quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A última

Depois de tantas, tantas doloridas, sofridas, engraçadas e alegres, esta é a última.
Desse ano, é claro. A última mesmo não saberei quando será, mas o que importa agora?


quero mais outono, mais folhas secas pra pisar, que as palavras não me faltem e nem a saudade me mate
que o tempo seja compreensivo e minha aflição seja um impulso
que o Amor seja sempre o mesmo, belo, dilacerador, mas que não doa tanto - embora se não doesse não seria Amor -  e os sorrisos me sejam encantadores
os olhos brilhem cada vez mais e os cílios me toquem com leveza
e a boca me beije com doçura
quero mãos nas minhas
pernas entrelaçadas
quero sol ameno com ventinho frio
chocolate quente, sorvete e guloseimas
uma rede dorminhoca debaixo de uma árvore gostosa numa sombra fresca
ou numa varanda qualquer
quero meus amigos, mais música, mais câmera lenta
mais fotografias, preto e branco e colorido
quero perfume, quero poesia, romance, paixão, lágrimas
porque isso sempre nos enriquece, nos fura o peito, jorra o sangue
jorra nosso mais fraco e forte ao mesmo tempo
quero mais viagem, mais tempo bonicto
chuva de verão molhando meu corpo, meus cabelos, meu espírito
quero ano novo sempre novo, sem ser batido, passado, extravagante
quero a simplicidade das coisas, sempre, o momento mais feliz, a película
um fiapo de roupa grudada na outra, beijo no pescoço
pequenissimos momentos, de um sorriso se formando, dos olhos abrindo de manhã, da voz rouca,
da voz doce no ouvido, bem de perto
quuueeeeeeeero a flor desabrochando
quero a flor arrancada do jardim por mãos bonictas
mãos mãos mãos
eu quero o mais bonicto de tudo
eu quero um abraço
o abraço mais forte do mundo
e então posso começar meu ano
posso começar de novo toda esse emaranhado de vida
esse sopro de dor e paixão tudo num pedaço de barro
tudo num simples corpo/alma em eterna, mas viva, mudança.

                                                      
   obrigada, ano velho
  pode entrar, ano novo!

Aquele abraço, aquele cheiro, aquele sorriso que te prende a respiração.


                                                             


ao som de: U2 - Angel Of Harlem

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Preguiça Ronronante

Penúltimo dia do ano.

Senhoras e Senhores
compradores de pepinos

Façam-me o favor de aliviarem minha barra ano que vem. Sem muita ironia do destino, sem o tempo brincar comigo, me maltratar e me dar pontapés.
Hoje sou um bicho do mato. Do mato da minha casinha. Posso ronronar se quiser. Soltar minhas garras pra fora. É fim de ano. Fim de ano é um pé no saco. Vou furar o saco com minhas unhas pontudas depois andar calmamente, espichando meu rabo, até o meu potinho de leite, bebericar e dormir... mas isso até a meia noite de manhã. Depois serei outra. Posso evoluir para uma onça ou pantera... ou uma calopsita - mansa.
Posso ser qualquer sorvete também e me derreter na sua boca. Naquela boca, ou na outra ou na minha mesmo, sem problemas. Posso ser uma... música? Uma cor? Seria o branco e o vermelho. Hoje eu seria o calor de dias nublados. O mormaço. Depois me queimaria e deixaria minha pele ardendo, como sempre fica, e passar aquele creme pós sol refrescante e ligar o ventilador bem nas costas. Sabe, aquele sono e fome depois da piscina? Vontade de dormir na rede.
Vontade de um colo bem macio acariciando meus cabelos. Uma água de côco, um copo de leite puro e gelado. Um ventinho pra acalmar. Um humour de luz do sol bem amena. Mas o ventinho... quase fecha meus olhos e me faz sorrir um canto, cansada, fatigada... mas não triste. Um colo pra eu deitar, uma mão passando bem de leve no meu rosto, e eu com os olhos fechados sorrio com muita preguiça, quase dormindo - entre as nuvens do amor ela dormia -, sentindo um perfume de flores que vem lá de fora, nesse vento abençoado.
' Vinhas fatigada e triste e triste e fatigado eu vinha' , mas não estou triste hoje. Estou calma. O que é bom, afinal. E posso também, se quiser, sentar embaixo de um coqueiro ou palmeira bem alta ( o vento precisa estar presente- mas é um vento fraco) e tocar violão, sozinha, num imenso deserto de areia.
Penúltimo dia, meus senhores. Acho isso tão estranho. Eu sempre fico pensando o que eu fazia no ultimo dia do ano do ano passado. E fica aquela brincadeira de: meu último banho do ano, essa roupa que vai virar o ano comigo... e nada muda, na prática. Mas a esperança é sempre a mesma, e nossa noção do que vai acontecer é zero.
Eu posso ser também um cadeado... acabei de ver um aqui na minha frente, e ele parece alguém em coma. Não, eu não poderia ser um cadeado. Vou continuar sendo uma gacta, preguiçosa e com sono. Malhada, simpática e acariciando a perna dos outros, de estranhos que chegam em casa - se chegasse alguém- da minha mãe, da minha avó... e então pulo em cima da minha cama e me deito com os ursinhos que nela habitam. E durmo, junto deles, num silêncio de bairro calmo, na metade dessa última quarta-feira, na metade de desse dia preguiçoso.

Miau!


grrrr
                          

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Que porra!

Aiiiiiiiiiiiii, que delícia é essa de vir aqui e vomitar tudo?
Estou rindo feito boba mesmo aqui na frente dessa berosca!
Nada de poesia, rimas ou o caralho a quatro.
Eu até poderia fazer aquelas coisas melancólicas, gritar essa ausência, esse peso,
esse enfadonho final de ano
sei lá... alguma coisa. Mas só queria dizer isso mesmo!
Obrigada, senhores, por esse lapso de vômito de léxico e ideias aqui presas.
E sentimentozinhos que espero que se esgotem e no primeiro minuto do dia primeiro eu seja outra, renovada, o cabelo mais lion e toda essa ladainha Cássia Oliveira ou Chic Valentina. Eu não sei, já me confundo. Quem sabe ainda surjam outras. Em todos os sentidos.

Pra você que me ama!
                  Aquele abraço!

( que mistura!)

Só pra estrebuchar

Olá, Pós Natal...

Estou começando a não gostar desses finais de anos. Me irrito muito facilmente, e ficar trancafiada em algum lugar, fazendo nada e me devorando o dia todo não foi de todo legal. Mas em questões sociais, não posso reclamar. Acho que o Natal vai passar mesmo como apenas um feriado qualquer. A coisa mais legal que eu sempre faço no Natal, eu não fiz esse ano. A coisa mais legal que eu faço no Natal é entregar cestas para os moradores de rua em São Paulo, com minha tia e meus avós, mas esse ano resolvi passar com a minha mãe. Que graça, não? Tudo bem. Temos o Reveillon ainda, me esbaldar de champagne e vinho e sei lá. Também tanto faz.
Eu queria mesmo era voltar embora pra Tatuí, deitar na minha cama, rir feito boba e escutar aquele CD que eu gravei, supimpa! Depois ligar pralgum amigo, pegar o fusca azul-calcinha e sair por aí, cheirando gasolina, e gritando na frente da casa dos outros. Depois parar naquela lanchonete, pedir porções de batata frita e se esbaldar de comer até altas horas da manhã e morrrreeer de rir. Meu Deus, que delícia! Obrigada pelos amigos, por Tatuí, pelo fusca azul-calcinha e pelas batatas douradas. As 5 horas que fiquei com meus amigos foi muito mais legal que esses dias de Natal! Porra! Minha mente nem funcionava. Eu até chorava assistindo filmes, credo. Que Tédio! E olha que sou bem brega pra fazer qualquer coisa, mas senti minhas pernas atrofiando de fazer nada e fazer nada é meu ofício. Não priemos cânico...
Voltei pra Tatuí. Estou em casa novamente. Abençoada cidade. O tempo amanheceu feio e está ventando. Mesmo assim pareço me sentir bem, dá até pra soltar pipa. Na verdade o dia está para deitar no sofá e assistir TCM Classical Hollywood tomando sorvete de creme. Cáááááásssia, que sedentária. Hahahaha.
( abre aquele sorriso bobo).
Minhas últimas postagens desse ano. Acho que eu deveria fazer uma retrospectiva. Um resumo geral, sem demoras. Claro que vou dedicar uma postagem só pra isso. É mesmo.
Feliz Natal atrasado, senhoras e senhores membros do júri. Que os dias melhorem e os anos também mas, tanto faz. O que me importa é se o céu está azul ou cinza, ou cor de baunilha, igual Monet, segundo aquele filme. Cor de baunilha, eu achei maravilhoso!
Um beijo!

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Sono Saudade

Ah! Que sono!
Ah! Que saudade!
Ah! Que sono ainda!

solidão acompanhada
calor distante

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Ode à mordida!

NNNNNHHHhhhhhhhhhhhhaaaaaaaaaaaaaaaaaaaacccccc
ccccccccccccccccckkkkkkkkkkkkkkkk!!!!!!!!!!!!
Uma mordida numa maçã
num pêssego sedoso
numa boca macia
no travesseiro
na mão
no braço
Uma mordida de vampiro
uma mordida de cachorro
de ratinho
Uma mordida no porquinho da india
que eu ainda não tenho
no Amor deitado na rede
preguiçoso
sereno
com esse calor que dá moleza
Uma mordida de menina
uma mordida de menino
mordida da mãe, do primo
mordida na vó
mordida na barriga
no pescoço
cheiroso
Uma mordida de Natal
uma mordida de presente de aniversário
uma mordida inesquecível
mordida de fim de ano
mordida de Páscoa
mordida de ódio
de carinho
de desejo
mordida de beijinho
beijinho de mordida
menininha
Nhack!

sábado, 19 de dezembro de 2009

Veio então a chuva.

( para ouvir com Goodbye Blue Sky - Pink Floyd)
'Teu coração baterá fortemente, sem que ninguém escute'
Um gramado imenso- eu diria infinito- verde, muito verde, que contrastava com o bem azul do céu. As nuvens brancas passavam às vezes lentas às vezes rápidas naquele plano infinito. Eu estava deitada olhando isso tudo. Apenas eu. Não se via nada além de todo esse cenário imenso e solitário. As nuvens faziam-me sombra.
Meu corpo apenas se deitava, de vez em quando minhas mãos apoiavam a cabeça, como um travesseiro, e meus pés se cruzavam. Era o que eu pensava ser - apenas alguém deitado num gramado.
Por alguns segundos de sonho havia alguém segurando minhas mãos. Olhei para o lado e apenas vi que a grama estava um pouco amassada, alguém havia deitado ali. Ali, do meu lado, e viu, como eu vejo agora, as nuvens passarem sobre nossos corpos. Mas não havia ninguém, e eu não sabia se eu queria que houvesse, eu sabia que eu sentia uma dor se alastrando pelo meu corpo. E era uma dor que não se sente em grandes dores físicas, mas como um mal silencioso que me devorava aos poucos por dentro, como uma saudade. Quando caiu uma lágrima de cada olho e escorregou salgada pelo meu rosto, passando pelo pescoço, pela nuca até chegar na grama. Eu nunca sei exactamente o que é sentir falta de alguém, mas aí pensei que era não poder segurar uma mão que eu segurava antes, era não sentir mais aquele calor.
Silenciosa eu derramei mais algumas lágrimas, eu estava paralisada um pouco, porque tudo que se passava em mim eram lembranças de um mundo remoto, campos floridos e leões que eu cavalgava. Eu quis chorar e não achei que isso fosse resolver alguma coisa. Mas eu chorei.
Alguns momentos depois tive muita raiva, e eu quebraria a casa toda, se eu tivesse casa, e estraçalharia aquele coração distante, não o meu, mas o seu. Mas eu sei que alguém já fez isso com você. Eu sei que alguém já fez isso comigo. Com a gente, o que é que sobra?
Meus pés descalços passavam pela grama. Se eu pudesse ver teu rosto, eu estaria te olhando bem no fundo dos olhos e visto quanta mentira você contou, não para mim, talvez. Se você pudesse me ver você derrubaria lágrimas nos olhos e veria tudo o que você quis um dia, tudo o que restou no seu coraçãozinho duro e perdido. E você, no fundo, não quis nada. Escondeu numa realidade fragmentada esse tempo que podemos pegar com as mãos, porque é muito fácil quando se pode viver quando o vento sopra a nosso favor e o tempo nos carrega como um bebê.
Minhas mãos passavam pela grama e eu sentia alguma coisa penicar. As mãos que soltaram as minhas eram as suas. E eu não vejo nenhuma outra mão te segurando, nada que me convença dessa sua realidade inventada, nada que me convença que você gosta de outra pessoa. Não porque eu quero ver isso, mas porque eu sinto. Não posso fazer nada, a não ser fingir acreditar em você. Não posso fazer nada sozinha.
No fundo eu ria. Mas eu não sei se eu ria de saudade, de marmelada ou de dó. Isso só é mais doloroso em você. Porque eu sei que vai pensar mim e lembrar-me em todos os momentos que me quis ao seu lado, porque eu lembro de você, até aqui, deitada nesse campo, até depois de você fingir que a decisão que você tomou foi a melhor ( talvez seja). A escolha é sua. Mas se for fazer algo certo, que seja inteiro. Pois essa é a sua maior enganação para com a outra pessoa. Que triste deve ser estar com alguém e pensar em outro e fingir tanto amor superficial, boiando na piscina suja em dias de inverno. Tanto amor superficial que escorre pelas mãos feito bexiga d'água estourada. Isso é o que eu sinto, não posso mentir, talvez seja pura verdade. Talvez seja mesmo um amor-real-feliz-que-eu-posso-tocar.
O toque na pele. O toque no Sonho. Inspirei um perfume que não sei de quem é. O meu? Cheiro de grama. Cheiro de céu. Cheiro de ainda-não-terminamos-nada, mas o meu silêncio diz por si só. Som de cheiro de silêncio do corpo sozinho.
Começou a chover. Deixei que a chuva entrasse em mim, me lavando inteira. Lavando minha saudade, meu pesar sua ausência, o seu afastamento por conta própria, o meu afastamento, o seu delírio real, o seu delírio em mim que sou eu, que somos, e quanto mais você foge, mais me pesa tudo isso. Mais te pesa meu cheiro te incomodando. Mais te dói minhas palavras. Mais me dói sua confusão, essa mistura ingrata de copo de leite com cerveja barata. Lavando o que fomos. Por ter sido o que não foi. Por ser o que não era. Mas que ainda assim foi. Pelas palavras repartidas. Pelo seu e o meu desejo contido explodindo aqui dentro. Pelo meu fingimento. Pelo seu. Por nossas rosas partidas, nossos beijos entrelaçados. Nosso fio que ainda, por incrível que pareça, nos mantém. Essa força vital que não sei da onde saiu, que nos une. E você, por mais que queira desfazer, acaba deixando muito mais bruto, pois quando der conta, verá que não poderá controlar, como eu não pude, nem você pôde, nem nós duas juntas. Mas que tenha sucesso seja o que for que está tentando fazer. O que é o fim nessa vida a não ser a morte?
Começou a chover. Fiquei em silêncio, depois de vomitar todo esse verme em mim. Ficarei em silêncio. Não nego a saudade, não nego que eu gosto de você ( e você nem sabe), não nego sua falta, não nego meu desejo, não nego. Os tempos são outros, o fim é só o desejo de um novo começo. É alimentar essa sede que temos, esse desejo louco assassino de gritar seu nome, essa sua fúria de ter que viver enfadonhamente essa realidade de merda que você julga tão realizadora. Que pena! No seu lugar eu talvez fizesse o mesmo. Sacrificando-se por alguém. Cuspiria muito ainda tudo o que você tinha que ouvir. Mas a chuva já chegou.
Adeus, céu azul.

Que me guarde!

Olá, senhoras e senhores membros do júri.

Cá estou entupida de coisas a escrever, mas não consigo, nem organizei minhas ideias. O que virá logo mais não é senão minha mania de cuspir as palavras e ver o que sai delas, mas como disse, ainda há muito o que desentupir, ainda há as ideias para recompor. O ano está acabando e espero fechá-lo com todas as palavras que eu necessito. Quero palavras novas, mas ainda há tempo...!
Hoje o sábado amanheceu muito bonicto. Ouço de longe algumas marteladas que parecem perturbar no fundo, mesmo quando não se sente tão directo assim. Meu cabelo está mais comprido, minhas unhas também maiores, meu rosto parece o mesmo com pitada de canseira de fim de ano e meus olhos continuam se alargando. Hoje acordei com o meu irmão entrando no meu quarto para pegar alguma coisa, deduzi que ele tivesse ido pegar o documento da moto... e era mesmo. É, eu tenho uma moto e adoro quando pego aquela avenidona imensa, correndo muito, e sentindo o vento passando por mim muito rápido me deixando o cabelo lá longe e o rosto bem gelado...
Meu rosto gelado sente o impacto quando depois encosto em um rosto quente, ou quando eu coloco minhas mãos nele, num gesto meio de esquentá-lo e segurá-lo para pensar na vida da amargura. Mas nem tudo é amargo... e nem tudo é doce. Que bom! Embora eu tenha deixado minha vida muito mais adocicada, ou pelo menos tentado, eu senti mesmo o amargo em muitos quesitos que consideramos importante para se manter um equilíbrio - momento não irei citá-los. Agora não sei medi-los.
Passei a mão nos olhos e ainda senti algum resíduo de ramelas. Minha boca sim está amarga porque eu ainda não escovei os dentes, mas preciso comer primeiro e já estou pensando no bolo de iogurte da minha mãe. Eu gosto muito desse bolo de iogurte dela. O dela, pois nunca comi os outros. Ela fez o bolo porque sabia que eu viria embora e eu amo quando ela faz essas coisas. Quando chego tem bolachas e bolo e sorvete e flan com calda de frutas vermelhas que ela compra e me fala pelo telefone quando estou prestes a vir, que ela cozinhou feijão e eu amo feijão, muito mais quando é cozido na hora. Adoro mesmo a panela de pressão pegando pressão e o cheiro de feijão se alastrando pela casa.
Mas nesse sábado tão belo, chamando-me e quase pegando meus cabelos, não posso ficar a olhar o teto. Talvez eu possa. Mas lembrei-me dos pinheiros e pensei em caminhar por entre eles. Andar, fotografar, recitar poemas que eu lembro de cor, sentar em algum tronco e olhar a imensidão azul... quanta beleza! E então eles me escutariam como meus melhores confidentes, porque é meu confessionário adolescente e um pedaço infantil, de quando eu ia com a minha mãe e o meu irmão, nós dois pequenos, caminhar entre os pinheiros. E depois eu voltei para eles, os braços abertos e o peito cheio. Depois eu voltei, crescida e tendo nos olhos aquele brilho confuso de dentro pra fora e de fora para dentro - eu nunca sei.

Mas esse sábado... se ele soubesse que algo aqui me incomoda. Aqui dentro, eu digo. Um cisco. Um balbucio incompreensível. Esse sábado nos pinheiros. O que são as luzes fragmentadas pelas folhas que me guardam? O que eu quero dizer com tudo isso? - senhores, saiam enquanto é tempo. Larguem-me mais uma vez, que eu quero esse dia iluminado iluminando meus olhos cansados. E eu quero sorrir com todo esse calor do sol. Mas o tempo, o tempo voa longe... e voa longe muito longe de mim. Se ele soubesse...
Que esse sábado me guarde!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

... porando

É algo que descontamina...
aos poucos, leve, calmo.
A paz que volta meio densa
na sua cortina pesada
com os raios de luz entrando aos poucos
.
.
.
é o ritual.

É algo que descontamina...
e passo a ser aquela de sempre
- em mim mesma-
desde o cabelo leão
até a ponta gelada dos meus pés.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Algum veneno partido

Foi naquela noite o primeiro beijo. O primeiro e último, já sabíamos. A pele era de um perfume único, sedosa, parecia uma fruta macia. Me deixava o coração pulando pra fora, o cabelo descabelado, cada centímetro arrepiado. Caí na suas garras muito mais fundo do que estava. Foi o ápice desde a primeira vez que a vi na minha frente, alta, os lábios carnudos, o jeito de me olhar. Foi o ápice e o declínio tudo num mesmo tempo. Num único respiro.



Só agora descobri que ela era realmente um veneno. E ela sabia muito bem disso. Apenas eu, cega, arrastando-me, se pudesse (aos seus brancos pés), não sabia o quanto ela me dava corda para me enforcar depois. E isso talvez por própria natureza e um pingo de maldade e prazer. Viu em mim um peixinho muito fácil de se fisgar, afinal eu deveria ser mesmo, ainda mais para aquela menina-mulher sedutora. Ainda mais para aquela garota de 17 anos que eu achei ser um peixinho fácil. Quanto veneno! Que dissimulada! Posso dizer mesmo que eram olhos de cigana oblíqua e dissimulada, jogando todo o seu encanto pelos olhos, enquanto eu, inocente (oh céus) caía com todo meu amor já meio arruinado pelo primeiro toque dos nossos lábios. Talvez fosse já arruinado pela primeira vez que conversamos e sabíamos que nada mais poderia acontecer, a não ser eu beber muito do seu veneno e ter minhas veias entupidas, enquanto ela, limpando cuidadosamente o canto da boca, sorria meio malígna, afincando o dedo na ferida e indo embora, longe, sempre inteira, procurando uma próxima vítima.



Só agora, depois de tanto veneno eliminado, depois da minha completa lucidez, percebi sua dissimulação, usando-me para seu bel prazer. E eu bem queria tê-la usado, mas já não tinha armas pra isso - eu era inteira levada pelo seu perfume. Não podemos negar que toda aquela energia que saía do corpo dela ( tão cheiroso, meus senhores) e do meu( amendrontado) nos fez estar num momento único que não esqueço jamais; não esqueço aquela bolha escura do quarto que nos envolvia. Só agora, relembrando toda aquela cena, percebo imediatamente que apesar de uma única bolha nos unir, estávamos em dimensões diferentes. Mas isso já não importa agora. Em algum ponto do tempo estamos lá. Agora a vejo claramente, tentando alguma coisa nela que parece não mudar. Essa natureza feroz e dissimulada, tão linda afinal. Essa coisa ariana que nunca entendi o que é. Já se passou muito tempo e para mim ainda guardo uma coisa muito bonicta dela. Um pedacinho minúsculo do beijo feroz, um pouco da luz da rua que entrava pelas frestinhas da janela, um sabor inesquecível da sua boca...

Mas ela, ela tem esse veneno. Esse avesso incrustrado. Uma inquietação. Uma parte que ela não mostra ou não quer mostrar, mas que exala a quilometros de distância e te bate na cara. É o veneno em pele de mulher-menina, um quê de vulgaridade com aquele sorrisinho safado dançando em fumaça. Entra pelos olhos, pela boca, pelos poros. E ela, ainda menina desamparada no fundo, solta a fera dissimulada, a fera instalada na íris dos olhos, na doçura embriagada das palavras... a fera embebida em veneno.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

E o coração dele batia como louco...

Eu bailava por entre o parquinho colorido. Era noite e estava frio. O parquinho estava quase vazio e era iluminado por holofotes grandes que projetavam minhas sombras na grama molhada. Havia chovido muito naquela noite (a grama estava mesmo encharcada). Por volta dos brinquedos do parquinho algumas poças de água me observavam e imaginei serem pequenos lagos que refletiam minha imagem. O meu tênis, ao andar, espirrava água e lama para os lados. Bailei até chegar nas montanhas. Subi no topo onde eu era iluminada pelo foco dos holofotes. De lá de cima eu via os pequenos lagos com algumas ilhas aleatórias. Se houvesse alguém lá de baixo me veria como uma deusa. Eu quis uma foto.

Como a chuva havia molhado tudo, eu escorregava algumas vezes entre aqueles canos coloridos sobrepostos um por um, formando quase uma escultura futurista, quadrada, arcaica. Um parquinho. Comigo estava aquele menino que eu sempre imaginei olhar para mim. Mas ele não apareceu ainda. Eu precisava me equilibrar nos canos e minhas mãos suavam um pouco. Suavam frio, molhadas também pelas gotas restantes da chuva. Ventava um pouco e meu rosto deveria estar vemelho, assim como meu nariz, e minha garganta arranhava. E eu arranhava aquele silêncio cuspindo delicadamente algumas palavras que decorei em alguns desses livros que se lê e se gosta muito.


Meus gestos, meus cabelos, minha lama, tudo numa bagunça sincronizada onde eu poderia ser a deusa mais viva naquele mundo escuro de penumbras. Era preciso... era preciso dizer que o céu me embalou naquela noite. Eu voltei como uma criança descalça pisando na grama, na areia, sozinha e contente. Toda minha roupa branca, limpa e cheirando mamãe aos poucos ia encardindo naqueles respingos de lama. Porque estava encharcada. Meus pelos arrepiavam porque o vento também tentava me embalar. A minha voz surgia meio surda, acanhada depois de dançar na noite nublada. Tentei projetar a voz. Dei mais energia, mais enfase e saíram algumas notas bonictas, encorpadas. Achei que não fosse mais a voz de criança que agora a pouco eu tinha. Eu era uma deusa e todo mundo me desejava. De longe o menino me desejava. E eu olhei para ele, bem no fundo dos olhos, e comecei a falar algumas coisas que me deixavam mais poderosa, eu lá em cima ele lá embaixo. Os olhos dele brilhavam. O vento soprava, não tão forte, já mais ameno, mas ainda arrepiando meus pelos.


Meu Deus! Mas que mulher era aquela? perguntava-me. Era eu mesma. Tão mulher, tão criança. Quando alguém me perguntou: - Quando você vai crescer? - foi aí que eu me encontrei, que aquele ser selvagem, que toda aquela inocência veio à tona e eu vi com os olhos ardentes que eu era exactamente isso. Que eu era aquela criança embalada nas nuvens e que eu era ao mesmo tempo aquela mulher feroz que às vezes me escapava pelo peito e pela boca. Eu me larguei, um dia, nos quatro ventos e resgatei-me num único; numa única pergunta mediocre. Era eu, era ele. Era meu coração pulsando com o sangue nostálgico tão belo e vermelho. Meu sangue! Eu! Eu! Ele! Ela!
Era eu ali, era eu, senhores. Minhas pupilas dilataram numa dança tribal. E ele, de longe, via tudo isso. Ele estava louco. Meus versos ruminaram o peito dele. Eu era agora duas em uma. A deusa em mim gritava ao mundo e pessoas vinham me ver, encontrada, esvoaçante, na roupa branca encardida e respingada. Era eu todo aquele poder. Era meu todo aquele coração.

O meu coração batia como louco. Eu disse sim. Sim! E ele caiu ardente na grama encharcada enquanto eu, rente ao seu corpo, ria sozinha, meio calada, ofegante, os olhos brilhando tão selvagem, que a criança em mim que eu havia descoberto havia recuado. Que eu era ele, a criança e a mulher.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Bom dia!

Que azul imenso coloria aquele céu!
a cara amassada
acordou sorrindo
sozinha, calada
ainda dormindo
ainda sentindo o lençol quente
as mãos dormentes
os olhos abrindo devagar
de-va-gar
enquanto imaginava outras vidas
outros sorrisos que ela mesma dava
tão alegre contente um novo dia
um novo ano rondando
um novo frio na barriga
Era um azul imenso.
que árvore dá na sua janela?
quem a faria chorar de novo?
qual é o sorriso que tanto lhe agradaria?
incendiou de um fogo de manhã
o fogo da manhã
que todo mundo tem assim que acorda e dá por si
calada
Porque choveu à noite
Porque trovejou
esbravejou
e ela, ainda calma
ainda serena
enrolou-se no lençol fino branco com borboletas azuis
(porque ele é assim mesmo)
e sentiu seu corpo coberto
por um fino pano
e ela imaginou ser seda
cedeu àquele calor particular
que brotava, ela bem sabia, daquele coração
pulsante
daquele coração vermelho
azul
roxo
Era bem azul o seu coração
e não era frio
Era bem azul o seu sorriso
e não estático
Era bem azul o céu
e ainda era dia
ainda era o que ela esperava
e ela não esperava nada além do céu azul
além de um novo dia
uma nova vida
um novo sorriso
um novo suspiro
abrindo os olhos bem de-va-gar
sorrindo, sozinha
um sorriso muito gostoso