sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Poesiar o tudo, cada canto

oh, você não acha que falta um pouco de poesia nos olhos, um sussuro poético no ouvido de madrugada, a poesia tatuada na pele, o cheiro do poema misturado com o de feijão no barulho da panela de pressão, a poesia que a gente não fala e fica parada no ar, a poesia relida mil vezes e é sempre outra, a poesia que a gente pisa, que comemos, que está nos cabelos, lisos, ondulados, encaracolados, a poesia que ninguém nunca disse, aquela leve folha cheia de poesia e insetos, você não acha que falta um pouco de poesia colorida nesse cinza respingado na nossa cara?



debaixo da cama, na aresta da porta do banheiro, na privada cheirando urina, a poesia transcende jogada no cesto do lixo da cozinha com restos de cascas de frutas e potes de danone.
se alguém te ligasse e recitasse um poema assim
sem pretenções que não fossem as poéticas
e desligasse e o silêncio ocupasse todo ar ao seu redor
cheio cheio cheio cheio de poesia
e a poesia te acariciaria os lábios e passaria pelos seus cabelos
como se passa um pente
 invisível
e todo seu corpo tremesse
desde o pescoço até o calcanhar
uma sensação única

em cima do guarda-roupa
no bueiro nos ratos calados
nos insetos rastejantes - oh, os insetos rastejantes
como eu os admiro nesse maravilhoso asqueroso de rastejar

a madrugada sussurrante
o zíper da blusa
o bolso da calça
a alça da bolsa
o cadarço dos tênis

transpirando suor e poemas
mal feitos
mas que estão lá
sorrindo com seus dentes amarelos
que são melhroes que as caras pálidas
que andam pela rua amarga

veja bem, você não acha que precisamos poetisar tudo, nos seus ecos
nas suas dobras
onde não alcançamos
onde não nos alcançamos
uns aos outros e
nós mesmos
e nós mesmos nos outros
líquidos brutos espirituais e mortais

os leves olhares cansados
e as mãos lisas finas
grossas que te apertam
e os braços abraços
que não são dados
todos os lugares
e entre o vão dos meus dedos que
meus dedos grudados
e os seus dedos que me tocam com
receio
eles têm sua poesia

eles nós todos temos
que se espalha como chama no
papel com álcool no carvão
em brasa
queimando

a poesia queimando
nosso frio
nos frios
nas chuvas
você não acha?

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