domingo, 7 de fevereiro de 2010

A benção, vó.

Ri muito ontem com a minha tia. Passamos horas conversando, ela me contou sobre nossa familía, meu avô que morreu com 94 anos e lúcido, meu bisavó, que morreu esclerosado na cama. Cada história que me fez sentir pertencente a alguma ocisa, em algum lugar. Eu estranhei e pensei que eu não estou sozinha, mas sou composta por factos e antepassados.
Minha avó vai fazer 89 anos. Ela está na cama e esclerosada. Não reconhece ninguém, chora por crianças inexistentes, pergunta do vô Chico que já morreu há muitos anos. Já me confundiu com homem e até me ensinou a tirar leite de vaca. De uns tempos pra cá ela tem melhorado muito. E ela, apesar de tudo, sempre teve essa essência de vó Rita, engraçada, besteirenta, cheirosa. E eu amo beijá-la e abraçá-la porque me passa uma energia muito boa dela pra mim. Ela é maravilhosa. Me pega às vezes no braço e fala: nossa, como você tá gorda. E eu rio e pergunto se isso é ruim, ela me fala que não, que tenho saúde. Depois dá uma risada e eu falo que ela é linda, e ela fala, você que é. Um anjo. Um anjo, meu Deus, como ela é uma delícia em pessoa. Tantas histórias. Tantas coisas que ela já passou, dor, alegria, os filhos, os netos, bisnetos. Quando eu era pequena, eu me escondia embaixo da mesa da cozinha e a deixava procurando por mim, ela e minha tia, que elas ficavam desesperadas gritando meu nome, chamando por mim, e eu rindo bem baixinho embaixo da mesa, pra elas não descobrirem. Adorava quando eu comia rapadura. E hoje em dia nem tem mais. E quando ela me deixava pentear o cabelo dela, enquanto ela ficava deitada no sofá. Quando eu tirava todos os matinhos do quintal da casa e ganhava 50 centavos, e eu ficava tão feliz. Na casa da Rua Santa Cruz, do lado do açougue da Bete, que eu ia todo dia pedir bala. Depois gastava minha fortuna acumulada dos 50 centavos em adesivos que eu comprava na feira, às quintas-feiras, na ruazinha perto da praça. E os matinhos demoravam pra crescer, droga, eu queria que crescessem rápido pra eu carpir com a faca de cozinha. Tatu bola, formigas, furos no chão pra jogar bolinha de gude com meu primo. Ela me ensinou uma armadilha de pegar passarinho, mas eu quase nunca tive sucesso. Embora eu adorasse passar o final da tarde esperando um passarinho cair na minha armadilha. Nenhum. Coitadinho. Minha avó... Dona Rita, meu Deus, eu fui criada com ela. E quase não consigo conter minha lágrima de nostalgia e felicidade. Dona Rita que fazia doce de banana, arroz doce que eu sempre amei, sagu de groselha, macarronada com frango frito e salada de alface todo santo domingo. Que assistia o terço todo dia na Rede Vida, às 6 horas da tarde e que deixava a televisão no ultimo volume por não escutar muito bem. A Dona Rita sempre forte, comendo feijão com farinha e frango feito molho, que escovava a dentadura sempre depois de comer, e colocava num copo com água antes de dormir.Que mexia a boca por causa da dentadura e ficava tão linda sem. A boquinha linda que eu adoro beijar, minha avó, meu sangue. A vó Rita que corria comigo um quarteirão e ficava cansada, depois minha mãe me xingava por que eu pedia muito pra ela correr comigo. A vó Rita que me criou. Engraçada a velha. Fala besteira. Falava que eu era uma menina muito daninha, porque eu só atazanava ela e o meu avó. Mas não convivi muito com ele. E com ela, até hoje. Dou comida na boca, olho bem nos olhos dela e penso quanta coisa ela já viveu, meu Deus. Que mulher forte. Até o meu pai morreu primeiro do que ela. E minha mãe, o ser mais iluminado desse mundo, um Amor tão imenso pela mãe dela, pela minha avó, que eu acho lindo de ver, que me dói o peito de tanto Amor por essas duas mulheres que me criaram com tanto carinho. Abraço, beijo, aperto, mordo demais, até transmitir tudo de bom que eu sinto, o quanto eu sou grata por essas duas raridades na minha vida. Dona Rita, minha linda, meu amor, cheirosa, marota, uma casca de braba quando quer, que eu dou risada, porque ela fecha a cara, fica emburrada. D. Rita, eu te Amo tanto. Que saudade de tudo. Das casas onde a senhora morou, onde eu pude brincar, onde eu tive uma infância tão gostosa, comendo sua comida de vó, os bolos, o café toda manhã, a senhora escolhendo feijão e me deixava ajuda-lá. Feijão de feira, que vinha sujo. Sentava na mesa, derramava o feijão. O bom aqui, o sujo ali, depois colocava na panela de pressão e como eu amava aquele barulho da panela, aquele cheiro se alastrando pela casa. Até hoje. Dona Rita que falava: 'que pão de homem' quando olhava o Tarcisio Meira nas novelas ou o Galvão Bueno. Era só risada. Menina daninha. Ela acordava cedo e lavava o rosto com sabonete. Ai eu falava que não precisava de sabonete pra lavar o rosto, não sei porque, mas eu achava que não. Tão linda, o chinelo arrastando, o cabelo sempre armado quando tava comprido. Vó do céu, a senhora é um pedaço de mim. Vó, como a senhora está cheirosa, linda. Eu te amo.
Estendo as mãos juntas pra ela. Benção, vó.
Deus te abençoe, fia.

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