quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Com Sabor de Fruta Mordida

Perfume de frutas secas. Meu coração seco cheirando saudade. Pela casa toda, pelo vitrô, exala esse cheiro de um tempo que não foi. As frutas ainda estão ali, podres. Não tive coragem, nem ânimo de tirá-las. Queria muito tê-las jogado fora no primeiro minuto que fechei os olhos e caí no chão, chorando, uma maçã espatifada sem semente.
Mas não é ódio. Não é nada, aliás. É comigo. Desde que você se foi, se é que foi mesmo, voltei meus olhos para mim mesma, mais superficialmente, mais to-nem-aí-com-a-vida. Deixei de perceber um pouco o canto dos pássaros, as nuvens no céu, os olhos enluarados que me comiam, os ninhos de mafagafos, se é também que já vi algum. Deito e rolo. Acontece que hoje, ao cair da tarde, ao levantar da noite, solidão em casa ouvindo o silêncio da rua e às vezes um latido de cachorro, me dei conta mesmo que você foi embora. Me dei conta de que as fotos que vejo suas não me têm mais ao seu lado. Que não sou mais o preto que completa seu branco, nem o pio do passarinho da manhã.
Metodicamente, todo dia, quando acordo, olho a hora no celular, coço a barriga e corro pro banheiro, indo na ponta dos pés. Sempre tive mania de, quando descalça, andar com uma parte do pé, mesmo que estivesse sujo, prestei atenção nisso algum tempo atrás. Olho a luz do sol entrando pelo vitrô do banheiro enquanto faço xixi balançando os pézinhos mornos ainda do cobertor. Pensamento vazio de manhã. Depois lavo o rosto malemá, porque esqueço de prender o cabelo e se eu abaixar, ele molha. Aí vou pra cozinha, olho a fruteira, a mesma coisa de sempre - no fundo também tenho preguiça de tirá-las. Na gaveta da geladeira tem mais, mas frescas. Corto alguma e ponho no meu cereal. Sento no sofá e pareço não ser nada, nem ninguém. Não tenho memória e a única coisa que ficou foi você nesse cheiro insuportável de fruta passada, quase virando sopa no vaso, quase fazendo parte de mim. Não consigo mais comer o cereal. Olho o céu e choro, choro, menino, de soluçar. Se eu morresse ninguém sentiria falta, nem sentiriam meu cheiro de podridão, mas me mandariam uma carta para jogar fora estas frutas.

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