quinta-feira, 24 de abril de 2008

Meus dezoito anos

"Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!
Casimiro de Abreu
Ahhh,que dia envelhecidamente nostálgico e maior. Meu aniversário. Meu...exclusivamente. Quase duas décadas de existência distorcida e absolutamene real. E eu,num sono profundo por acordar mais cedo,penso que o dia não acabou nem teve festas com os passarinhos,tudo normal.Mas lá dentro de mim,na transição já projetada,sinto-me borbulhando de alegria e satisfação por chegar num momento único e grandioso dessa minha vida nunca dantes experimentada (observe que uso essa frase constantemente. Muito obrigada,Camões, por essa passagem deveras muito bonicta).
Bolo? Língua de Sogra? Ham? Ah,não,meus senhores convidados...nada disso.Foi-se o tempo que eu chegava do catecismo,cansada e com fome,depois de um dia corrido (porém muito agradável),e encontrava a luz apagada e um bando de pessoas querendo rir e fazendo "shiuuuuu". E então eu,alegre (e também muito sabida daquela existência surpresa),abria a porta temendo na verdade ser nada demais quando de repente começa palmas e cantorias tradicionais. Que delícia. Que ego! E todas as crianças que eu gostava e sempre brincavam comigo na rua se faziam presentes. Meu primo,meus vizinhos,amiguinhos da igreja,minhas tias,meu pai bobalhão por me trazer sem nenhuma suspeita até o momento,minha mãe rindo para os outros,meu irmão esperando ávido o bolo e o refrigerante. Os meus avós paternos sempre estavam presentes nessas datas,e minha avó é que fazia o bolo na maioria da vezes,um bolo que só ela sabe fazer:de chocolate,coberto com morangos e confetes e mais raspas de chocolate. Deliciávamos na nossa mais aconchegante casa na minha festa surpresa. Teve até uma vez em que eu estraguei a minha festa supresa,por motivos que até hoje desconheço. Ahhh,senhores membros do júri,todos que se faziam presentes ficaram deveras muito decepcionados e isso rendeu-me xingamentozinhos de leve durante quase toda a festinha. Foi assim: cheguei,devia eu fazer uns 10 anos,( dez anos,reparem,hoje faço dezoito!Oh,o que são oito anos a mais?) e havia na frente de casa alguns carro,e eu sempre reconhecia o carro branco e redondo da minha tia;entrei e a luz estava apagada (como toda festa surpresa que se preze) . Caminhei então junto ao meu pai pelo corredor que dava para a porta da cozinha e quando abrimos a porta,eu(confesso,num tom irônico e debochado) comecei a cantar parabéns muito antes de todo mundo (risos). Ah,lembro-me agora e parece muito engraçado. Todos pararam com uma expressão desagradável e acenderam a luz e fizeram num coro nada tragédia grega: Ahhhhhhh Cássia!
Deixe-me lembrar. A única festa de arromba que eu tive,e era digna mesmo de ter (já que quando se cresce mais se é esquecida ),foi aos 6 anos. Seis anos,meu povo,uma criança adoravelmente gorduchinha com bochechas rosadas,uma saia xadrez com um sapatinho de boneca,o cabelo num rabo de cavalo charmosérrimo e uma blusinha branca. Meus pais alugaram um buffet (bifê) chamado Papo de Anjo ( muito famoso por aqui),com direito a tudo: piscina de bolinhas,discoteca,fliperama,docinhos,salgadinhos,a mesa mais enfeitada de bolo com carrosséizinhos e brigadeiros,uma garçonete com óculos fundo de garrafa e aparelho,meu irmão gordo e suado no fliperama ( só ele jogava e só saía para comer),as gêmeas idênticas na cola dos pais,muitos presentes,eu perdida e alegre no meio de tanta gente.
Antes de mais nada,lembro-me com muita alegria e orgulho de um aniversário que tive aqui em casa - parando para pensar agora,vi que eu tive muitas festinhas absolutamente bonictas. O que mais me acentua nessa minha memória saudosa é a presença do meu avô. Ele,naquela noite,foi a estrela da festa. Brincamos muito,muito mesmo,até todo enjoar de nos ver brincando.Eu,meu avô,e toda a criançada que eu adorava. Corríamos,fazíamos roda,gargalhavámos,sujávamos no chão e de vez em quando parávamos para tomar um copo de refrigerante. Ao final,nos encontrávamos em estado descabelado e suados. Depois todos diziam:"Poxa,o seu avô é o máximo,quero uma igual o seu. " E eu,contente e exclusiva por ter um superavô,gabava-me e sorria: " Ah,ele não é mesmo o melhor avô?".
Falando em avô e No Avô,hoje também,por uma coincidência irônica e absolutamente feliz,é o aniversário dele.José Pires de Oliveira. Nasci no dia em que ele comorava anos.Agora imaginem,avôs e avós de todo mundo,que presente lindo que ele não recebeu? Eu. (Parabéns meu avô querido e lindo,que possamos comemorar juntos essa data única que compartilhamos a partir daquele parto).
Hoje acordei com uma carta da minha mãe em cima da cômoda empoeirada e antiga. Foi o presente mais bonicto que recebi dela porque ela nunca havia me redigido uma carta sequer. Fiquei assustada ao perceber que a danada escreve muito bem,saudosa e nostálgica como a filha. Aniversário passado o presente mais digno de coração que recebi foi um violão quebrado (foi,foi sim o mais digno). Ainda tenho o dia todo pela frente. O sol está lindo como sempre,os pássaros no seu cantar matinal,o friozinho envolvendo meu corpo que parece ser o mesmo que o de ontem.
Felicidades? Isso é totalmente psicológico. E meu psicológico agora é de todo muito feliz. Aliás,ficar mais velha sempre tem o lado bom.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Póstumas palavras de cinzas.

Morram,meu senhores,morram. O dia acordou belíssimo,como acorda um bebê choramingando à noite.
Digam-me,ó meus irmãos,o que devo fazer hoje? Sair da rotina?
Vou falar com alguém. Eu nem sei o que escrever e escrevo mesmo para dissipar o tempo,para dizer que quando me alegro,escrevo;e quando escrevo é porque meu interior solitário e pensativo necessita expressar-se em míseras palavras que saem sem nexo ou vontade.
Quando eu morrer,quero que escrevam para mim,em folhas amarrotadas de papel amarelo,em folhas lindas e sedosas,em pedacinhos mínimos de folha de caderno e joguem comigo na minha cova ou queimem junto a mim,e então assim,na terra semeada de letras e papéis,estarei tão contente quanto pálida. É um desejo...por favor,pelo menos isso é o que eu peço,já que o medo de me abraçar e manter algum contacto é deveras assustador. E escrevam palavras bonictas,dignas de alegria e de um sol ameno num dia de outono,sem tormentos ou lamentações,nada de saudade. Saudade só se tem de quem se vive longe,mas vive; e já que não tiveram saudade alguma de meu ser em morte lenta em vida,que não tenham do meu ser em morte fixa em morte. É apenas um comentário que me deixa alegre,por saber que morrerei junto a papéis e palavras (dignas ou não,eu não saberei). Mas acho que ficar embaixo da terra,morta e sendo comida por vermes,não é de todo muito alegre. Pensem,meus senhores,a morte é um passo para a liberdade,é o auge de libertação corpo-alma de nossa mínima vivência, e,nessas condições,depois de se alcançar(no mais triste porém melancolicamente alegre) esse caminho inevitável,ser enterrada a lágrimas e a choros,num caixão meia boca feito por algum carpinteiro alheio ao facto,e ficar eternamente intacta num lugarzinho abafado e habitado por vermes,depois de ser velada e exposta a rostos nunca dantes vistos,é deveras muito incômodo. Incômodo em vida,imaginem depois de liberta. Não,não mesmo. Acho que o mais certo a fazer,senhores membros do júri,é doar meus órgãos usados exclusivamente por mim ( e só por mim) e salvar a vida de algum imprudente ou algum infeliz que teve o destino irônico. Depois então,de feito isso,(por favor,não esqueçam das mensagens nos papéizinhos),minha carcaça oca e pálida será queimada e minhas cinzas jogadas ao vento em algum vale florido e verdejante. Nada de mar, é muito clichê. Detalhe: outono. Nada de inverno,verão ou primavera.
Sem contar que,sempre em aniversário de morte ou feriados (esses feriados católicos e que festejam a morte ou ressurreição,Sexta-feira Santa,Sexta-feira de Cinzas etc) há os parentes que te levam flores (de plástico para não murchar) no seu último e eterno leito do cemitério. Pra quê? Levem flores descentes,Amarilis,Flores de Cerejeiras,gravetos secos...! Os vivos insistem em ter alguma ligação com o defunto e se esquecem da libertação. Por esses factos deveras muito insignificantes,quero meu corpo em cinzas(Cinza azulado pálido,Cinza-céu-nublado).Não quero ninguém na minha cova aos prantos;quero o quanto antes (depois de habitar o céu com anjos e arcanjos tocadores de harpa) me ver livre e alheia a esse mundo humano e cruel,ó meus senhores coveiros. E quando minha essência atingir o azul celeste ( ou vermelho ultraviolento das ilhas submergidas),serei apenas um nada num lugar que eu nem sei se existe. Um lugar que eu nem sei se existe,olha só.
Bem,de qualquer modo,ainda serei lembrada,se não por mim mesma agora em vida,mas por algum insecto voador que me atormenta nos ouvidos (coitado,morrerá em 24 horas apenas).
Senhores e senhoras,aplaudam com furor cada palavra escrita no dia de meu óbito digno de outono. É só um dia.No outro tudo começa de novo e acaba para algum número terrestre.
Nada como um novo dia para esquecermos nossos tormentos próprios do dia de ontem.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

102 postangens

Cento e duas. Empolguei-me tanto,que passei despercebida pela centésima. Estava querendo fazer A CENTÉSIMA...especialíssima na sua posição. Mas não de certo,assim,sendo um texto específico.
Hoje é segunda com uma cara terrivelmente de domingo. A monotonia,a nostalgia,a música francesa digna de um vinho e um charuto;mas eu não fumo,fica então,ó meus irmãos,por imaginar.
Já nem sei mais o que eu quero,por querer tanta coisa e por querer tanta coisa é que eu não quero nada. Nada. Nada me acontece excepcional. Tomei um pouco de yakult e estou faminta por alguma comida atípica,um sabor diferente qualquer que faça minha língua queimar e meus testículos imaginários ficarem atordoamente agitados.
A lua,no seu leito virginal alvo e macio,ilumina com tamanha beleza nossa Terra amada. Aliás,a lua ilumina nada,quem ilumina,indiretamente são os raios graciosos do Sol,num furor sem dia e sem noite de suas chamas crispando ódio. E é incrível como todo esse calor e ódio trasnforma-se na serena e adorada lua de nossas noites solitárias,porém muito agradáveis ( dependendo,é claro,do humor e de indiretas de terceiros).
Cento e duas postagens,digo para mim mesma. Só é mais uma na trágica trajetória incerta desse blog. Mas fico feliz por continua-lo alegre e surreal.

"Vou-me embora pra Pasárgada"

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Tive uma sede terrível de escrever minhas palavras aqui. Medo,ansiedade,alívio,necessidade e outros factores comuns. Tudo isso rendeu frases e frases das mais aliviadoras possíveis. Vomitei tudo o que queria,nesse meu mundo virtual blogdesco empoeirado,como se a única solução para minha continuidade terrestre,fosse me esbanjar de palavras jogadas aleatoriamente,na esperança de que elas se arrumassem,como num jogo de palavras e transmitissem um nono de minha inexperiência vital.
QUE DELÍCIA!
Alguém,por favor,traga-me um copo de leite.
O mais alvo e puro leite.
Leite.
Vinho.
Água.
E sabe,o mundo paralelo pode convergir com o real.Aliás,mundo paralelo,ó meus senhores investigadores,só é uma desculpa chula para satisfazer nossos desejos proibidos,na tentativa de encaixar alguma coisa que valha a pena na inconstante vida sacrificada do nosso íntimo.
O outono! ! ! ! A mais bela e amante estação. O sol,de manhã,caminhando para o auge no seu pôr,é magnificamente encantador quando se fundido com o vento uivante balançando meus cabelos sujos e brilhantes,deixando-os mais claros,de um castanho encantador,e eu,fechando meus olhos temendo uma partícula de poeira invasora,fico graciosamente parecendo uma criança indefesa no alto de um penhasco. Eu fico sorridente e abobada,só de pensar que posso desfrutar dessa beleza e agradeço(como uma índia virgem) o deus sol e o deus vento por tamanho poder sobre nossos corações indefesos,por tamanho poder sobre os animais hirsutos e grotescos.
Tenho apenas dezessete anos. Tenho apenas mais seis dias para desfrutar na minha menoridade e penso que isso é como o fim de um caminho.Não,o fim de uma fase,de um ciclo que ficará para trás. Toda minha infância e juventude fecharão,como se fecha um ano velho e de repente estamos em ano novo um segundo depois,e pensar que,há 5 segundos estávamos em outro ano que nunca mais voltará,mas ficará guardado,como pastas num arquivo enorme de uma sala mais enorme e assustadoramente com suas prateleiras até o teto que também é muito alto para alcançarmos a luz.E então,na minha nostalgia e sede de querer reviver tudo novamente,verei que é impossível olhar pasta por pasta daquele arquivo e a única coisa a fazer é colocar mais documentos e documentos não assinados em mais pastas. Ou seja,não reveremos,nessa nossa trajectória de vida enigmática,sequer uma linha de um papel desfeito e amarelo do porão de nossa vivência.
O que eu quero dizer é que no outono,por tudo parecer tão belo,lembro-me grandiosa e saudosa de meus tempos remotos,do meu pai,dos amigos que não vejo,daquelas pessoas momentâneas que me venderam pirulito na padaria. Das viagens de carro que eu adorava fazer,só porque minha mãe,para nos agradar,levava um monte de guloseimas para apreciarmos na viagem tão longa como única de nossas vidas infantis. Minha e do meu irmão,que hoje,numa frequência de chatice não tão diferente de quando o conheci e tive consciência disso,não tem nada de infantil e sim de afastamento. Nem o vejo,mesmo morando na mesma velha e amada casa,onde ele,parecendo um pássaro gordo e odiado,aninha-se no seu quarto tão valioso como ele o acha,e tranca-se até algum de seus amigos ou uma fome apareça. Só. Os únicos grandes motivos são infames diante de uma irmã e uma mãe. O pai já morreu mesmo,então não há porque ele sentar na sala e assistir os programas ridículos da TV.
E eu,solitária quanto ansiosa por procurar palavras que me façam valer a pena,sento-me lá fora,com o sol na cara e o vento uivando,esperando que alguma coisa extraordinária apareça na minha vida. Um extra terrestre verde de antenas,ou um super herói voando o céu e cair,com restos de nuvens,no meu quintal levar-me até algum lugar muito bonito e desfrutarmos de experiências nunca antes imaginadas.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Conto vinil cor de vinho

"O vinho faz esquecer as maiores preocupações."

Sêneca



Bebi o vinho na noite semi-fria quanto abafada na minha blusa de lã azul marinha. Ontem mesmo,antes de ir para a aula,planejei calmamente(porém ansiosa) meu momento único e solitário. Como havia dito,esse meu desejo repentino veio com tanta força,que eu não podia adiar os goles extasiantes.

Deixe-me,ó caros senhores alcóolicos anônimos,falar-lhes sobre o tal ocorrido .

Saí de casa com o cabelo molhado,o sol estava se pondo e o céu no seu laranja roseado mesclado aos poucos com o roxo acinzentado azul muito escuro.Ninguém imagina o prazer que é ver essa natureza tão bela (quanto esgotada),produzir seus quadros momentâneos no céu passivo e bonzinho;e ninguém imagina ainda o quanto isso me deixa deveras muito sorridente,como uma criança boba jogando bola em pleno sábado ensolarado,com o seu pai que há muito não o via. Minha idéia fixa de tomar vinho encorajou-me ainda mais,eu sabia que não adiaria isso para outro momento,porque tinha de ser e eu precisava. Ah,não,senhores leitores incompetentes,não sou nenhuma alcóolatra,mas amo tomar um vinho socialmente comigo mesma(porque até agora não tive oportunidade de tomar com uma companhia agradável ) e há tempos que não tinha essa iniciativa de beber. Aliás,não vivo mais a época em que eu e meus amigos reuníamos para nos "embebedar" ,em qualquer praça da nossa cidadezinha do interior(que como muitos sabem,cidadezinhas do interior têm muitas pracinhas com banquinhos aconchegantes e simples,onde,à tarde,velhinhos com o chapéu solto na cabeças mascam fumo e jogam milho para as pombinhas).Ah! Éramos adolescentes filosoficamente chegados a uma bebida,eu em particular não gostava das destiladas,enojavam-me deveras. Comprávamos vinho,cerveja,vodka,canelinha,menta e tudo o que os meninos queriam. Disse "meninos",porque eu era a única menina da turma,que era constituída por mais uns sete meninos. Tudo bem,nós convidávamos mais uma menina para sair e tivemos um "rodízio" de alguma companheira para nós,mas eu era a fixa.Cada temporada uma menina nova saía conosco.E cada uma era a menina que o meu amigo beijava,assim,nos momentos em que ele achava que amava a menina;e como o "amor" sempre acabava,arranjavamos outra para nosso passeio nortuno e musical. Esqueci de mencionar que tínhamos membros do grupo que tocavam algum instrumento como: violão(todo mundo tocava violão),pandeiro,bateria,cavaquinho,chocalho e tudo quanto arranjavamos para nos divertir e cantavamos nosso rock n roll antigo,fazendo dancinhas e bate cabeça;e ríamos e conversávamos coisas existencialistas como inúteis. Ah! Eu poderia passar o dia todo escrevendo sobre esses momentos,mas eu devo voltar para o ícone principal desse texto,que é a minha pequena saga do vinho (prometo que escreverei um capítulo sobre a boemia tatuiana juvenil).

Cheguei no ponto de ônibus e uma menina gorda e com o nariz entupido perguntou-me se o ônibus demoraria,porque ela precisava ir para a rodoviária pegar o último ônibus para alguma cidade que eu não lembro. Mas ainda faltava uma hora para a saída,e até lá levaria uns vinte minutos.Disse a ela que o ônibus não demoraria e ela agradeceu com sua voz fãnha.

Entrei no ônibus e segui até o ponto desejado que fica uns trinta metros da minha escola. Há um bar pra cima da escola e foi lá que entrei sorrindo por dentro das minhas entranhas dependentes.Pedi educadamente um vinho barato,quando a mulher,numa expressão de receio e medo passivo,perguntou-me a minha idade.

- " Você é maior de idade?"

- " Não senhora,mas falta uma semana para eu fazer dezoito anos"

- " Sinto muito,mas não posso vender para menores"

Fiquei com uma cara de pai de família que calcula errado o dinheiro do final do mês e se sente incapacitado por tamanho erro. Mas no meu caso,eu poderia dar um jeito.

- " Os fiscais estão em cima da gente,só aceitamos com o documento"

- "Tudo bem,senhora. Muito obrigada"

E saí indignada com a situação. Eu sou muito a favor de não vender bebida para menores de idade,mas naquele momento eu estava indo muito contra isso. Sou menor e contra essa lei ridícula,mas daqui uma semana,serei totalmente a favor de não venderem álcool para esses pervertidos dependentes juvenis,e apoiarei a fiscalização nas ruas.Proibir apenas não adianta,todos sabemos que o tráfico de drogas é o que mais gera dinheiro no país,assim como o tráfico de armas e esse contrabando todo.O que qualquer dolescente menor faria era encontrar um amigo mais velho e pedir que comprasse a tal bebida alcóolica... e foi o que eu fiz.

Não muito desesperada,desci a rua inteira a procura de um amigo. Até que tive a brilhante idéia de descer até o conservatório e lá encontrar alguém bondoso e querido. Fiquei na frente esperando alguma alma conhecida até que de repente surge minha iluminada irmã-amiga,faltando dez minutos para começar sua aula de dramaturgia. Disse a ela para comprar um vinho para mim,pois,como eu era menor,não podia. Ela,depois de muito insistir,aceitou e foi comigo ao bar mais próximo que ficava do lado da rodoviária (onde aquela gorda de nariz trancado deveria estar esperando o seu ônibus). Ah,meus senhores,não havia o vinho que eu queria,só o Dom Bosco (que não deixa de ser bom,por ser um vinho barato) e como era o único que tinha levei aquele mesmo,pois já estava de bom tamanho para minha sede duradoura desse líquido.Acompanhei-a até o conservatório onde sentamos num banco debaixo de uma árvore em crescimento,e conversamos sobre assuntos que só nós entendemos e abominamos. Eu,com o canudinho na garrafa,deliciava meu suco de uva. 880 mililitros de vinho. Achei que fosse beber tudo,assim,para ter certeza de minhas alucinações ridículas,mas não cheguei nem na metade e já começou um enjoo pequeno. 7 e 15 da noite:ela estava quinze minutos atrasada e eu ainda tinha que entrar na segunda aula. Subi até os aposentos de artes cênicas,com a garrafa na mão,como uma criança bebendo refrigerante depois de um dia cansativo de brincadeiras. Vi com grande nostalgia,através da porta que se fechava,os meus amigos teatrais sentados em roda esperando a ordem do professor para começar uma atividade. Esse grupo que eu fazia parte,mas abandonei por priorizar outra coisa,outro futuro,outro enigma.Enfiei o vinho na mochila,depois de levar um breve xingo da professora,que disse-me que não pode bebidas alcóolicas dentro daquela escola.

Saí do conservatório e apressei-me até a escola,com esperança de poder dar mais uns goles antes de começar a aula. Sim,consegui dar mais alguns goles e enfiei na mochila a garrafa. Subi três andares de escadas ( não sei porque não colocaram elevador naquela escola),meio feliz,meio aliviada por desfazer um pouco da minha seriedade conservadora. Assisti as aulas numa calma e a alegria que eu não havia experimentado.
O facto é que,eu achei que eu ía me embebedar horrores com aquilo,mas isso não aconteceu. O que por um lado é muito bom,pois não passei mal,nem fui até o Conselho Tutelar por ficar bêbada e levar bebida na escola (caso alguém me denunciasse). Mas eu queria ter ficado um pouco mais alterada,acho que eu sei meu limite,mesmo querendo ultrapassa-lo.Ahhhhh!! (suspiro) O resto que sobrou,ainda pude bebericar no outro dia,sozinha,sentada no banco da praça,com uma luz muito fraca sobre mim,onde eu terminava de ler o meu livro que já deveria estar terminado. Só que como era pouco,não fez efeito algum.Talvez se fosse uns três anos atrás,eu estaria muito alegre com aquela quantia miserável.
Não posso ficar comprando vinhos baratos todo dia que for para aula. Não posso me basear nisso para ficar mais aliviada e jogar,como uma bola quebra a janela,metade do meu medo e seriedade fora.Dormi muito bem nesses dois dias,confesso. Fui para a cama sem pensar horrores de uma vida,sem imaginar pessoas que eu queria,sem me martirizar por não fazer as coisas. Mas também não posso dar todo o crédito,para o aquele vinho(embora tenha uma enorme parcela nisso).
Então eu elogiei uma menina muito bonita que havia na minha frente. Elogiei-a para alguém do meu lado,mas pensei comigo como ela tinha um sorriso encantador,os cabelos longos jogados nas costas,ela conversando com um rapaz que eu nem imagino quem seja,mas deveria ser algum zé ruela sendo simpático tentando agradar a bela menina que escutava,sorrindo,suas palavras que eu não ouvia,e tudo parecia uma música em torno dela: ela no primeiro plano e um borrado de pessoas atrás,em camera lenta.
Ah,vinho! Degusta-me no seu mais gelado estado de sobriedade,e faz-me a mais insana das criaturas!

quarta-feira, 16 de abril de 2008

O mito,o conceito,minha traição.

Não há nesse mundo pessoa que me faça entender o que eu quero entender sobre um momento único que ela tenha vivido. Um único momento de uma pessoa. Só,só isso que eu peço. Mas eu minto.
Não é só isso que eu quero entender,porque eu sei,conhecendo-me desde 1990,que se eu desejo compreender um único mísero momento de alguém,terei que entender todos os míseros e pseudo excitantes momentos de tal. Um momento não condiz com o outro,a mente não é a mesma. O sentimento não é o mesmo e é isso que me incomoda: o ser humano não ser constante. Não há uma fórmula tosca que determine o que se passa numa mente cruelmente sã de uma menina chorando por causa de uma palmada na bunda,nem de algum momento rápido de um olhar entre duas pessoas que se encontram no aeroporto;porque eu sei,que dali um minuto tudo já não é o mesmo,o desejo é outro,o humor amargamente modificado. Ah! senhores do tribunal,isso me corroe por dentro. E se eu tivesse certeza de alguma coisa? E daí? Eu também não faria absolutamente nada...sentaria no sofá e beberia um capuccino gelado polvilhado de canela e depois sentaria aqui nessa cadeira(tão velha quanto a idade de meu pai já morto)e escreveria que a essência humana continua,e continuará para todo o sempre, corroendo a própria essência de egoísmo e não-libertação.
E sabe o que ando fazendo? Lamentando a minha própria existência. Depois de uma conversa com meu professor de português (o primeiro contato que tive com ele),discutindo sobre Mitos e no que um ser humano se apóia nessa sua vida incalculável e enigmática,vi que todo mundo é absurdamente a mesma porcaria de interrogação. E senti-me (depois de uma citação rápida) como uma Macabéia ( a própria de Clarice Lispector),reduzindo-me a nada com direito nenhum sobre qualquer coisa nesse mundo. Aliás, tenho assim,uma admiração escondida por ele. Ele é um professor deveras muito bom e tem alguma coisa nele que me chama a atenção. E até contrastanto com meu ex-professor de português,há nos dois um lado muito interessante e adverso: um é velho e fanático católico(como mesmo percebi depois de uma comparaçãozinha meia boca),seguindo seus conceitos arcaícos,porém de muito valor,creio eu...com uma visão idealista e caótica;o outro mais jovem e católico não-praticante(não posso afirmar essa parte),porém com uma visão mais aberta e simples de se entender. Nossa,percebi agora,um pouco mais,essa diferença entre eles e me alegro,por um momento não tão saudoso,por conseguir entender pouco,muito pouco sobre alguém.
Eu tenho direito a alguma coisa? Tenho o direito de comer cachorro quente e coca-cola e não vomitar,por achar que não devo desperdiçar? Ah,que papo mais inútil.
Que prisão,meus senhores condenados.
Esqueci de dizer,que,em alguns pontos eu e o meu professor temos idéias muito parecidas...que eu havia há muito pensado porém,nunca discutido. Era sobre isso mesmo,de se apoiar em algo...seja em Deus,em deuses,em uma garrafa...e eu acabei de perder meu raciocínio devido um incidente incomodo do telefone tocando,onde fui apressadamente atender e ouvi a voz da minha mãe que começou,sem mais nem menos com seu sermão.
Vou trabalhar na roça e esquecer toda essa vida ingrata.
Vou limpar casas e cuidar de crianças. Mentira...o que eu queria mesmo era vender sorvete na rua,porque sempre achei uma experiência muito engrandecedora (embora não me veja nisso o resto da minha vida). Abomino esse sistema capitalista,que me deixa ainda mais pressionada entre quatro paredes. E como tudo é uma questão de ponto de vista,creio que agora o meu é desfavorável e odioso para com esse sistema. Embora também,seja muito chato ver que a outra pessoa anda com o mesmo carro que você. É a vida,um pé lá outro cá.O meu corpo está inteiro para algum lugar que eu simplesmente desconheço.
Preciso encontrar o equilíbrio e não mais reprimir meus desejos. São eles que estão me corrompendo. E sei...é o meu próprio desejo que trai os meus próprios conceitos conservadores.
Sei que é deliciosamente gostoso sentir os cílios de alguém,assim como é bom saber matemática(nem que seja o mínimo) um dia da sua vida.

Dionisíaca sozinha

Do que adianta você ter essa alma colada aos ossos, dessa carne errada.Sem o risco a vida não vale a pena.Se você não quiser arriscar, não comece.Isso quer dizer: e se você arriscar e perder namorada, esposa, filhos, emprego, a cabeça e até a alma?Mas é sempre melhor isso, do que olhar para todas essas outras pessoas que nunca acertam, porque nunca se propõem ao risco.
Johann Wolfgang von Goethe
Preciso urgentemente de alguma bebida com álcool. Digo,posso esperar mais algumas horas,posso aguentar o peso até não sei quando. Já planejei o momento crucial dos goles de vinho barato que espero que esteja gelado(apesar do frio quero tomá-lo gelado).
Eu tinha tantas coisas para escrever e parece fugir da cabeça. No porão úmido da minha memória,que parece resgatar aleatoriamente os factos e repuxar cenas lacrimais,tudo ecoa lento e agonizante.No cristalino cansado,vejo que a realidade não condiz absolutamente nada com meu mundo psicológico,paralelo,virtual e seja lá o outro nome que eu queira dar. Sinto que tem um dragão imenso que quer sair de mim,o que machuca,às vezes,suas garras e cuspidas de fogo.
Ígneo fantasma veste-se de tudo quanto é roupa,e eu ouço assim,lá no fundo do meu desejo,o mais crucial desejo,que o que eu desejo mesmo é vestir-me de fantasma.
" Navegar é preciso
Viver não é preciso"
Fernando Pessoa sempre foi (desde que o conheci,que não faz muito tempo) tão conciso e amplo,que falta-me o mais para descrevê-lo. Pra mim parece ser,ou melhor,tem que ser,tudo tão preciso e calculado. Pára,meu bem.Aonde você quer chegar ?Ou melhor,porque você quer retrair,involuir? O negócio é progredir,ó minha cara senhorita .
Precisava,de facto,contar tantas coisas,ó meus queridos irmãos e únicos amigos invisíveis. Estou fechada para manutenção,mas digo,agora,excepcionalmente nesse momento uma faixa preta e amarela passou sobre mim e me envolveu,tapando,um pouco mais que vagamente,o que eu desejava falar.E isso é ruim,vendo pelo lado que quando eu escrevo,melhoro um pouco. Devo estar absurdamente transbordando de idéias,o que dificulta um pouco a passagem. Bem,acho que algumas já saíram e as outras ficarão um tempo,sendo elas separadas em alguns capítulos (inevitáveis,porém indesejáveis).
O que me assusta mais sou eu mesma...e mais alguns olhos e palavras.
Queria escrever um conto totalmente adverso de mim. Sei lá,uma história sobre ratos que morreram no porão do navio,quando este afundou,por causa de uma baleia azul (FIM).
E esquecer de todo o quanto é ruim uma transição cretina de psicológico infantil- adulto e achar que o mundo deveria acabar para que nosso sofrimento inútil acabasse deveras.
Sofrimento sem fundamento algum.
Sofrimento como pretexto de alguma coisa,de impossibilidade,de qualquer micharia de alegria.
À noite estarei pronta para deliciar algum vinho. Um chocolate. Eu comigo.
Saudarei o deus Dionísio (esse nome me soa ambíguo,por factos passados que deveriam vir ao caso,mas achei melhor ocultá-lo),um ato pagão. E se fosse na Idade Média estaria sendo queimada ardorosamente numa fogueira mal feita de madeira com cupins amigos. E andarei na rua,cantando alguma coisa desconhecida.Esses sons que ninguém adivinha o que é,só para dizer que está em transe. Em transe. Trânsito. Transitar - Verbo Transitivo Directo.
Minha terra tem palmeiras.
Baco.
O Dionísio (grego,tão grego quanto resumido,durante três meses,em nada) que esteja muito saltitante e que,em algum dia de sua vida,num ridículo resgate rápido e nostálgico de sua mente,lembre-se com minuciosa saudade,de que eu,no momento mais doce e extasiante do meu ser,na noite silenciosa,não fui senão alguém tão indefeso e ansioso,que pararia tudo quanto é tempo e moscas. Mas é horrível a idéia de não ter controle nenhum sobre as situações (tempo-espaço). E se hoje estarei bebendo vinho,é porque minha boca e meu dentro pedia um delírio,mas naquele momento e tive que adiar(eu estava lendo) por motivos maiores e pelo lugar. Adiei para hoje e é hoje que me verto em lágrimas e gargalho feito um palhaço ridículo de um circo decadente.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Sonhei sorrindo

Há dias em que não há o que falar.

É preciso sentir.

Sinta-se...

Em casa;

à vontade

voando,

gritando

abraçando

e os lábios se encontrando.



Sonhei.