"Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!
Casimiro de Abreu
Ahhh,que dia envelhecidamente nostálgico e maior. Meu aniversário. Meu...exclusivamente. Quase duas décadas de existência distorcida e absolutamene real. E eu,num sono profundo por acordar mais cedo,penso que o dia não acabou nem teve festas com os passarinhos,tudo normal.Mas lá dentro de mim,na transição já projetada,sinto-me borbulhando de alegria e satisfação por chegar num momento único e grandioso dessa minha vida nunca dantes experimentada (observe que uso essa frase constantemente. Muito obrigada,Camões, por essa passagem deveras muito bonicta).
Bolo? Língua de Sogra? Ham? Ah,não,meus senhores convidados...nada disso.Foi-se o tempo que eu chegava do catecismo,cansada e com fome,depois de um dia corrido (porém muito agradável),e encontrava a luz apagada e um bando de pessoas querendo rir e fazendo "shiuuuuu". E então eu,alegre (e também muito sabida daquela existência surpresa),abria a porta temendo na verdade ser nada demais quando de repente começa palmas e cantorias tradicionais. Que delícia. Que ego! E todas as crianças que eu gostava e sempre brincavam comigo na rua se faziam presentes. Meu primo,meus vizinhos,amiguinhos da igreja,minhas tias,meu pai bobalhão por me trazer sem nenhuma suspeita até o momento,minha mãe rindo para os outros,meu irmão esperando ávido o bolo e o refrigerante. Os meus avós paternos sempre estavam presentes nessas datas,e minha avó é que fazia o bolo na maioria da vezes,um bolo que só ela sabe fazer:de chocolate,coberto com morangos e confetes e mais raspas de chocolate. Deliciávamos na nossa mais aconchegante casa na minha festa surpresa. Teve até uma vez em que eu estraguei a minha festa supresa,por motivos que até hoje desconheço. Ahhh,senhores membros do júri,todos que se faziam presentes ficaram deveras muito decepcionados e isso rendeu-me xingamentozinhos de leve durante quase toda a festinha. Foi assim: cheguei,devia eu fazer uns 10 anos,( dez anos,reparem,hoje faço dezoito!Oh,o que são oito anos a mais?) e havia na frente de casa alguns carro,e eu sempre reconhecia o carro branco e redondo da minha tia;entrei e a luz estava apagada (como toda festa surpresa que se preze) . Caminhei então junto ao meu pai pelo corredor que dava para a porta da cozinha e quando abrimos a porta,eu(confesso,num tom irônico e debochado) comecei a cantar parabéns muito antes de todo mundo (risos). Ah,lembro-me agora e parece muito engraçado. Todos pararam com uma expressão desagradável e acenderam a luz e fizeram num coro nada tragédia grega: Ahhhhhhh Cássia!
Deixe-me lembrar. A única festa de arromba que eu tive,e era digna mesmo de ter (já que quando se cresce mais se é esquecida ),foi aos 6 anos. Seis anos,meu povo,uma criança adoravelmente gorduchinha com bochechas rosadas,uma saia xadrez com um sapatinho de boneca,o cabelo num rabo de cavalo charmosérrimo e uma blusinha branca. Meus pais alugaram um buffet (bifê) chamado Papo de Anjo ( muito famoso por aqui),com direito a tudo: piscina de bolinhas,discoteca,fliperama,docinhos,salgadinhos,a mesa mais enfeitada de bolo com carrosséizinhos e brigadeiros,uma garçonete com óculos fundo de garrafa e aparelho,meu irmão gordo e suado no fliperama ( só ele jogava e só saía para comer),as gêmeas idênticas na cola dos pais,muitos presentes,eu perdida e alegre no meio de tanta gente.
Antes de mais nada,lembro-me com muita alegria e orgulho de um aniversário que tive aqui em casa - parando para pensar agora,vi que eu tive muitas festinhas absolutamente bonictas. O que mais me acentua nessa minha memória saudosa é a presença do meu avô. Ele,naquela noite,foi a estrela da festa. Brincamos muito,muito mesmo,até todo enjoar de nos ver brincando.Eu,meu avô,e toda a criançada que eu adorava. Corríamos,fazíamos roda,gargalhavámos,sujávamos no chão e de vez em quando parávamos para tomar um copo de refrigerante. Ao final,nos encontrávamos em estado descabelado e suados. Depois todos diziam:"Poxa,o seu avô é o máximo,quero uma vô igual o seu. " E eu,contente e exclusiva por ter um superavô,gabava-me e sorria: " Ah,ele não é mesmo o melhor avô?".
Falando em avô e No Avô,hoje também,por uma coincidência irônica e absolutamente feliz,é o aniversário dele.José Pires de Oliveira. Nasci no dia em que ele comorava anos.Agora imaginem,avôs e avós de todo mundo,que presente lindo que ele não recebeu? Eu. (Parabéns meu avô querido e lindo,que possamos comemorar juntos essa data única que compartilhamos a partir daquele parto).
Hoje acordei com uma carta da minha mãe em cima da cômoda empoeirada e antiga. Foi o presente mais bonicto que recebi dela porque ela nunca havia me redigido uma carta sequer. Fiquei assustada ao perceber que a danada escreve muito bem,saudosa e nostálgica como a filha. Aniversário passado o presente mais digno de coração que recebi foi um violão quebrado (foi,foi sim o mais digno). Ainda tenho o dia todo pela frente. O sol está lindo como sempre,os pássaros no seu cantar matinal,o friozinho envolvendo meu corpo que parece ser o mesmo que o de ontem.
Felicidades? Isso é totalmente psicológico. E meu psicológico agora é de todo muito feliz. Aliás,ficar mais velha sempre tem o lado bom.
2 comentários:
C'est La Vie
Lágrimas de mel, sonhos e cartas em cômodas antigas, leve, alegre e triste. Eis a crônica da vida.
Tão perto, e tão próxima de seus leitores. Cássia, achoq eu todos deveriam te re-ler e conhecer esta mulher-menina tão especial. Te adoro tanto.
Tanto.
Tanto.
Tanto
Continuando
Minha linda, sua sinceridade me comove, as vezes não consigue ser assim, mas cada um tem seu brilho e seu valor. E o seu valor reside nesta parte tão delicada que são seus sentimentos e sua relação com o mundo.
Ah! que lindo, sua mãe escreveu uma carta. Depois me mostra alguma coisa.
Amore,
Agora estou indo trabalhar, volto amanhã para comentar os outros textos.
André.
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