sexta-feira, 24 de julho de 2009

O Roubo

Rouba meu sorriso, disse-me, muito feroz e quase arranhando e pensei que aquela fala era a mais bela que eu poderia ouvir no momento, alguém roubar seu sorriso, e continuei fumando um cigarro, ela havia dito que roubaria mesmo - opa, cuidado o copo ai na mesinha - eu disse pra ela roubar meu sorriso que seria talvez não sei a única coisa que prestasse em mim e eu queria que essa coisa boa de mim fosse também de outras pessoas, uma coisa pura, nada de resíduos desculpa não vou jogar a fumaça na sua cara, nada de restos sinceros, um sorriso nu e cru apenas. E continuei sentado nessa poltroninha de couro furado no meio, já gasto já farto de tantas bundas que também sentaram no chão e o foram sujar, coitado, pensado ainda no sorriso meu, tão absurdo, não acha, alguém querer te roubar o sorriso, ai eu nunca mais sorriria e talvez a melhor parte de mim ficaria de fora intacta ou alegrando outros sorrisos, meu bem, estou bem sentado aqui, me diz o que é aquela mocinha ali caída, coitadinha, bebeu demais, não foi? pergunta a ela se ela também não quer meu sorriso, antes que a outra venha e o roube de vez, e estou bem certo que ela fará isso, porque ela adorou minha ferocidade explêndida com fumaça mentolada, mostrando as unhas e os dentes, bem num estilo meio eu meio onça, percebi isso no olhar dela e de como ela reagiu arregalando os olhos e mostrando o sorriso dela também, quase que me pedindo uma troca te dou o meu e você me dá o teu. Ela voltou sem nada nas mãos, achei que iria embora, estava com os cabelos soltos e só precisava pegar a bolsa mas sentou na poltrona do meu lado, também de couro furado no meio, mas não é bem couro, é tecido de sofá, velho e empoeirado, nem tanto porque eu dei uma limpadinha com pano úmido e ela sentou e ficou parada me olhando mas um olhar rápido e sorriu pra mim e talvez eu quisesse roubar aquele sorriso, quem sabe não me vem junto os cabelos, e agora muitos copos na mesinha, quase que alguém cai em cima daquele monte de resíduo de bocas marcadas na boca dos copos que deram muitos sorrisos, mil vezes melhores do que o meu talvez, quem sabe, ela não deveria saber, porque trouxe um dedo até a minha boca, tentando afugentar mesmo alguma coisa, a fumaça talvez, mas eu já nem fumava e falei de novo pra ela, mais consciente rouba meu sorriso, mas com o mesmo ar selvagem de máscara de oncinha e ela veio pra cima de mim deixando o couro de sofá se estufando sem pressão e  sentou no meu colo, talvez tenha tentado beijar minha boca, mas eu tinha fechado os olhos, meio com medo confesso, e vi que em 5 segundos não tinha feito nada e abri e ela estava de pé na minha frente, os cabelos soltos, eu quente querendo pegar outro cigarro, mas paralisei ela então me disse num tom único inesquecível Rouba você meu sorriso não aguentei e fui olhando para os olhos dela e os nossos sorrisos abriam como se fosse chave e fechadura e iam ao encontro mais surreal e filosófico, iam ao grande roubo, ao roubo do ano eu diria e se encontrariam, secos e molhados, gélidos mas tão quentes que os sorrisos quando bateram fez um flash imenso e senti que ela realmente estava roubando meu tesouro, meu sorriso, e eu pensava mesmo no momento que era possível que ela era uma ladra muito bela e eu adorei ter perdido meu sorriso para aqueles lábios vermelhos, mais do frio do que de batom, algum vestígio de vinho tinto também e me senti sugado me senti como me restaurando por dentro, porque eu podia sentir milhões de sorrisos se formando dentro de mim, que ela continuaria a roubar, um dia quem sabe, ou nunca mais e eu poderia distribuir sorrisos sinceros como abraços sorrisos tintos, beijos únicos e raros e ela me roubou, e me sentei novamente, muito mas muito lentamente naquela poltroninha velha, balbuciando palavras, risos, hahahaha, é possivel um sorriso ser roubado gritei, ela me olhava e sorriu com sorriso dela e o meu na boca e sentou ao meu lado de novo, não quis que ela fosse embora, porque eu disse que sentiria muita falta dos meus sorrisos e ela entendeu e esperou que eu me acostumasse aos poucos sem eles e tudo voltou ao normal, uma calma, os copos em cima da mesinha ainda, uma bolha de sorrisos se formando dentro de mim e ela ao meu lado, sorrisos, rouba-me a minha melhor parte, continuei a falar, sorrindo sorrindo é claro.

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