branco e asqueroso. Eu comia lixo. E me batiam com vassoura. Mas eu não pensava na vassoura. Mal se quer eu pensava.
Mal se quer agora eu pensava. O rato continuou. Eu...eu fiquei. Nada mais me mudaria. Qualquer corpo, qualquer olhar, sempre seria eu mesma em mim, mil vezes, presa e contornada por cinzas.
Não pude . Voltei ao saco preto. Voltei às dores do parto. Voltei ao meu desvario ilusório de que... de que há sempre uma saída.

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