domingo, 14 de fevereiro de 2010

Monotonia gratuita

Queria pular sozinha numa piscina.
Sabe, por um momento muito curto, questão de milésimos, você olha pro nada e tudo parece ser absurdo?
vontade de comer grama, ela me disse.
Lembra de uma cena muito bonicta, de um filme da vida real, duas pessoas sentadas às 6 horas da manhã, num ponto de ônibus, vendo o sol nascer? Lembra? Eu disse que era uma fotografia muito bonicta do filme, ou pelo menos daria uma fotografia maravilhosa. Só não sei se em preto e branco ou colorido para captar o cinza alaranjado do nascer do dia. Foi um tempo atrás, quando eu mal saía de madrugada, com medo. São Paulo, né, é aquela coisa bonicta, mas que te engole se você vacilar. Eu tentei não vacilar e agora quem vai engoli-la sou eu.
vontade de rolar na grama, ela insistiu, eu no fundo, rolar igual cachorro sarnento, completou. queria comer o céu e esse calor, queria comer meu banho santo de todo dia, o sabonete curto, desses que já podem ir pra pia se juntar com outros também curtos. mas eu fazia questão de tomar banho com este, mesmo pobre, mesmo pequeno, porque eu gostava do cheiro dele. Mesmo também tendo um sabonete líquido azul muito cheiroso, cheiro de nuvens, nuvens de algodão, se você for ver direito, mas eu gostava de usar o pequenininho, logo ele acabaria.
mas sem cesar minha vontade de pular sozinha na piscina, nadar até os braços cansarem, enrugar a mão, arder os olhos e bater aquela fome tão gostosa. por mais eu esteja sozinha, eu queria mesmo respirar alguma coisa que me fizesse o ar do pulmão estufar o peito e dizer, pra mim mesma, numa voz grave, que eu vou em frente, que eu preciso ir frente, que eu vou engolir são paulo e que agora se foi mais um ano e eu não posso cometer os mesmos delírios. eu tinha que me sentir forte, eu tinha que sair daqui logo. se na prática não tivesse acontecido comigo, eu não acreditaria que a pior coisa de se superar na vida era uma sucessão de dias belos, e aqui os dias me enfadonham de tão lindos que seguem. e aqui eu me sinto muito mais eu, o problema é que eu não sei se eu queria me sentir muito mais eu aqui, eu tenho que encarar lá fora outra vida, mas queria sentar sozinha debaixo de uma árvore cheia de folhas.
eu tinha medo que me passassem a perna, de que largassem minha mão bem no meio da ponte pensa, bem na curva da serra. eu tinha medo que mentissem pra mim, me enganassem, mas eu tinha que pagar pra ver até onde iríamos, até onde você iria por mim, até onde eu iria por você, porque o universo acabou comigo muitas vezes e muitas vezes ele também me levantou. eu queria um veneno anti monotonia, alguma coisa que me tirasse esse tédio de dia de sol. eu queria no fundo apenas um abraço, porque, acredite, a carência às vezes mata, e não sei como as pessoas podem ser carentes, mas creio que todo mundo seja, bem no fundo, carentes e solitários, uma coisa leva à outra. e o que restou pra mim, a não ser eu, são esses dias belos que me passam o pé e me batem na cara.

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