segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Estancado

"Chorei três horas. Depois dormi dois dias"
C.F.A

Não é sempre, mas às vezes sinto vergonha de chorar. E eu não poderia ter vergonha agora que as lágrimas caiam depressa, vida própria, saindo por pura natureza boba. Havia muita gente, eu perdida, o tênis furado atrás saindo o cadarço pelo buraco, vazia, completamente vazia. O pouco que tinha era todo meu auto-ódio me dilacerando, muito mais do que eu já estava.
Corri para o banheiro com uma cara de cão sem dono que tomou chuva, abaixei a tampa e sentei, desconsolada, eu queria chorar o mundo. E chorei. Meu deus, o que eu tô fazendo aqui ? Que cara de merda, você é uma merda, uma terceira voz dizia saindo de mim mesma. 
Meu dia foi uma merda. Meus últimos dias tem sido pavorosos, achei que não vou aguentar a barra por muito tempo, talvez eu me deixe ser engolida de vez. Eu não quero desistir de tudo, mas me sinto fraca, um gato pingando água, o bom humor zerando, eu me perdendo por aí. E como sempre, apenas você, meu caro, abrindo teus braços. Porque eu não passo de um ser desprezível, eu entenderia perfeitamente se ela me largasse, até eu já me larguei, cansei de me olhar no espelho e ver essa cara de bosta, cansei do peso do meu corpo, cansei de achar o céu azul tão lindo, cansei de querer me consolar, meu bem, o que me restou também foi sempre essa amargura doce de solidão, de ser chutada ali no cantinho da calçada junto com bitucas de cigarro alheio. Mais uma vez o destino cuspindo fumo na minha cara.
Queria te dizer muita coisa. Que está muito calor, mas que de vez em quando bate um vento pra levar esse suor embora. Que uma moto lá na rua acabou de passar, que ando dormindo bem afinal e escuto todo mundo me contando seus problemas, e quando conto o meus, caso que raramente acontece, me deprime ainda mais por não me saberem ouvir, me deprime ainda mais essa solidão comunitária, pesada, cheirando a lixo jogado na rua. Talvez o mais cruel, ou pura natureza humana, é saber que no fundo o verme da solidão nos come, mas meu limite já passou, que até o verme da solidão me abandonou e me resta uma coisa sem nome no peito, no meu coração fraco vendo todo meu amor escorrendo lento, feito sangue de dias de menstruação escorrendo pelo ralo do banheiro.
E me sinto muito mais fraca toda vez que minha capacidade física, amorosa e ser humana é reduzida a nada, não só pelos outros, mas por mim mesma. É assim que estou me sentindo nesses últimos dias. Você não vai me dar nenhum diagnóstico. Ninguém vai botar minha cabeça no colo e passar as mãos nos meu cabelos falando que agora está tudo bem, que já passou o trem, que o bicho papão não mora embaixo da cama. Cássia, um poço de carência. E parece ser difícil admitir isso, mas eu não consigo me fazer a forte, a fria, a que fica por cima nessa história. Eu nunca fiquei por cima, mas assusta ainda não ter acostumado a ficar embaixo. E também não sei se me importo em ficar embaixo, que me pisem, que o destino me massacre mais, só não sei como ele vai conseguir tirar alguma coisa de mim quando só tenho esse nó na garganta.

2
Será que alguém acredita em mim? Eis-me aqui, crua, exposta a tudo. Nunca menti. Antes pudera ter mentido, mas nem isso eu consigo fazer. Nem pra mentir eu presto, mas acredite em mim.

3
Ainda está muito calor, um sol de rachar lá fora. Não tenho nada. Tenho uma guitarra pra ficar arranhando, alguns livros que consumo, canecas de água pelo quarto. Tenho um amor pra ser dado, muito, tenho saudade pra amenizar, tenho sentimentos lá no lixo pra resgatar de novo. Um saco plástico preto com tudo o que eu tenho, coisas boas e ruins. Porque imagino que eu não seja toda ruim, mas algo bom eu tenho, é só espremer talvez. Talvez saia uma rosa cor de rosa, muitas fotografias de céu azul, já velhas, meus olhos cansados, talvez saia meu sorriso amarelo, meu cabelo podre, minhas mãos vazias, minha solidão, minha miséria de coisas a oferecer. Nunca fui rica em nada, mas nunca deixei de respirar o ar puro dos pinheiros e isso me bastava. Não sei mais o que me basta. Não sei mais o que esperam de mim. O que espero de mim.

4
Dias difíceis, meu caro. Um peso imenso nas minhas costas. Estou confusa e com medo. Não sei por onde começar. Mas veja que minhas mãos estão limpas e meu coração está vazio. Veja o quão vazia eu sou.


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