Entrou correndo no quarto e foi impedido bruscamente pela maçaneta da porta, que agarrou sua blusa e o puxou de volta para trás, num ímpeto, como se mandasse no quarto pequeno e sujo. 'Ah, me solta, filha da puta', e mais outros palavrões. Era só uma maçaneta. Muito ódio, não conseguia se soltar, quase desfiou a blusa, alargou, é facto, mas era uma maçaneta e nem vida tinha. Quem disse? Já nem lembrava porque entrou correndo. Parou, respirou, olhou a porta. Voltou. "Ordinária". Caminhou até a janela por onde entrava um vento gelado de domingo à noite, primavera, outra estação, ele continuava o mesmo.
Brisa gostosa. Lá fora tudo quieto. Todo um sono amparado pelo clima plúmbeo de domingo. Chuva. Céus. O que vim fazer? Olhar a janela?
E avistou do seu apartamento no último andar, lá embaixo, um casal passeando com seu cachorro. Um poodle preto. Pensou que odiava poodles. Achou incrível como na rua toda, de 20 casas, 19 tinham poodles, de maioria branca, pretos eram raros e latiam feito condenados quando se passava pela frente do portão com grade, pela prisão domiciliar tanto dos bichos quanto dos homens. Poodles irritantes. Ele latia também, irritado, brigando com os cachorros. Latia alto, chutava o portão, dane-se se alguém via, vai te catar, cachorro chato dos infernos. Até pensava, por bobagem, que na outra vida tinha sido cachorro, tão bem latia. Quis latir da janela lá em cima. Pra quê? O casal já se tinha ido. Coisa besta. Voltou-se para dentro, o quarto desarrumado. Hora besta. Vida vazia. O vento frio da janela o fez ter vontade incontrolável de fazer xixi. Apertou as pernas, segurou o pinto. Encurvou-se de novo, respirou fundo. Fechou o vitrô. Xixi quase saindo. Latido rápido, num arranque correu para o banheiro, porta semi-aberta, maçaneta amiga, enroscou-se. Mil palavras agradáveis. Latidos e uivos. E fez xixi na calça.
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