sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Jacqueline




Ela queria escrever.Escritora deve ser interessante. Quem sabe ser nada e sair pelo mundo como uma garota que sabe apenas o nome da rua onde mora. Dezessete anos e passava horas e horas na escrivaninha,pensando e rabiscando papéis. Idéias iam e voltavam. A luz fraca,a cadeira dura,a mão num tremor de angústia.

Jacqueline, deixe-me pensar, poderia ter cabelos muito compridos,ou cabelo curto com um óculos moderno listrado de vermelho e branco no aro. Jacqueline é a menina que eu queria conhecer. Jacqueline deve adorar se aventurar nela mesma. E é também o que eu quero,aventurar-me nela. Será mesmo que ela usa óculos de aro listrado?

A vida dela é uma música deliciosa que me deixa a pensar se eu também não tenho trilha sonora. É calmo no começo,e eu percebo que a vida dela não é tao monótona assim.

Ivor poderia ser um suposto namorado. Mas creio que o rosto dele,apesar de bonito,esconde muitas infamias. E Jacqueline deve adorar maltratá-lo. Internamente é claro. Ela não seria capaz de tal ato assim,explicitamente,numa ferocidade animal e instinta. Quem sabe,talvez,um dia isso não acontecesse. Um dia,sim. E seria o dia.

Ivor é um bêbado marginal adolescente. É um mauricinho também. Entende? Hipócrita. Jacqueline não chegaria a tal nível.

Disseram-me de um conto,escrito por ela, no qual Ivor morreria de overdose.Overdose psicológica,porque ela falaria tantas coisas a ele que o deixaria completamente drogado. Uma droga psicológica. Nada de química ou erva natural. São palavras. Palavras que o atingem. Era Igor no texto. E Jacqueline era ela mesma,nua e crua na sua sanidade insana de escritora.



"É sempre melhor no feriado/Muito melhor no feriado/É por isso que nós só trabalhamos quando precisamos de dinheiro"



É claro, trabalhamos com a única finalidade de nos incluirmos no sistema capitaista consumista selvagem. E Jacqueline não era completamente inserida nesse meio corrosivo. Mas,como qualquer outra,ela também tinha suas necessidades. Vendeu um de seus contos. Um,apenas um,e ganhou breves considerações com algumas notas,que ainda teve de voltar troco. Gregor. Ivor. Jacque-line. Dezessete anos nesse drama individual.


- Quero conhecê-la - digo a mim mesmo.


Talvez um dia. Ela agora,limpa a lente de seus óculos com aro listrado. Embaçado e engordurado. Enxuga o suor escorrido nos olhos com as costas da mão. E pensa que,se um dia ela tivesse que morrer por alguma coisa,esa coisa seria liberdade. Porque ela acreditava piamente na Liberdade. Batatinhas ou dinheiro?


- Jacqueline?



"É sempre melhor no feriado/Muito melhor no feriado/É por isso que nós só trabalhamos quando precisamos de dinheiro"



O que querem dizer com isso? Feriados são castos e entediantes. Não são entediantes porque são castos,mas são castos por serem entediantes. E a única coisa que ela fazia era escrever e escrever e matar as pessoas de overdose psicológica. Feriados ela ganhava dinheiro. Saía de casa muito raramente e bebia com os amigos. Não que ela adorasse fazer isso sempre,nem que gostasse de bebidas alcoólicas,mas,se eu a conheço pouco,ela faria isso por pura tridimensionalidade vital. Coisa que eu ela não faria escrevendo. É como se o mundo real fosse o mundo literário. E vice e versa. Mas ela precisa de dinheiro... e toma leite e limpa o óculos.

Jacqueline morreu mesmo aos dezessete anos. Overdose literária. Pelo menos na vida real...ela deixou confundir-se. É facto que ela ainda vive. Claro que eu não queria que ela morresse. Aliás,eu ainda nema conheci.



"Ela pode te retornar o rosto que você está encarando"

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