domingo, 21 de março de 2010

Dessa luz que me parte alegre.

Ode ao Outono

Dê-me um pirulito de coração
que sairei por aí
com minhas pernas curtas, meus pés brancos a caminhar,
e deitar sobre essas folhas vermelhas amareladas
sentindo a terra úmida em mim
me cobrir de folhas, jogá-las para o alto
como um rico joga dinheiro,
como minha única riqueza absoluta
meu poder absoluto de poder Ser Eu-Outono.
Nada de anjos tortos, nem sombra amaldiçoada
mas a sombra aconchegante que me envolve nos braços
a sombra do sol ameno não queimando a minha pele.
Mas eu já sabia que o Amor desabrochava nele,
nas nuvens pomposas de algodão doce do céu
formando figuras de equilibristas e bailarinas
Eu já sabia que o Amor ventava nos meus cabelos grandes
e espatifava minha roupa, esfriando meu corpo, minha pele quente
sendo tocada pelas mãos do Outono.
Olhando o céu e o mar estava pensando numa porção de coisas
que ele não sabia de pessoas com nomes que ele nunca ouvira
do meu pai
do capitão do mercado da Rua Duque
dos burrinhos meio dormindo escorregando pelas ladeiras
das moças espanholas de chale rindo rindo de ronda
 olhando para os amantes delas
pelas frestas das venezianas das casas amarelas e dos jasmins de Gibraltar
Quando eu menina era como uma flor da montanha.
Sim.
A água descia lenta pela minha garganta, enquanto eu,
vendo um bando de pássaros migrando pelo céu, sorria lentamente
pensando que alguém do outro lado do mundo poderia também estar vendo
um bando de pássaros migrando, mas lá não seria Outono
lá não seria Outono como aqui
lá não teria eu para ver o outono amado
nem meus Amores passados
nem eu em pé agora
admirando um quadro.
Lá não teria o belo das nuvens laranjas no fim da tarde
nem minha angústia de começo de noite
nem minha alegria instantânea da manhã
Não há nada mais belo do que comemorar o Outono
porque não há mais espaço no meu coraçãozinho
que queira entrar outra coisa absurda
mas essa única infâmia de apreciar o útero fecundando
a terra macia
as cores pastéis
começando pelo meu quadro cotidiano
onde aparece primeiro meus olhos meio aguados
e minhas mãos repousadas na minha perna
quase um sossego
de dias desassossegados.
E era Outono.


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