sábado, 8 de maio de 2010

Da Alegria Mofada e Suja

Não se pode dizer que ela é dessas mulheres feias, mas bonicta ela não era. Pegava o ônibus de volta pra casa às 17h, ainda calor, ainda céu azul em São Paulo. Ela realmente não era bonicta, mas algo nela cheirava a sexo. Um odor invisível, bem fundo, como uma coisa proibida, muito proibida. Ela era feia, o cabelo começando a ensebar, escorrido, curto feito egípcia, mas de egípcia nada havia nela. Também não era feia de se dizer 'nossa, que cão-chupando-manga", mas repito, não era bonicta. Era estranha. Algo de asqueroso, um pouco de velho também, cheirando mofo. Uma coisa verde-cinza tomava conta do ar que ela respirava. Dessas mulheres que tem cara de ter nome algum. Sequer alguém a olhava. Mas ela sorria, meio brilhante por dentro. Cambaleando no ônibus lotado, o sol, o bafo urbano, ela sorria, e o sorriso, por mais brilhante que ainda fosse, ainda guardava um mofo. Erguia os braços para segurar no cano amarelo-sujo do ônibus. Não cairia. Mulher estranha.
Ela se sentia feia, sabia que era feia, olhava pros lados com um olhar vermelho de ódio universal. Sabia de tudo, do mofo, do ar velho que exalava. Figura marcante. Desceu do ônibus na rua estreita. Ainda não era noite. Aquele homem, o também feio, o também recusado, auto-recusado andava por ali. Um beco. Um grito. A pegou num soquete violento, arrastou pelo braço a pseudo egípcia, cortando seu corpo no pedregulho e nos cacos de vidro. Ela gritava. Ele tentava tapar sua boca com a mão. Arrancou a calça num rasgo. Ela gritava. Inútil. Não havia ninguém, não que não houvesse, mas justamente nessas horas o mundo some. Um calor ardido cortava ainda mais o corpo. Ela gemia de dor. Ele, bruto, peludo, coisa feia de se ver, e até de se falar, metia nela feito um canvalo selvagem-de-dias-de-caça. Mulher-feia, ele pensava. Ela parava o choro aos poucos, sabendo que não adiantaria, como desconsolada, esperando por alguma coisa, um milagre. O cavalo suado e cuspindo. Um gozo sujo, cru de carne podre, odor agora visível. Ele num relance parou, sorriu cafajeste, abotoou o cinto, não fechou o zíper, saiu meio assustado. Ela no chão, os olhos de vidros girando feito carrossel olhando o crepúsculo cinza. Ela ali, travada, doendo, ensanguentada como uma virgem na primeira noite com seu príncipe, mas o príncipe dela nunca veio, nunca houve nem o vilão que gostasse dela e a beijasse para despertá-la. Ela num ódio que crescia por dentro, cuspia ira de nervos. E ria alto feito uma vagabunda, uma tarada. Ela tinha gostado do estupro. Cachorra. Ela nunca antes tinha sentido um homem na vida, assim, rasgando-a por dentro. E não era porque ela não queria, mas por os outros não quiseram. E pela primeira vez ela gostou disso, e achou que o bruto homem a tinha achado bonicta, mesmo sabendo que não, no fundo. Mesmos abendo que ele só era um tarado que comeria até uma égua se visse pela frente, porém o único homem que havia encostado nela por própria vontade. Lembrou da cara engruvinhada dele. Mais assustada. Ela ria. Ela riu porque gostou de ser estuprada. O mofo continuava. Mas ela ria, o homem sumiu. Ela ainda caída no chão, feita mulher, mulher possuída, contente. Finalmente.

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