domingo, 4 de julho de 2010

Ó ou

Cante comigo, mocinho. Você vai crescer e vão falar pra você não correr na rua e olhar para os dois lados para atravessar.
Já pensei em como seria correr pela rua, tropeçar e um carro me atropelar, sei lá, pensei.
Mas veja como é lindo, veja bem, a relação humana. E isso soa meio irônico, até pode ser, mas acho que exactamente nesse momento não estou usando a ironia como um mecanismo de defesa, mas achei que aquilo de lá é de uma beleza tremenda que eu sorri de orelha a orelha. Cante comigo em inglês, enrolando, é claro.
E veja como o destino sim é ironico, porque poderia ser eu naquela circunstância farfalhando os galhos do outono bem no meu ouvido com gotas de vento. Poderia sim. Mas... mas, eu achei, de coração mesmo, que há uma beleza que eu não achei que veria. É a beleza do tempo e da espera, de uma certa maneira. E é a beleza de aceitar que estamos no verão quando queremos o inverno e que o horóscopo sempre vai achar que comanda sua vida, quando de uma hora pra outra comemos maria mole.
Abri a geladeira e tomei iogurte de frutas vermelhas, mas era um sabor de leite muito fino, que eu degustava imaginando que eu nunca havia degustado um sabor gostoso de iogurte de frutas vermelhas. Tinha ainda na porta da geladeira: Coca-Cola Diet, Vinho branco, Vinho Tinto de Mesa, alguns molhos, cerveja preta, chantilly, e afins. Hm, vou assaltar a geladeira à noite, comer uvas verdes com chantilly e tomar vinho branco, ouvindo um jazz ou um blues. Porque não? Afinal, sempre digo, a vida é um prazer. E o prazer só é possível depois da dor. É como comer uma comida muito ruim e depois comer um manjar maravilhoso. Veja como meus prazeres tem sido, além de olhar pela janela fumando um cigarro preto, comer feito uma morta de fome. Mas a questão, no fim é, eu sempre gostei , mas agora meu paladar está aguçadissimo e já sei distinguir os sabores de vinhos. Os baratos que bebiamos na praça eram bons, mas naquela época. Quando a menina entrou em casa e com um vinho Cantina da Serra na mão me disse:" Comprei pra fazer espanhola, e não pode ser vinho chapinha, tem que ser esses daqui". U-au, que malandragem, pensei. Adoro espanhola. Andalusas? Como as raparigas andalusas costumavam fazer.
E os burrinhos meio dormindo escorregando pelas ladeiras sempre imaginei que fosse uma cena linda. Agora sim: E as moças espanholas de chale rindo rindo de ronda olhando para o amante dela pelas frestas das venezianas das casas amarelas e dos jasmins de Gibraltar. Mais lindo ainda: Quando eu menina era como uma flor da montanha.
Trechos de Ulisses, James Joyce, no solilóquio de Molly Bloom. Derreto-me recitando o bocado deveras grande desse solilóquio.

"Eu nunca mais vou respirar se você não me notar"

Équixagerado.

Mas voltando ao assunto, ó senhores condecorados, eu gostaria muito, nessa madrugada, poder sentar nesse sofá branco e olhar através do vidro a silhueta das árvores grandes que embelezam a paisagem, sob a luz da lua numa oitava maravilha inacreditavel. Danço sozinha, sempre. Nunca enjoo. Depois fico mais ou menos embriagada, porque você já deveria saber que adoro vinho branco, mas posso beber dos dois. Prefiro água às vezes, na maioria. E vou pensar na vida como bem me ponho a fazer. Às vezes concluo alguma coisa mínima. Mas concluir alguma coisa é excluir outras. Que seja.
Acabei de ler num perfil: Completamente apaixonada pela vida.
Alguém me explique isso. Não há, nesse mundo humanamente impossível, amar completamente a vida, assim como não há como amar completamente a si mesmo, no maior narcisismo que haja, ó meu caro.
Ela caminha até a cama, vê a imagem de Jesus de Cristo europeizado e se sente melhor. Assim como eu acordo, olho o a luz doirada do céu nas folhas verdes e me sinto melhor, assim como outrem acorda e bate o nariz num pózinho branco. E nada disso é condenável. E que diabos estou fazendo?
Dancing in the rain. Ó ou.
Ou não.

Um comentário:

Anônimo disse...

"E veja como o destino sim é ironico, porque poderia ser eu naquela circunstância farfalhando os galhos do outono bem no meu ouvido com gotas de vento."