sexta-feira, 9 de julho de 2010

Lente

Mas para eu escrever tudo é como se me fugissem as palavras.
Às vezes ninguém me olha. Não noto muitas pessoas, outras me chamam muito a atenção. Nos pontos de ônibus os olhares se cruzam. As pessoas ameaçam e se sentem ameaçadas, outras simplesmente não estão lá. O contacto diário com outros olhares, outros corpo, um fio de cabelo, um lenço, como o ar que respiramos, e nos obriga a respirar.
É preciso ver - frase de muro.
Mas ver o que? Ver-se?
Às vezes passo o dia todo em casa, comigo mesma. Às vezes saio por aí e vejo todo mundo, comigo mesma. Nos ônibus que entro, há sempre alguém que senta ao seu lado quando você não quer que sente. E o ônibus sempre passa quando você não precisa. Há sempre uma criança chorando no colo da mãe ou um idoso ocupando o banco reservado. Ou uma jovem ocupando o banco reservado que não sai quando chega alguém " nessas condições".  E uma mulher cheia de sacolas saindo pela frente. Alguém que perde a carteira, alguém chamado Henrique, alguma chama Neusa, eu que me chamo tantas. Há aqueles que te olham de fora quando você está dentro. E os que te olham de dentro quando você está fora. Incasavelmente, todo dia, toda hora, uns olhos perdidos, no mais fundo da noite, no raiar do dia, na chuva da estrada, na banca, no ponto, na linha cruzada, no fogo morto.
Um mendigo olhará com olhos cansados, como os meus nesses dias, e te implorará, sem dizer uma palavra, o quanto carregar aquele trapo nas costas, dói tanto. Benditos sejam os presos pela liberdade.
Pela liberdade. É uma coisa, que depois de pensar muito, cheguei a conclusão ( inútil, como todas as outras) de que não existe. A liberdade. Não existe. Estaremos enfadonhamente sempre presos a alguma coisa, mínima que seja. E que exista., de facto a liberdade, estaremos presos a ela. E isso é algo que não podemos controlar, como o fio que cresce na cabeça ou a bala perdida ao meio-dia.
Olhe olhe olhe olhe pra mim.
Depois de um banho vou dormir com os olhos pesados. Depois disso não sei mais.

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