segunda-feira, 25 de junho de 2007

"Dá licença,está atrapalhando"

Aquele rapaz que sentava na minha frente era realmente um chato.Censurou-me nas minhas expressões psicológicas gestuais que iam de acordo com a música do piano e da flauta.Sem falas,sem pronúncias labiais,linguais,dentais...apenas as mãozinhas de maestro e ele se vira para trás e diz: "Dá licença,está atrapalhando". Paralisa. Olha-se para os que se sentam ao meu lado.Na hora eu ri,mas minha vontade foi de pegar um cone e berrar no ouvido dele.É claro que não podia,senão todos ali iam dizer " Dá licença,está atrapalhando" e então eu iria para fora,com o cone,com a raiva e ainda sem ouvir piano e flauta.
Geralmente vamos assistir a um concerto para apreciar a música,um Mozart,Schubert e seja lá quem for,independente do ritmo sempre há manifestações,sejam elas psicológicas,silenciosas,corporais ou até mesmo mais escandalosas.A minha no caso era corporal.A do rapaz chato da frente devia ser algo bem interior.Descobri ao final que ele era músico e músicos tem essa mania de querer ouvir nota por nota do que está sendo tocado,estudar a partitura pelos ouvidos,mas eu não,eu faço curso de preparação de atores no mesmo conservatório que ele e tenho o direito de observar e manifestar-me com a música.Do mesmo jeito que eu me divertia com a música ele se divertia (ou não) tentando decifrar se era um Dó maior ou um Fá sustenido maior ao dobro do quadrado...aaaa.Eu não me virei pra ele e disse: "Dá licença,você está me atrapalhando ficando quieto ai e tentando dar uma de músico aplicado decifrando as notas,com essa sua cara de desprezo para com a minha pessoa."
Isso só foi escrito porque estou tentando defender meus direitos e dizer que no momento eu estava quieta,sem abrir a boca...vai ver ele viu que o dobrar da minha perna produzia um Ré menor altamente incomodo.Então eu pedi desculpas,até confesso que exagerei um pouco.Sempre me empolgo com esses fatos e parece que quanto mais é repreendida,mais dá vontade de fazer.E foi o que fiz,não parei.Apenas diminui a intensidade.Então eles começaram a tocar uma música que usei em um trabalho de classe,em uma cena..e lá estava eu relembrando a cena e no final do movimento,no ápice da música eu sinto alguém me cutucando no ombro.Vire-me e era um menino fazendo alguns gestos pra mim;eu não entendi no começo pois ele fazia umas caretas juntos,e então ocorreu-me que ele queria dizer para me comportar,ficar quieta no meu lugar,intacta,pois os meus movimentos o atrapalhavam.Que diacho! Dois me censurando em menos de duas horas por meras manifestações.
Onde está nosso direito de poder assistir um concerto e viajar nas melodias? Pude até presenciar um baile de máscaras,com moças belas e vestidos longos... e "..está atrapalhando". Uaun uaun uaun!
Essas pessoas de hoje em dia. São tão variadas. Um na frente decifrando notas,um menino atrás que me parecia mudo ou com problemas na voz,um do meu lado rindo,uma senhora no outro canto fechava os olhos e abaixava a cabeça,não sabíamos se ela dormia ou apreciava a música,e eu lá imaginando máscaras e o gestos variados,o senhor da flauta tocando e a mulher que tocava o piano tinha um cabelo muito espalhafatoso. O resto da platéia não pude ver. Lembro-me de um menininho que sentava alguns bancos na minha frente.Ele era uma graça,tinha cabelos loiros cacheados os balançava tão alegremente no ritmo da música que era impossível não gostar dele.
De alguma forma eu aprendi alguma coisa. Estamos em fase de aprendizagem até o último segundo de nossas vidas e não vai ser um rapaz chato na minha frente que vai fazer com que eu desaprenda. Muito pelo contrário,aprendi com ele. Sim,que às vezes eu devo me controlar em minhas manifestações,aprendi que músicos são mais guardados do que atores,aprendi que não devemos fazer cara de desprezo para as pessoas,pois o mínimo que seja já magoa,embora essa cara de desprezo renda um texto em um bloguezinho empoeirado de quinta categoria.Aprendi que aquilo que nos incomoda ocupa pelo menos setenta por cento de nossos pensamentos. Aprendi que ele estava certo em me dizer que estava atrapalhando,se ele não falasse se sentiria mal talvez.E aprendi (finalmente) que com apenas um "Dá licença,você está atrapalhando" podemos aprender muitas coisas.
E da mesma maneira que o rapaz chato se incomodou comigo,eu me incomodei com ele.Peço perdão novamente,embora ele nunca lerá esse texto.
Depois saímos,fomos à uma lanchonete e me passei a chamar Jurema.O músico chato aposto que foi transcrever todas as notas em alguma partitura.

Um comentário:

Unknown disse...

Oi Cássia, gostei do seu texto...
Achei seu ponto de vista interessante e que vc escreve mto bem, sem contar do bom-humor do texto!
Poste mais textos assim, eu vou ler todos!ahuahahuahuahahauha
bjssssss
=D