sábado, 6 de junho de 2009

Era a princesa que... me pesou a ausência

Para ouvir ao som de Chico Buarque (ou Beethoven)
"Se na bagunça do teu coração, meu sangue errou de veia e se perdeu"
Chico Buarque
" Quero ficar no teu corpo feito tatuagem, que é pra te dar coragem
pra seguir viagem quando a noite vem "
Chico Buarque
Te vi ontem. Sonolenta, o rosto com restos de maquiagem, um cheiro de cigarro pelo ar, travesseiro e cabelo. No seu colchão-quarto deitada com o cachorrinho de pelúcia esmagado entre os braços, mal abria os olhos para me ver. Meu coração todo pulando pela boca pra entrar em você e fundir-se , dolorido de facto, mas acima de tudo, vermelho de amor.
Te vi ontem. Há um dia. Um dia apenas. Pouco, pouquíssimo. Mas eu estou que não me aguento de saudade, de " brincar no teu corpo feito bailarina". Não tem como não citar Chico. Ouço, nesse exato momento João e Maria - agora eu era o herói e o meu cavalo só falava inglês, a noiva do cowboy era você além das outras três" - como se você mesma fosse as outras três, não sei, cada uma diferente da outra, sabe? outras mulheres em uma. Foi só para contextualizar esse trecho no nosso facto romântico. Quem sabe você tenha mesmo algumas aí dentro de você: uma que adore sorvete de flocos e outra que toma sorvete de goiaba com beijinho, uma toda selva fera ferida, e outra que reze muito. Quem sabe uma que raspe o cabelo e vire monja. Mas a única é essa mesmo que me agrada e que eu tenho nos braços e me faz chorar de saudade - "e você era a princesa que eu fiz coroar e era tão linda de se admirar" - princesa, minha princesa. Viu, tem até uma princesa em você, e isso é pura verdade, porque eu posso ver sua coroa de ouro ( ou de louros? ) brilhando ( não mais do que o seu sorriso que me deixa no chãããão). Detalhe, eu fiz coroar. - "eu era o seu pião, o seu bicho preferido"- um bicho, peçonhento que seja, mas um bicho cheio de amores. Gacto malhado? Sem rua, sem teto... Mas seu.E me vejo dormindo no braço de um sofá de alguma casa abandonada enquanto as frestas da persiana me listram com uma luz de fim de tarde, quase laranja, quase fraca, quase eu envelhecendo, mas completamente linda, completamente única- vem me dê a mão, a gente agora já não tinha medo, no tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido" - e de repente, no outro canto do sofá surge você, listrada também, dormindo um sono muito profundo, enquanto eu, mudando de listras a todo momento, te observo, quase como se fosse pegar um novelo de linha ( mas que novelo de linha mais lindo) .
Te vi ontem. Te vi sim, mas você parecia não estar me vendo como eu te via. Sua cabeça parecia estar em outro mundo, um mundo novo, mais urbano e paulistano do que antes, augustiniano de facto. Um jeito de falar diferente, e a maquiagem ainda resistia no rosto, no olho, em principal. E eu te olhava. Sua cabeça no assunto do momento. Eu apenas te olhava e ainda sentia saudade. Essa saudade que incrusta em você, como ferrugem num cano velho e é difícil de sair, essa ferrugem mesma que grudou em mim. Uma ferrugem boa, mas se deixar ela toma conta, te move e você pesa muito, como se a cada passo que você fosse dar, abrisse um buraco no chão. Não tocava nenhuma música, nem veio nenhuma na minha cabeça. Uns carros e buzinas, quem sabe, láááá embaixo. Eu te olhaaava muuuito e me esforçava para não fazer isso, mas você me chamava, ou melhor, um outro lado seu me chamava, um lado que me olhava também, o outro dava alguns gritos e meu ouvido dizia: está bem, eu fico longe... e misturava-se no assunto. O lado que me olhava, pode ser delírio de minha parte, pedia alguma resistência. Deixei. Enquanto sua boca me dava beijinhos secos ( é o frio) seus olhos olhavam alguma coisa. E ficou meio um beijo torto, metade pra lá, metade pra cá. Mas eu não posso deixar de falar que você estava linda... a mais linda de todas. Devo até ter te falado isso, mas não saiu meio convincente e no fundo eu mesma falava pra mim: "Ela é linda mesmo, veja o sono, e os olhos pretos, que delícia esse cabelo no meu rosto. Chegue mais perto, me beije. Linda" e eu dava sorrisinhos.
" A saudade é o pior castigo", já dizia Chico. O que foi, hein? É isso que você quer? Castigar-me? Pois bem, castigou-me... muito aliás. Ajoelho e imploro, volte logo. Me perdi, em um dia eu me perdi. Ou me encontrei em outro lugar, longe, bem longe. Eu me quero de volta, e se essa apelação não resolve, digo que volte, se tiver alguma compaixão no seu peito, nem que seja para eu ficar olhando sua parte que me olha e esquecer a parte que me esquece. Volta para almoçarmos juntas.
Apelei muito. Apelei mesmo, porque aqui, pelo menos, no meu muquifo empoeirado, eu tenho o direito de apelar, de rogar, implorar sua volta rápida. É horrível ficar sem você. Até voltei a usar minha calça rasgada e meu cabelo já armou muito. Imploro aqui, porque isso me alivia. Você sabe ( ou se não sabe, comunico-lhe agora) que eu entendo que esses dias foram o começo de uma página virada, de uma nova vida, que aliás eu sempre apoiei. Que cada um tem um tempo de adaptação ( o meu ainda está activo) e que não é fácil. Mas eu necessito de você. É um absurdo, eu sei, mas isso me afecta também. Que seja...
Abstenho-me, porque ainda sinto você comigo, e isso deve ser uma maneira de suportar minha solidão. E isso deve ser o amor, né? porque não é possível essa distância enorme que me trás seu cheiro enquanto você caminha num outro lado da calçada.
E isso é saudade. No fundo eu tenho medo, não sei do quê exatamente. Se tem alguma coisa que resume qualquer coisa isso, é medo( e egoísmo, como eu diria há algum tempo atrás). Medo da saudade talvez. Medo de você longe de mim. Não nego, não vou negar. Essa é minha parte fraca, minha ferida que tento esconder, minha face machucada. No fundo a gente só fala besteira, e desconta tudo nos sentimentos, que são mais puros do que delírios. Que é quando a gente não sabe o que fala, mas precisa falar porque deve ser mesmo essa psicologia de escrever que alivie. Algo como auto medicação. Como tentar sanar minha doença. Algo como " vamos escrevendo, é isso que eu sinto agora".
Mas bem, não posso negar a saudade. Não posso negar que sinto falta do seu calor, dos seus cílios, da sua pele morena. Se um dia você ler isso e não digerir nada, talvez nem seja para digerir mesmo, que fique o único ponto que explicíto todo o tempo: S A U D A D E. Se você entender isso, está bem. Saudade da Lua. Daquela lua que vimos numa noite, quando voltávamos de algumas fotos. Saudade de Cheetos, do colchão de ar, de te abraçar bem forte, de você falando do meu cheiro de gasolina, do seu sorriso torto de boca machucada.
Eu quero você.
E se eu falei tudo isso, num delírio, num ataque repentino de escrita, é porque eu te amo, e eu queria te dizer isso, num tom que ensurdecesse a cidade toda, quiçá São Paulo inteira. Num tom jamais dito. Num tom exato de Eu Te Amo, nunca visto em filmes nem novelas. Acompanhado quem sabe de um... saxofone? Estranho. Mas eu sei que você gosta.
Volta logo, tá? Tem alguém te esperando. Tem alguém torcendo por você. Tem alguém que te ama e te acha linda (e não é sua mãe). E essa pessoa está delirando de saudade. Ela delira mesmo... isso é uma ameaça. Volta logo, que tem alguém pra te fazer um almoço muito especial, comemorar datas especiais, te encher de beijinhos e carinhos sem ter fim e acima de tudo, te amar com esse gosto de distância, que quando chega, é um alívio, é um cheiro doce no ar, são os pássaros cantando... sou eu esperando sua volta.

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