Para André Campos
E um pouco de pão de queijo.
Minha mão de dezessete anos que embalou a daquele menino longe. Por onde você anda? Quem te faz chorar agora, que não mais minhas palavras? Quando você me falava que eu era uma pornógrafa sentimental, uma menina, uma adolescente escrevendo com o corpo e com a almae eu sorria porque eu só sabia escrever o que vinha. E agora já tenho vinte anos e nunca mais te vi. Agora já cresci e não sei se ainda continuo sendo uma pornógrafa sentimental, assim, sem você.
Não te mandei o CD com nossas músicas. Mas ainda tenho aquele que você me mandou num envelope amarelo acompanhado de uma carta num papel cor-de-rosa áspero. Jamais me esquecerei. Na época que eu passava o dia todo em casa, depois de voltar da escola, colocava meu chapéu roxo e grande e meu óculos de Narcisa e dançava na frente do espelho qualquer música-dançante-de-frente-do-espelho. A História de Lili Broun. Morcheeba cantando Rome Wasn't Built In A Day . Lembra? Que você insistia que era Morpheba. Não, André, é MorCheeba. E eu também te mandava Cardigans naquele clipe que ela, linda e loira, anda num conversível cantando Favorite Game. Eu só tinha dezessete anos e dançava na frente do espelho. Ainda danço e canto sozinha na rua pensando que estou num filme e que tem alguém me filmando. Mas são cenas da vida. São cenas que gravo comigo. Aquelas dos pinheiros. Te mandei um pouco deles na carta. Folhas secas, gravetos. Ah, meu menino sentimental, cadê você? Que saudade imensa de alguém para me corresponder. Alguém que eu nunca vi e me tocou tão profundo. O que você anda fazendo? Qual perfume você usa?
Andei vendo meus posts antigos. Queria saber o que eu escrevia com dezessete anos. Talvez as mesmas preocupações deslocadas para um espaço diferente. Serei eu sempre essa gosma de confusão? Um abraço de árvore. Um senhor passando. Muitas pessoas ainda passam por mim e ainda passo por muitas pessoas. Ainda fico? De tudo fica um pouco . Um pouco do meu medo e um pouco do teu asco. Dos gritos gagos.
Eu queria te dizer, mas cara a cara, que você ficou em mim de uma maneira muito marcante. E você passou. Passou comendo pão de queijo enquanto fico aqui na terra da garoa, cruzando a Av. Ipiranga com a São João. E se eu disser que as cruzei não faz muito tempo, você cairia de costas. Senti um comichão por dentro. Era de noite. São Paulo é linda à noite e você iria adorar. Me vista. Vem passar o Natal comigo. Depois me leva pra Minas, pra Ouro Preto pra eu conhecer esse barroco lindo que eu só vejo por fotografias, que eu só ouço falar nas aulas de Literatura. Eu cresci, meu menino. Mas a essência é a mesma. Continuo escrevendo cartas, continuo ouvindo as mesmas músicas de sempre e fazendo caretas no espelho. Alguma criança inocente insiste em se apossar de mim e fico imaginando qual será o mundo paralelo dos balões de gás hélio. E também o mundo paralelo do reflexo. Pensei muito nisso hoje. Porque sempre vejo as pessoas destroçadas do outro lado do vidro. O trem passando sobre elas e nada acontece. Elas pairam no ar e as vejo pelo reflexo. No trem, no metrô, no ônibus. Queria saber como eu sou nesse mundo paralelo. Qual é meu lado esquerdo? Meu coração bate no reflexo? E sempre vejo todo mundo passando bem rápido. Mas isso é muito raro. O trânsito aqui é infernal e às vezes consigo ver alguém cantando no ponto de ônibus, assim, empolgado com o fone de ouvido. Hoje vi uma menina que usava óculos, muito bonicta, e ela articulava os lábios muito lindamente. Pensei que ela poderia ser muito mais atraente se soltasse os cabelos e tirasse os óculos e sorrisse mais. Pensamentos momentâneos. Nunca mais a verei. São paixões-flashes que encontro todos os dias andando de ônibus nessa garoa desvairada.
Queria dizer que nunca me esqueci de você. Mesmo depois de anos. Mesmo agora eu tendo vinte e refletindo aquela adolescente rebelde cheia de coisas por dentro com um ar misterioso de quem sofre muito, mas quietinha, mas chorando no meu quarto roxo. Ainda choro nele. Ainda me descabelo ouvindo Eu te Amo do Chico, pensando em todos os amores que eu tive. Tudo o que não foi. Tudo o que foi e eu achei que não seria. Pregos da vida. Mas agora meu cabelo está mais comprido. E o seu?
Vem garoar comigo. Lembra que imaginávamos nós dois andando por São Paulo? Meu pornógrafo sentimental. Não sei porque, mas me lembro de você no Natal.
Não se esqueça de mim, onde quer que você esteja agora. Seja lá quais palavras você lê, de uma outra pornógrafa, talvez, não sei, nunca sabemos. Aquilo que está lá é nosso.
C.a.d.e.
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