domingo, 4 de novembro de 2012

Ela me ligou dizendo que estava com saudade. Lá estava eu em minha cama suando nos calores estranhos e psicodélicos de São Paulo, o sol se pondo pela minha janela do meu quarto dos milhares de outros quartos e janelas, pensando na putaria mundana. Oi, linda, queria te ver, beijar essa sua boca, esse seu beijo divino.
Ela nunca fala direito comigo no telefone, sempre tem alguém por perto e eu é que fico ouvindo ela conversar com os outros. eu acho engraçado, mas às vezes me irrita, porque ela desliga sem ter mesmo conversado comigo, saber como eu estava ou marcado um encontro. Desligo o telefone rindo pro teto já deitada no chão com a nossas abelhas que rodeiam a luz. O mundo lá fora acontece e aconteço aqui dentro. tá bom, acabou na mesma, sei lá quando vou te ver de novo, mas também não me importa, enquanto isso você sai por todas as baladas de nossas vidas enquanto finjo que estudo, que essa minha vida acadêmica anda ao mesmo tempo muito interessante e blasé, seja lá o que isso quer dizer. os dias andam quentes, daí chove muito e esfria e os finais de semanas passam nublados quando chega domingo a tarde se põe num lindo céu azul, sem bundas e peitos e cabelos. mas to sempre com tesão de tudo, querendo engolir o mundo todo, vomitá-lo aos poucos depois com todas as cores do arco íris com metafísica sem significação.
Aquela dos olhos marcantes me pede o telefone passa o dela me chama pra sair e me larga no meio da praça às quinquilharias cinzas. Outros caminhos surgem e outras aparecem com seus outros olhos marcantes e sorrisos lindos e bocas tão beijáveis feito pêssego maduro, com suas conversas legais, e dentes bem postos às vezes um pouco afastados às vezes bem juntos. A boca é uma coisa tão linda.
Enquanto eu estava deitada na rede, no meio da madrugada cansada depois de uma boa boêmia, ela se achegou na sua camisola listrada, deitou no sofá mostrando suas pernas morenas, e por um segundo um olhar cravou no meu de impiedosa lascívia, por um segundo, te garanto. Pegava no meu pescoço - oi, gatinha, vem sempre aqui - subindo a rua rindo e bocejando, rindo e rindo e declamando algum poema. Oh!
Aquele clima de desejo no ar, olhares trocados, sorrisos de canto de boca, descobertas internas borbulhado, blablablablablabla. ninguém nunca sabe, só sente, isso é coisa de se sentir. oras, pediu meu telefone, e isso, em nossa sociedade, no mínimo, quer dizer alguma coisa com aquele clima de desejo no ar. N o  m í n i m o.
Então eu volto terrivelmente explodindo dentro do ônibus, o dia amanhecendo e entardecendo num sol terrivelmente quente, já estou mais do que suada, desodorante vencido, desejos no ar, olhares cruzados, fumaça de cigarro pairando esse clima, o cabelo, pêlos pelo corpo. O ônibus se desloca meio devagar meio rápido, minha imaginação fica girando feito máquina de lavar no mesmo lugar, no mesmo lugar de sempre, reconstituindo as coisas que não foram ditas e ficaram escondidas nas entrelinhas entre os tacos da sala, passando pela cozinha, banheiro, corredor e sacada, num método invisível de se sentir a grande e magnífica estrela da noite de você mesma.
Grandes aplausos. Desço cantando do onibus e caminho até minha casa num gingado malandro, as ruas silenciosas, um cachorro latindo de madrugada.
A noite se alonga através da janela, cheia de calor e com um jeito de chuva que promete molhar o coração.

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