sábado, 18 de setembro de 2010

As mesmas coisas

" Que triste não saber florir"

Pareço estar meio assim, sem florir, sem saber escrever. Meio sem vontade, mesmo estando borbulhando por dentro. Como se eu mesma me impedisse disso e não houvesse nenhuma fissura de escape, qualquer furinho que deixasse escapar o vapor. Nada.

E se eu contasse dos meus causos? Talvez alguma coisa engraçada, um redemoinho, um constrangimento. Nada. Amores, delírios, sim. Isso sim, mas eu não conseguia traduzir.
Pobre. Me senti seca. Palavras curtas. Raios. Mas nem o sertão é tão seco assim. Um passarinho que morre e fica na rua, secando ao sol, sendo esmagado por carros e pés apressados.
E se ninguém me esmagava? Porque eu não escrevo sem apagar? Como era antes, como sempre foi. Porque agora eu era outra, tentava ser. Aquela que tenta ser organizada, que tenta crescer, levar um pouco mais a sério. Sem balanço nem gangorra, e isso era muito difícil. Se tivesse 30 anos ainda assim faria isso, porque a idade não quer dizer que você pode fazer as coisas e deixar de fazer outras. Você só deixa de fazer porque quer. Sempre penso que somos tão esmagados por conceitos inúteis de idade, sexo, cor, religião, sociedade. E eu também sou uma vítima disso, caso contrário não estaria aqui escrevendo, apagando, errando, fissurada na minha própria bolha líquida nem sei se colorida agora, mas sim preta e branca, em contraste.

Encontraste?
Insetos em volta da lâmpada, mas era dia. Mas era meio dia e ainda tinha mais doze horas para enfrentar, cara a cara com ela mesma. Mais doze pesadas horas que seguiam lentamente num ritmo acelerado, o coração pulsando a mil, as mãos suadas num tempo seco. Nenhum suor escorrendo na testa, mas por dentro o líquido borbulhava. Nada em volta mudou. Era enfadonhamente a mesma coisa todo dia, o caminhão do gás, o carro da pamonha, um anúncio de supermercado, o menino de bicicleta levando o pão numa cesta, a japonesa andando no quintal da sua casa durante muito tempo com o mesmo chapéu de sol. Quem era toda essa gente? O que era ela pensando nessa gente toda? Ninguém sequer imaginava que era pensado por outro alguém, outro alguém desconhecido, outro alguém tão solitário quanto eles aguentando todo dia a mesma música do gás, o mesmo anúncio da pamonha o mesmo chão com as mesmas pedras. E pra mim tudo aquilo era novo. Era um ciclo, que talvez acabasse um dia, talvez não. Mas era novo velho. Por um momento me pensei velha e nova caminhando no meu ciclo vital, as mesmas preocupações transportadas em outros corpos. A criança velha, a velha criança que mudaria de tempos em tempos, durante anos, durante décadas e morreria sem saber o que era, deixaria de pensar nessas pessoas que também morreriam, mais cedo ou mais tarde. Os pensamentos que pensavam essas pessoas morreriam por completo também. Os ciclos que talvez um dia se cruzaram, sobrepuseram-se ou nunca se chocaram, seriam os ciclos de outras pessoas em outras situações, mas sempre os mesmo. E o caminhão de gás anunciou na esquina. 

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