Dezembro te engole. O último passo pra vida. O último tempo do resto do tempo, é líquido.
Não sei se agora me projeto para frente, sendo, ou fico pra trás, sendo também. Dezembro é calor abafado, de suar embaixo do peito. Não gosto de calor.
Um vapor desmaravilhado atinge nossos peitos, somos bambu e balançamos. Quis ser tronco duro, mas ainda me sinto uma erva daninha. E talvez nunca saia disso.
Se eu fosse uma erva seria hortelã. Mas dezembro me queimou. E era só o primeiro dia. No último eu estaria como esqueleto de múmia ou petróleo no fundo do fundo do mar.
Nada é mais o mesmo. Tudo chega, um dia, e esse era o meu medo. De tudo chegar de uma vez e eu nem sequer ter saído. O vapor soprava sempre, zumbindo no ouvido feito pernilongo de calor em noite mais calorenta, dando tapas eternos no ouvido, sem nenhum efeito.
Antes disso era novembro, e chovia menos. Molhei sempre a ponta dos pés, porque o tênis estava furado. Uma sensação de alma pobre. Sensação de que eu era jogada a qualquer momento, e não percebia que eu mesma me jogava. Não, não aceitei. Alguém do meu lado deveria estar. Olhei e não havia gente. Desolhei e me já inteira molhada, o guarda-chuva do outro lado da calçada, um vento frio jogando as folhas coloridas pra lá e pra cá. Nenhuma imagem a ser construída. Nenhuma coisa a ser esperada, a não ser, sempre, o pior. Por mais otimista que possamos ser. E isso não é pessimismo, é medo. Camuflado de quem um dia achou, talez, por um momento, que é dono da verdade e descobriu que a verdade não existe, o que existe são fatos. As pessoas são fatos, erradas ou certas, verdadeiras ou falsas. E descobriu ainda que isso tudo daria em nada, porque o falso morre e o verdadeiro também.
Dezembro me abre os braços e eu tento engolí-lo com uma bocarra surreal que nunca antes eu havia feito. Inútil, sempre perco. Ainda é começo. Finais de dezembro. Nada existe em dezembro, nem em janeiro, fevereiro é uma página rabiscada e arrancada do diário da vida. Quando já me acostumo o ano acaba, já é outro, já me perco.
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