Com um lápis na mão, ignorando a distância entre eles, rabiscou qualquer coisa que soasse como raiva. De afincar a ponta no lápis no papel e quase rasgá-lo. Traços fortes. Ignorando a lua, a linha, o ponto.
O ponto poderia ser qualquer coisa. Um ponto poderia ser muitos pontos, assim como uma reta se constitui de muito deles. O ponto era o ponto inicial de tudo...inclusive da raiva e da ponta do lápis.
Cantando ainda uma música qualquer que havia aprendido na infância, acalmou-se e seus traços agora eram mais fracos. Qualquer desenho. Não eram sonhos, eram pesadelos. Dormiu muito mal à noite. Acordou suando, com medo, tudo estava pesado, denso e sua cabeça parecia estar de acordo com o que havia sonhado. Feio. Muito feio. Não desejaria aquele pesadelo nem para seu pior inimigo. Talvez. Ficou perturbado o dia todo. Saiu para ir ao supermercado, não fazia fria, e ia um pouco pelo sol para esquentar um pouco seu gélido corpo cheio de pesadelos. Reconstitui no caminho, a sequência terrível a qual havia sonhado. Assassinato, pessoas correndo, helicóptero. Mas esses elementos nada haviam de significar alguma coisa. Lembrou-se dos gritos, do desespero, era tão real. E achou que sonhar era muito real. Nunca havia passado tanto pavor assim, na vida real. Pelo que consta. Uma barbárie. É que tudo estava tão dentro dele, era dele aquilo, da cabeça, do peito, do lixo de excrementos. Fósforo, enxofre, telúrio.
Ainda rabiscando. Pensativo. Carregado de tarefas para fazer. Não poderia chutar o balde dessa vez. Sempre chuta. Odeia compromissos que soem como enforcá-lo. Não prestam. Queria ser livre. Mas os pesadelos o prendiam. Livre é uma palavra muito restrita. Porque de restrições a vida é feita. Concluiu.
Fechou o quadrado com a ponta do lápis já pequena, gasta, sofrida. E o desenhou dentro da moldura. Não sairia de lá . Só se apagasse e o desenhasse em outro papel.
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