Estava voltando da padaria, aqui mesmo em São Paulo, quando numa esquina (que eu quase nunca passo), vejo um monte de manchas pelo chão. Olhei então um pé de amora, torto, cheio de amorinhas simpáticas, verdes, vermelhas e roxas. Já vi muitos pés de amora por aqui, em plena paulicéia, assim, de súbito. E achei isso lindo demais. É claro que parei e comecei a colher amoras e comê-las ali mesmo, naquela esquina. Que delícia. Que nostalgia agradável me deu. Porque eu me lembro, isso há uns dois anos atrás, quando fui com meus amigos do teatro para o sítio da Arielli, isso lá no interior de São Paulo, e descobrimos no meio do pomar um pé de amora. Acho que esse foi o ponto crucial para eu passar a gostar mesmo de amoras. E nos lambuzávamos de amoras, a boca toda roxa, a mão toda manchada e conversávamos e ríamos e fazíamos caretas. E foi daí que surgiu as caretas de frutas. Cara de amora, cara de côco, de maracujá, de morango... Amora tem um aspecto simpático, como eu disse, e é toda alegre, então é só dar um sorrisão assim, de orelha a orelha, arregalar bem os olhos e olhar para o lado, pronto, essa é a cara de amora. Maracujá tem cara de malandro. Isso é tudo. Côco tem cara de ¬¬ . Jaca tem cara de desesperada, pois não sabe quando vai cair e se espatifar no chão. Infinitas caretas fizemos, e isso era a diversão garantida, porque sempre tínhamos piadas internas engraçadíssimas e meu Deus, como tudo aquilo era bom.
Um pé de amora em plena São Paulo. O dia cinza, chuviscando, eu voltando da padaria. Um simples pé de amora,e isso foi como um passe de mágica. Voltei sorrindo com a sacolinha de pão numa mão, a outra o guarda-chuva fechado. Tudo pareceu mais simpático. A mulher com os cachorrinhos, o menino de pijama comprido e de meias saindo na frente de casa, a mulher de vestido roxo saindo do carro assoviando alguma música. E é difícil ver alguém assoviando. É difícil ver esse pequeno prazer da vida. Mas comi, comi as amoras e o meu dia sorriu, como se pela primeira vez o dia tivesse sorrido pra mim.
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