O que é o tempo senão nós mesmos passando? Um fio entre a vida de um e a morte do outro, o tempo que nunca morre, o tempo que só é ele porque é assim que tem que ser. Não fala. Não cheira. Não dirige caminhões barulhentos. O tempo não existe. Sou eu, infame vida, diluída num espaço. E quando eu morrer? Cantarão louvores? Morrerei?
Deixarei de existir e o mundo será sempre a mesma coisa. O tempo correrá. O tempo não fará nada. Só passaremos. Ou passarinho.
As coisas se repetem num paralelismo. Mãos e braços fazem sempre o mesmo movimento e eu te apertei contra o meu corpo. Não foi em vão.
Repetem, as coisas se repetem, mas não são as mesmas. Criam, recriam. Tudo se transforma, ó Lavoisier. A Flor renasce do adubo. O germe que faz a mão. O leite em pó vira leite mesmo assim. Mas o Tempo, o tempo não renasce. Escorrega numa linha tênue do universo que sequer existiu. Há nessa coisa imensa um limite? E o que hei de me preocupar com minha tosse? Ou se você vai rezar ajoelhado na igreja, ou se cagaram na calçada de casa? O tempo não sabe.
O tempo não sabe mas ele comete crimes. Você que não sabe, mas é um ponto mínimo num ponto mínimo de vida. De vida. Que quer dizer morte? Se vivemos é porque vamos morrer. Se morro é porque vivi. Não necessariamente na ordem natural. Ordem invertida. E se vivemos na morte? Que tempo é esse?
Agora, na madrugada, ouço um caminhão. Logo ele irá embora, pode ser que demore. Em casa as pessoas dormem. Morro de sono, mas insisto. Uma vaga ideia existencial. E crianças que nascem mortas?
Pra que tantas perguntas, meu Deus... se sabemos que não temos resposta. E se tivéssemos, que importaria uma a mais outra a menos. Os destinos sempre serão os mesmos. Todo mundo passou pelo portão da vida, agora caminhamos com os pés soltos em direcção a árvore genealógica. Gerações e gerações. Ramos de folhas, frutos, ó!
Mas não há mais tempo. O caminhão continua lá com seus barulhos nocturnos. Tenho preguiça de olhá-lo. Devo dormir logo, o sono é pesado, me fecha os olhos. É Tempo de dormir.
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