segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Estancado

"Chorei três horas. Depois dormi dois dias"
C.F.A

Não é sempre, mas às vezes sinto vergonha de chorar. E eu não poderia ter vergonha agora que as lágrimas caiam depressa, vida própria, saindo por pura natureza boba. Havia muita gente, eu perdida, o tênis furado atrás saindo o cadarço pelo buraco, vazia, completamente vazia. O pouco que tinha era todo meu auto-ódio me dilacerando, muito mais do que eu já estava.
Corri para o banheiro com uma cara de cão sem dono que tomou chuva, abaixei a tampa e sentei, desconsolada, eu queria chorar o mundo. E chorei. Meu deus, o que eu tô fazendo aqui ? Que cara de merda, você é uma merda, uma terceira voz dizia saindo de mim mesma. 
Meu dia foi uma merda. Meus últimos dias tem sido pavorosos, achei que não vou aguentar a barra por muito tempo, talvez eu me deixe ser engolida de vez. Eu não quero desistir de tudo, mas me sinto fraca, um gato pingando água, o bom humor zerando, eu me perdendo por aí. E como sempre, apenas você, meu caro, abrindo teus braços. Porque eu não passo de um ser desprezível, eu entenderia perfeitamente se ela me largasse, até eu já me larguei, cansei de me olhar no espelho e ver essa cara de bosta, cansei do peso do meu corpo, cansei de achar o céu azul tão lindo, cansei de querer me consolar, meu bem, o que me restou também foi sempre essa amargura doce de solidão, de ser chutada ali no cantinho da calçada junto com bitucas de cigarro alheio. Mais uma vez o destino cuspindo fumo na minha cara.
Queria te dizer muita coisa. Que está muito calor, mas que de vez em quando bate um vento pra levar esse suor embora. Que uma moto lá na rua acabou de passar, que ando dormindo bem afinal e escuto todo mundo me contando seus problemas, e quando conto o meus, caso que raramente acontece, me deprime ainda mais por não me saberem ouvir, me deprime ainda mais essa solidão comunitária, pesada, cheirando a lixo jogado na rua. Talvez o mais cruel, ou pura natureza humana, é saber que no fundo o verme da solidão nos come, mas meu limite já passou, que até o verme da solidão me abandonou e me resta uma coisa sem nome no peito, no meu coração fraco vendo todo meu amor escorrendo lento, feito sangue de dias de menstruação escorrendo pelo ralo do banheiro.
E me sinto muito mais fraca toda vez que minha capacidade física, amorosa e ser humana é reduzida a nada, não só pelos outros, mas por mim mesma. É assim que estou me sentindo nesses últimos dias. Você não vai me dar nenhum diagnóstico. Ninguém vai botar minha cabeça no colo e passar as mãos nos meu cabelos falando que agora está tudo bem, que já passou o trem, que o bicho papão não mora embaixo da cama. Cássia, um poço de carência. E parece ser difícil admitir isso, mas eu não consigo me fazer a forte, a fria, a que fica por cima nessa história. Eu nunca fiquei por cima, mas assusta ainda não ter acostumado a ficar embaixo. E também não sei se me importo em ficar embaixo, que me pisem, que o destino me massacre mais, só não sei como ele vai conseguir tirar alguma coisa de mim quando só tenho esse nó na garganta.

2
Será que alguém acredita em mim? Eis-me aqui, crua, exposta a tudo. Nunca menti. Antes pudera ter mentido, mas nem isso eu consigo fazer. Nem pra mentir eu presto, mas acredite em mim.

3
Ainda está muito calor, um sol de rachar lá fora. Não tenho nada. Tenho uma guitarra pra ficar arranhando, alguns livros que consumo, canecas de água pelo quarto. Tenho um amor pra ser dado, muito, tenho saudade pra amenizar, tenho sentimentos lá no lixo pra resgatar de novo. Um saco plástico preto com tudo o que eu tenho, coisas boas e ruins. Porque imagino que eu não seja toda ruim, mas algo bom eu tenho, é só espremer talvez. Talvez saia uma rosa cor de rosa, muitas fotografias de céu azul, já velhas, meus olhos cansados, talvez saia meu sorriso amarelo, meu cabelo podre, minhas mãos vazias, minha solidão, minha miséria de coisas a oferecer. Nunca fui rica em nada, mas nunca deixei de respirar o ar puro dos pinheiros e isso me bastava. Não sei mais o que me basta. Não sei mais o que esperam de mim. O que espero de mim.

4
Dias difíceis, meu caro. Um peso imenso nas minhas costas. Estou confusa e com medo. Não sei por onde começar. Mas veja que minhas mãos estão limpas e meu coração está vazio. Veja o quão vazia eu sou.


terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Mas eis que chega a roda viva....

Tem dias que a gente se sente
como quem partiu ou morreu
a gente estancou de repente
ou foi o mundo então que cresceu
a gente quer ter voz ativa
no nosso destino mandar
mas eis que chega a roda viva
e carrega o destino pra lá.

Roda eu
Roda tu
minha cabeça roda
meu coração
roda, quem sabe,
meus olhos
Hoje é um dia que me sinto
como quem roda de ponta cabeça
um embrulho no estômago
um embrulho de medo
chorei largada
feito um bebê desmamado
pensando que às vezes a única solução é chorar
...e talvez seja mesmo.



nos dias

Estou com mal estar, me sentindo sozinha e querendo o colo da minha mãe.
Ah, Cássia!
cresça e desapareça...
eu falando pra mim mesma.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Monotonia gratuita

Queria pular sozinha numa piscina.
Sabe, por um momento muito curto, questão de milésimos, você olha pro nada e tudo parece ser absurdo?
vontade de comer grama, ela me disse.
Lembra de uma cena muito bonicta, de um filme da vida real, duas pessoas sentadas às 6 horas da manhã, num ponto de ônibus, vendo o sol nascer? Lembra? Eu disse que era uma fotografia muito bonicta do filme, ou pelo menos daria uma fotografia maravilhosa. Só não sei se em preto e branco ou colorido para captar o cinza alaranjado do nascer do dia. Foi um tempo atrás, quando eu mal saía de madrugada, com medo. São Paulo, né, é aquela coisa bonicta, mas que te engole se você vacilar. Eu tentei não vacilar e agora quem vai engoli-la sou eu.
vontade de rolar na grama, ela insistiu, eu no fundo, rolar igual cachorro sarnento, completou. queria comer o céu e esse calor, queria comer meu banho santo de todo dia, o sabonete curto, desses que já podem ir pra pia se juntar com outros também curtos. mas eu fazia questão de tomar banho com este, mesmo pobre, mesmo pequeno, porque eu gostava do cheiro dele. Mesmo também tendo um sabonete líquido azul muito cheiroso, cheiro de nuvens, nuvens de algodão, se você for ver direito, mas eu gostava de usar o pequenininho, logo ele acabaria.
mas sem cesar minha vontade de pular sozinha na piscina, nadar até os braços cansarem, enrugar a mão, arder os olhos e bater aquela fome tão gostosa. por mais eu esteja sozinha, eu queria mesmo respirar alguma coisa que me fizesse o ar do pulmão estufar o peito e dizer, pra mim mesma, numa voz grave, que eu vou em frente, que eu preciso ir frente, que eu vou engolir são paulo e que agora se foi mais um ano e eu não posso cometer os mesmos delírios. eu tinha que me sentir forte, eu tinha que sair daqui logo. se na prática não tivesse acontecido comigo, eu não acreditaria que a pior coisa de se superar na vida era uma sucessão de dias belos, e aqui os dias me enfadonham de tão lindos que seguem. e aqui eu me sinto muito mais eu, o problema é que eu não sei se eu queria me sentir muito mais eu aqui, eu tenho que encarar lá fora outra vida, mas queria sentar sozinha debaixo de uma árvore cheia de folhas.
eu tinha medo que me passassem a perna, de que largassem minha mão bem no meio da ponte pensa, bem na curva da serra. eu tinha medo que mentissem pra mim, me enganassem, mas eu tinha que pagar pra ver até onde iríamos, até onde você iria por mim, até onde eu iria por você, porque o universo acabou comigo muitas vezes e muitas vezes ele também me levantou. eu queria um veneno anti monotonia, alguma coisa que me tirasse esse tédio de dia de sol. eu queria no fundo apenas um abraço, porque, acredite, a carência às vezes mata, e não sei como as pessoas podem ser carentes, mas creio que todo mundo seja, bem no fundo, carentes e solitários, uma coisa leva à outra. e o que restou pra mim, a não ser eu, são esses dias belos que me passam o pé e me batem na cara.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Lamentação

A rua toda esburacada essa da minha casa. Há tanto tempo que eu não anda a pé por ela. Está com jeito de chuva e um ventinho muito gostoso de começo de noite. Senti-me livre. Buracos na rua. Pessoas humilde em casas também humildes. Eu deveria andar mais por aqui, pensei. Que riqueza mais humilde eu teria, que ruas simples essas por onde passo e nunca vejo. Mas em tempos passados eu via tudo isso, eu enxergava cada pedra perdida que eu chutava, cada menino que ficava no campo soltando pipa e jogando bola. Os meninos da rua, descalços, correndo, eu saindo com cara de nada de dentro de casa. O ponto de ônibus, a menina do ponto de ônibus que eu nunca mais vi.( por onde ela anda?). A rua... tudo cinza, o céu alaranjado de quando eu saía à tarde para estudar, pegava ônibus, imaginava como seria a vida de cada pessoa que eu via nos bairros que o ônibus passava. Era tão bonicto. Eu via tudo, me alimentava disso, dessa vida, aspirava natureza que estava disponível todo tempo pra mim, pra todos. Que cegueira, meu deus. Que meus olhos se alarguem, não se contraiam, que alarguem muito, muito. Esse quarto escuro e abafado com o ventilador ligado, enquanto aqui escrevo na frente dessa tela estranha, me pareceu agora, nessa tela que é a única fonte de iluminação. eu cansada de alguma coisa muito além do físico. o ócio, talvez. mas e as palavras? a cadeira já com o formato da minha bunda, minhas mãos pedindo que se afastem, minhas costas pedindo massagem. eu queria correr agora, num campo imenso, imenso, onde veria minha silhueta no contra luz do por-do-sol nos pinheiros verdejantes. pinheiros que eu não visitei uma vez se quer nas minhas férias. e quando estava eu em São Paulo não parava de pensar neles, a saudade me matando dessa cidadezinha. que bosta, como eu sou burra. que porcaria tem importância? eu não tenho não. não valho nada. me senti carente de alguma coisa, talvez de mim mesma, talvez eu devesse me respeitar mais, me levar mais a sério, essa vida engraçada, essa vida lisa que escorre cada segundo, como agora por exemplo. não tenho uma tabacaria para olhar, mas garanto que se tivese eu não teria olhado. há algo em mim que me impediu de deixar meus olhos se alargarem, minha vida flui com um freio de mão um pouco puxado. os buracos na rua mostram quantas vezes passei de carro por ali, mas a pé, eu até poderia pisar nas poças que se formam nos buracos quando chove, e hoje choveu e eu poderia ter tomado chuva. eu poderia ter deitado no meio da rua, os braços esticados, as pedras fazendo doer minhas costas, um cachorro lambendo minha cara. mas não sei o que eu fiz. suspiro lamentando esse desleixo, essa cegueira repentina. que meus olhos absorvam, que continuem se alargando, igual diria Caio.

Manifesto contra a cegueira moderna

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Enterro

Se a terra comer meus olhos
(esses que ela há de comer)
comeria ela também tudo que há nele?
tudo que nele contém?

a íris, a menina, o delírio
louco e molhado da terra encharcada
do verme em brasa
do cisto enclausurado

a beleza, o por-do-sol alaranjado
comeria, terra?
tudo que nele passou
tudo que pra ele passei
meus dias cinzentos
meus dias úmidos
secos e eternos
estaria, terra, contida depois em você?
a minha vida dos olhos
os olhares perdidos
as lágrimas que derramei
os amigos guardados
a chama ainda acesa
na lareira ardente
comeria, comeria?
meu passado cego
no passado moderno de cegueira?

mas eu olho e vejo
intacto
os olhos num vaso da vida
os olhos da vida num vaso

Cássia Oliveira - Manifesto contra a cegueira moderna

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Me espera na janela

versos de chuva. versos cheios, entumescidos, transbordando água e saudade.
por mais que sinta tua respiração ofegante no meu pescoço à noite
eu quero sentir cada vez mais meu coração batendo forte
meu coração explodindo num raio de inúmeros quilometros por hora por quilometros a andar
e encontrar o teu
o teu, desculpe
eu quero sentir o cheiro do teu cabelo
e me culpo se te ferir o peito
se tiver um arranhaozinho no teu braço
um risco de sangue no teu rosto
e me culpo também por querer ver o sol se por e pensar em ti
me culpo por sentir todo o calor que vem de você
e essa chuva começou agora, não passa
sendo a única coisa que eu queria era estar com você numa rede vermelha
vermelha de amor
pra sentir o cheiro de terra quando a chuva cai sobre ela
e eu deixaria ela cair sobre nós
e lavar meus cabelos, lavar os teus pés de moça
os nossos olhos aguados de chuva
nossas mãos servindo de bica pra derramar a água pela garganta
o céu sendo o único testemunho de toda a explosão do meu peito
sob a luz da lua num raio repentino de te querer pra mim
só pra mim
e deito na cama, me reviro sem parar entre o lençol
o lençol cor-de-rosa, lembra?
e eu queria muito abrir a porta do meu quarto e te encontrar me esperando, com cara de sono
com voz rouca, com seu cheiro de menina que me deixa embriagada
mas a chuva cessa um pouco, escuto uns trovões lá longe. será que voce ouve?
será que você sente esse aperto no meu peito? esse cheiro de flor da noite ?
ainda se eu soubesse alguma coisa
ainda se eu fosse alguma coisa
mas longe de você
mas perto de você
nosso sonho, nosso ninho coberto de pétalas de flores aleatórias
eu te daria uma janela bem bonicta
pra eu poder te ver nela
pra eu poder te roubar dela
pra eu te dizer que um dia eu vou chegar
me espera, amor.
me espera que o sol já em vindo
e a sombra das nuvens vão me guiar.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

A benção, vó.

Ri muito ontem com a minha tia. Passamos horas conversando, ela me contou sobre nossa familía, meu avô que morreu com 94 anos e lúcido, meu bisavó, que morreu esclerosado na cama. Cada história que me fez sentir pertencente a alguma ocisa, em algum lugar. Eu estranhei e pensei que eu não estou sozinha, mas sou composta por factos e antepassados.
Minha avó vai fazer 89 anos. Ela está na cama e esclerosada. Não reconhece ninguém, chora por crianças inexistentes, pergunta do vô Chico que já morreu há muitos anos. Já me confundiu com homem e até me ensinou a tirar leite de vaca. De uns tempos pra cá ela tem melhorado muito. E ela, apesar de tudo, sempre teve essa essência de vó Rita, engraçada, besteirenta, cheirosa. E eu amo beijá-la e abraçá-la porque me passa uma energia muito boa dela pra mim. Ela é maravilhosa. Me pega às vezes no braço e fala: nossa, como você tá gorda. E eu rio e pergunto se isso é ruim, ela me fala que não, que tenho saúde. Depois dá uma risada e eu falo que ela é linda, e ela fala, você que é. Um anjo. Um anjo, meu Deus, como ela é uma delícia em pessoa. Tantas histórias. Tantas coisas que ela já passou, dor, alegria, os filhos, os netos, bisnetos. Quando eu era pequena, eu me escondia embaixo da mesa da cozinha e a deixava procurando por mim, ela e minha tia, que elas ficavam desesperadas gritando meu nome, chamando por mim, e eu rindo bem baixinho embaixo da mesa, pra elas não descobrirem. Adorava quando eu comia rapadura. E hoje em dia nem tem mais. E quando ela me deixava pentear o cabelo dela, enquanto ela ficava deitada no sofá. Quando eu tirava todos os matinhos do quintal da casa e ganhava 50 centavos, e eu ficava tão feliz. Na casa da Rua Santa Cruz, do lado do açougue da Bete, que eu ia todo dia pedir bala. Depois gastava minha fortuna acumulada dos 50 centavos em adesivos que eu comprava na feira, às quintas-feiras, na ruazinha perto da praça. E os matinhos demoravam pra crescer, droga, eu queria que crescessem rápido pra eu carpir com a faca de cozinha. Tatu bola, formigas, furos no chão pra jogar bolinha de gude com meu primo. Ela me ensinou uma armadilha de pegar passarinho, mas eu quase nunca tive sucesso. Embora eu adorasse passar o final da tarde esperando um passarinho cair na minha armadilha. Nenhum. Coitadinho. Minha avó... Dona Rita, meu Deus, eu fui criada com ela. E quase não consigo conter minha lágrima de nostalgia e felicidade. Dona Rita que fazia doce de banana, arroz doce que eu sempre amei, sagu de groselha, macarronada com frango frito e salada de alface todo santo domingo. Que assistia o terço todo dia na Rede Vida, às 6 horas da tarde e que deixava a televisão no ultimo volume por não escutar muito bem. A Dona Rita sempre forte, comendo feijão com farinha e frango feito molho, que escovava a dentadura sempre depois de comer, e colocava num copo com água antes de dormir.Que mexia a boca por causa da dentadura e ficava tão linda sem. A boquinha linda que eu adoro beijar, minha avó, meu sangue. A vó Rita que corria comigo um quarteirão e ficava cansada, depois minha mãe me xingava por que eu pedia muito pra ela correr comigo. A vó Rita que me criou. Engraçada a velha. Fala besteira. Falava que eu era uma menina muito daninha, porque eu só atazanava ela e o meu avó. Mas não convivi muito com ele. E com ela, até hoje. Dou comida na boca, olho bem nos olhos dela e penso quanta coisa ela já viveu, meu Deus. Que mulher forte. Até o meu pai morreu primeiro do que ela. E minha mãe, o ser mais iluminado desse mundo, um Amor tão imenso pela mãe dela, pela minha avó, que eu acho lindo de ver, que me dói o peito de tanto Amor por essas duas mulheres que me criaram com tanto carinho. Abraço, beijo, aperto, mordo demais, até transmitir tudo de bom que eu sinto, o quanto eu sou grata por essas duas raridades na minha vida. Dona Rita, minha linda, meu amor, cheirosa, marota, uma casca de braba quando quer, que eu dou risada, porque ela fecha a cara, fica emburrada. D. Rita, eu te Amo tanto. Que saudade de tudo. Das casas onde a senhora morou, onde eu pude brincar, onde eu tive uma infância tão gostosa, comendo sua comida de vó, os bolos, o café toda manhã, a senhora escolhendo feijão e me deixava ajuda-lá. Feijão de feira, que vinha sujo. Sentava na mesa, derramava o feijão. O bom aqui, o sujo ali, depois colocava na panela de pressão e como eu amava aquele barulho da panela, aquele cheiro se alastrando pela casa. Até hoje. Dona Rita que falava: 'que pão de homem' quando olhava o Tarcisio Meira nas novelas ou o Galvão Bueno. Era só risada. Menina daninha. Ela acordava cedo e lavava o rosto com sabonete. Ai eu falava que não precisava de sabonete pra lavar o rosto, não sei porque, mas eu achava que não. Tão linda, o chinelo arrastando, o cabelo sempre armado quando tava comprido. Vó do céu, a senhora é um pedaço de mim. Vó, como a senhora está cheirosa, linda. Eu te amo.
Estendo as mãos juntas pra ela. Benção, vó.
Deus te abençoe, fia.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Chico, meu bem.

saudade de ouvir Chico
das letras lindas
das letras que lembram momentos lindos
dos meus amigos
violão, risadas, saudades.

saudade de ouvir Chico hoje.
- quem é voce? adivinha se gosta de mim. ( noite dos mascarados)
- tinha cá pra mim que agora sim eu vivia enfim o grande amor, mentira. ( samba do grande amor)
- olhos nos olhos quero ver o que você diz, quero ver como suporta em me ver tão feliz (olhos nos olhos)
- pedro pedreiro fica assim pensando e assim pensando o tempo passa e a gente vai ficando pra trás (pedro pedreiro)
- arrasa o meu projeto de vida, querida, estrela do meu caminho (a rosa)
- ai que vida boa olere, ai que vida boa olará, o standart do sanatório geral vai passar ( vai passar)

um cheiro todo cheio de saudade para todos meus amigos
para meus amigos teatrais, do vínculo, da peste, do único.
para nossa essência misturada em algum ponto de nossas vidas.

E pela minha lei a gente era obrigado a ser feliz

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

De manhã, levante a tampa

Tsc. Sei lá o que que ele pensa, pensei comigo. Sei lá eu da minha vida. 

um sono repentino me bateu, mas não quero dormir. o dia está lindo e eu não posso dormir. é céu azul.
no meu sonho sonhei que eu corria de um assassino, mas eu não saía do lugar. depois eu virei assassino e dei dois tiros à queima roupa num moço que corria feito uma gazela. havia ainda mais duas meninas comigo e elas viram meu ato cruel, também riram comigo. filmei-me matando o cara, não sei se ele morreu. filmei com um sorriso no rosto, um ódio meu escorrendo no sangue dele. depois me dei conta do que eu havia feito, ali mesmo, no sonho, e acordei suando bicas, no lençol limpinho da minha cama, a luz fraca entrando pelas frestas da janela. me senti horrível, um assassino de merda, um canalha, um absurdo. fiquei com medo. eu não tinha apagado as provas. a câmera, estava tudo ali eainda tinha aquelas meninas que estavam comigo, mas elas não contariam, pelo menos eu contava com isso. dormi de novo e tentei voltar ao meu sonho. consegui. a camera, a camera... onde está? tentei lembrar como era o cenário. era uma casa antiga, talvez abandonada. tinha um portão talvez de madeira, quase uma porteira, onde estava o corpo. me lembro que havia muita luz vindo contra meu rosto, então no momento do tiro, parecia uma coisa muito iluminada onde sumiu o corpo. a gazela. ele era alto e magro e usava uma camisa de flanela. não vi seu rosto. atirei nas costas, um na omoplata esquerda outro quase no meio, ele deu um grito de dor, o tronco indo pra frente, as pernas ficando pra trás. a cabeça, a boca bem no chão com tudo, fazendo quicar uma vez a cabeça mole. mas agora eu quero a camera e não acho, quem sabe em cima do criado mudo, na cômoda... tinha uma bolsa em cima do sofá, abri. lá estava a prova do crime, aliviei e tensionei ao mesmo tempo. que merda que merda que merda  liguei a camera, o vídeo da morte. dois tiros nas costas, risadas satisfatórias de assassinos, cúmplices de crimes. que horror! passei a mão no meu rosto, gotas de suor, e então apaguei o vídeo sentindo um certo alívio. as meninas haviam sumido. voltei pra fora, no pé da porteira, não havia mais corpo, uma poça de sangue. ele morreu? quem o tirou daqui? olhei em volta, a mesma luz forte fazendo arder os meus olhos suados, ardia. minha camisa de flanela também molhada, eu era um assassino sem provas contra mim. era um assassino. frio, nojento e burro. mas olhei para trás e vi um vulto saindo da porta de onde saí. acordei de repente e a mesma calmaria no quarto, um passarinho piando como sempre faz toda manhã, minha cara de asco, remorso, engruvinhada feito meu lençol, minha cabeça caiu no travesseiro e de repente voltei ao sonho e vi o cara que corria feito uma gazela, apontando uma arma pra mim, ele sangrando, cara de ódio, as duas meninas surgiram do nada na minha frente- eu não fiz nada, disse a ele, mas ele não ouviu, porque não saiu mesmo minha voz, você não sabe da minha vida, sei lá eu da minha vida, gritava e gritava, mas ele não ouvia, ele entendia meu olhar, um silêncio constrangedor, pensei que poderia correr, mas ele atiraria de qualquer jeito, as meninas quietas, rindo baixinho, silenciosa, não havia qualquer som nessa cena, virei-me em camera lenta em direção à porteira, o cabelo acompanhando o movimento em sincronia com as mangas grunges da camisa, tudo, tudo em camera lenta, até minha dor de assassino-morto, assassino-burro, a luz forte ficou mais forte me cegando completamente, senti a unha me perfurando a omoplata, uma bem embaixo logo em seguida, um grito parado, calado, horripilante, minha cara de asco, caí com a cabeça bem no chão de terra, quicou duas vezes. dois tiros também. duas meninas. dois assassinatos. o número não conta. sei lá eu o que conta. mas o número é pura coincidência, um ciclo vicioso de suor risadas malígnas. acordei era claro, sorri nervoso, respirei bem fundo sentindo minha dor tão real, meu remorso do sonho. sentei na cama e meus pés marcavam o piso do chão, levantei e fui ao banheiro, olhei-me ainda inteiro no espelho, ri de alívio, tudo bobagem e mijei um xixi eterno soltando minhas impurezas no esgoto.