quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Crocante

 "Come chocolates, pequena;
Come chocolates"


Como o sorvete crocante que derrete sem querer na minha boca quente. Sorvete de creme com alguma coisa indefinida que na verdade não é nem crocante nem cremosa.
Um ínicio de noite ocioso, como todos os outros, como cada momento infame de minhas respirações, de cada diástole e cístole, de cada célula morta que cai quando tomo banho.
Um dia crocante, talvez? Alguma coisa, meus senhores. Por favor. Apresentem-me. O que diria eu de um sorvete de creme? - adoro.
Impressionei-me com minha vontade de escrever alguma coisa, mas não ter nada pra escrever. Nada de surreal ou filosófico, nada que arda no meu peito solitário. Nada que me faça vomitar as tripas num banheiro público e rir até vomitar mais e chorar até dormir de dor de cabeça. Crocante.
Há uma tabacaria na praça da Matriz, e toda vez que olho pra ela, me dá um sensação de voar. Na verdade eu sempre lembro do poema Tabacaria, do álvaro de Campos. O cara é fodido. Totalmente cru em tudo que se escreve. Me dói um pouco essa crocância nata dos versos brutos. O tapa na cara dói menos do que os versos dele.

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono do mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

arrebatador. eu diria, arrepiante. e diria mais, o impossível estúpido como o real. Ó céus. quanta infamia em mim, nele, em cada poro de cada ser, nem nada, nem tudo, o que é?

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.

Mas a crocância do 'crocante' do sorvete ainda me é desconhecida. Olho com muita habilidade para deduzir o que é. Crocante é a carne torrada na churrasqueira. Do jeito que eu gosto. Nada de sangue escorrendo ou gorduras pulando. Mas misturar carne com sorvete....
Que ousadia essa minha achar que posso escrever o que me vem à cabeça?(ousadia a minha de querer misturar carne coms orvete) Mas sempre foi assim, Cássia, sempre foi isso. é verdade sempre foi assim desde que me conheço desde que te criei, ó querido quarto empoeirado, ó meu silêncio interno que grita loucamente. sempre fui a de cuspir palavras, a de vir o que vier. talvez de uns tempos pra cá... de uns tempos pra cá nada, minha cara. veja: que nexo tem isso? nenhum, eu respondo, se quiser. e nenhum, eu respondo novamente se não quiseres. pareço meio perdida hoje. hoje? hoje sempre. perguntei-me: o que era o futuro pra mim? que futuro? respondi meio assustada, meio sem saber o que significava a palavra em si, o contexto real. mas não acordei talvez. vê-se claramente meu embaraço, aliás eu acho magnífico como tudo se reflete na minha maneira pobre de escrever. crocante. minha maneira emaranhada de linhas de ideias. ideia coisa nenhuma. você só sabe cortar camisetas. claro, eu as corto porque a gola sempre me incomoda. e o sorvete? ainda não sei sobre o seu ser crocante.

E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto

acho que sim, o crocante era de castanha moída, mas ela não estava crocante e sim molhada. venderam-me um sorvete sem crocância. delícia cremosa apenas. quanta barbaridade! por favor, quanta asneira, minha cara. oras, deixa-me.

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas

porque já é noite e estou tomando uma friagem que nãoé fria. estou dentro de casa, entocada, pensando no que posso ser amanhã.e eu posso ser tanta coisa, meu deus, que dom é esse que recebemos? porque às vezes não quero ser nada? sou nada? porque ás vezes nem um crocante me é concedido quando eu compro por esse crocante. olha o queo  ócio faz com as pessoas.

mas eu descobri do que era o tal. castanhas. castanhas moídas. mais um mistério desvendado. a Tabacaria da praça da matriz, cuja qual nunca vi o dono. deixarei meus versos a ele. mas o mistério sim, não é mais mistério. porque já é noite, e ninguém me dá sequer um abraço de saudade. uma palavra queme conforte. uma distãncia diminuída.uma coisa qualquer, um desenho, por favor.

Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Saudade Azul

É saudade e tudo o que vem junto. Quero muito estar ao teu lado e caminhar com as minhas mãos grudadas nas tuas, minha mão fria e suada, meus pés caminhando ao lado dos teus.
É saudade que perde o controle, mas eu tento engolir, fingindo que não é nada demais, que logo passa, mas não passa, não passa. Aumenta. E com ela me dá mais vontade de você, vontade de fechar os olhos e acordar do teu lado, com você me abraçando, com seus olhos guardando nosso ninho e nosso perfume se misturando. Dá vontade de abrir uma porta e sair pra você. E escrevo tudo isso com uma bola de pêlos na garganta. Não sei, devo estar sensível, frágil. Devo estar mesmo.
Toda noite, ao me deitar, imagino-te do meu lado, dormindo um sono calmo, enquanto acaricio os fios sedosos do teu cabelo de menina. Velo teu sono. Me mexo na cama, me embrulho no lençol e chego a sentir o calor do teu corpo. Eu gosto tanto de você.
Mas eu gosto tanto tanto tanto, que nem sei como cabe, nem sei medir. Também não sei se é preciso medir.
Você é meu passarinho azul num céu azul. E eu amo quando ele entra no meu coração e me dilacera. Meu coração azul.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Abacate


Para ouvir com Edith Piaf - La Java Bleue

Um carrossel luminoso girava docilmente, com seus cavalinhos brancos e roseados, junto com meu cabelo que voava entre o vento e a música. Era quase tudo preto e branco, se não fosse minhas duras piscadas de olho para ter certeza que aquilo era bem colorido, para também tirar um cisco do meu olho. Desci um pouco tonto do carrossel e caminhei até o senhorzinho que vendia algodão doce. Pedi um. Ele me deu gentilmente o algodão doce cor de rosa, felpudo e apetitoso que enrolei entre meu dedos e logo derreteu-se na minha língua. O carrossel ainda girava. Outras crianças brincavam ali. Outro grupo jogando estalinhos no chão, enquanto os adultos riam de suas travessuras. Engraçado como todos os pais acham lindo as travessuras dos filhos. Pensei que quando eu fosse pai eu talvez fosse gostar disso, mas não sei, ainda não tenho filhos, sou pequeno e mal alcanço os pés no chão. Minha mãe estava sentada do outro lado do parque junto com meu irmão mais novo. Ela estava cansada de andar tanto e então me deixou ir sozinho em todos os brinquedos.
  Eu sempre gostei de parques. Apesar de um frio na barriga e pessoas altas e estranhas, aquilo me agradava. Do que eu gostava antes de gostar de parques? Sorvetes? Leite materno.
Carrinho de bate bate. Pirulito que bate bate, pirulito que já bateu, quem gosta de mim é ela, quem gosta dela sou eu. Foi quando olhei em volta, quase perto da fila do carrinho de pipoca ( doce ou salgada), que vi uma menina, no seu vestido meio ralo e um laço de fita no cabelo. O laço era amarelo esverdeado, talvez mais porque eu quisesse do que por própria natureza, na verdade eu não lembro a cor. Meus olhos passaram sobre ela e voltaram quase rápidos para olhar os pés. Apenas segui o olhar dela e ela olhava para o chão. Nos pés uma sandalinha branca e encardida da terra do parque. Mais nada. Alguns ventos de poeira sopravam e ela levantou a cabeça para poder coçar os olhos, um cisco talvez, e olhou-me sem querer, enquanto eu enfiava com muita gula um pedaço gigante de algodão doce dentro da minha boca. Engoli com pressa olhando pra ela. A menina só me olhava, indiferente, poderia ter sido qualquer um. Pigarreei um pouco e fiquei um tanto envergonhado porque percebi, olhando para o algodão doce, que ela ainda estava olhando para mim. Não sei se olhos vidrados ou olhos de pensamento, desses que passa tudo pela frente e a gente continua vendo uma nuvem de ideias. Engoli outro gigante pedaço. Olho ou não olho? Olhei pro chão e vi meu pé também encardido do vento de poeira do parque. Uma poeira vermelha. Fingi tirar uma pedrinha do pé e olhei de soslaio para ela. Ela já tinha se virado. Voltei para agora tirar mesmo uma pedrinha repentina no meio no meu dedinho. Levantei, satisfeito. Ela parou de me olhar.Um constrangimento grande para uma criança em pleno parque de diversões. O algodão estava acabando. Levei bem devagar o último pedaço para minha boca grudenta de açúcar quando sinto outra pedrinha me cutucando as costas. Virei-me. A pedrinha era o dedinho miúdo da menina. Olhei-a, o mesmo olhar vidro-pensamento, achei que eu fosse o objeto especial, especial num mal sentido pra mim, eu não queria mesmo ser um centro de atenções num parque, eu queria vomitar na montanha russa e ficaria muito alegre se ela estivesse na minha frente. Meus dedos dos pés afincaram um pouco no chinelo e olhei também tentando ser um olho de vidro de pirata.  Perguntei o que ela queria, um pouco bruto talvez.
- Oi! - engasgando
- Você deixou cair sua pedrinha
- Que pedrinha?
- Sim, esta.
  Era uma pedra qualquer do chão. Cor de abacate podre. Assim como os olhos dela. E disse a ela que não era minha. Obrigado!
- Achei que fosse sua. Eu tenho uma ... e é da sorte.
  Pouco me importava. Eu ainda estava com medo dos olhos de menina e queria correr me enfiar dentro das pipocas.
- Mas não é.
  Dei um passo para trás e mencionei que eu sairia, com um sorrisinho amarelo. Ela parada. Suspirei. Andei alguns passos e a vi do meu lado, andando comigo. Nossos passos sincronizados. Pedrinha? pensei. Cadê a mãe dessa menina?
- Você gosta de algodão doce?- perguntei, numa pergunta qualquer de criança.
- Gosto muito.
- Quer um?
   Ela fez cara de quem queria, mas não poderia aceitar. Não disse nada. Eu também não. Pedi dois algodões doces. Um branco e um cor de rosa. Não, um verde, quase borbulhante e um branco, quase empoeirado. Não sei qual eu daria a ela. O verde, porque ela parecia um abacate amassado com açucar e o branco empoeirado, parecendo os pés dela. Talvez os dois.
- Qual você quer?
- O verde.
  Claro que era o verde. Senti uma poeira doce na minha boca. Me revirou meu estômago. Corri para encontrar minha mãe e ela ainda estava sentada no mesmo banco, meu irmão quase dormindo no meio daquela multidão e luzes e som. Havia deixado a menina pra trás. Sumiu. Voltei ao carrossel, meio zonzo. Tudo era preto e branco de novo, exceto a fita amarelo-verde-abacate da menina, que havia voado do seu cabelo e pousado sem querer bem na crina do meu cavalinho. 




domingo, 17 de janeiro de 2010

Ser Fumaça



Para ouvir com - Nancy Sinatra - Bang Bang

Eu queria um colo que me entendesse.
Um colo que me beijasse a testa e falasse que nem tudo estava perdido.

Era noite, em algum dia dessa semana, quarta talvez. Sim, era quarta-feira... e chovia. As chuvas tem sido constantes em minha vida. E muito raramente o dia chove feio. Apenas chove. Mas quarta feira era um dia embaçado, os olhos meio aguados, mas não tristes. Eu era triste, mas há coisas que não entendemos às vezes, e isso talvez se chame deslocamento e não tristeza.Quem sabe solidão.
Minhas maneiras de escape, minha válvula, minha droga são sempre essas palavras pobres, carcomidas, do fundo do meu devaneio noturno, das gotas velhas caindo da calha da minha casa. Mas ali eu vi que eu era realmente uma gota velha, tentando cair, mas ainda resistindo.
Havia alguns amigos, os olhos vermelhos, o sorriso falso estampado no rosto. Coisas superficias. A dor doía tanto neles que me doía de ver. Era coisa sem sentido, sem terra pra pisar, abraço quente faltando nos meus braços. Senti um frio na barriga e as ruas estavam vazias. Coisa típica de cidade do interior. Era um vazio que nos abraçou, não era um bolha densa colorida.
Havia um silêncio que pairava entre nós. Alguns quietos, outros conversando normalmente. Não era um clima acolhedor e eu queria era ir embora muito logo dali, deitar na minha cama, refletir minhas palavras, entender essa fumaça que saía deles, de uma maneira que sempre talvez me desse medo, que sempre me deu outras maneiras de sair de mim e não aguentar tanto o peso do meu corpo, não aguentar tanto o meu peso psicológico. Hoje eu sei que não estou livre disso e que sempre vou carregar comigo o peso do desassossego.
Eu era uma criança sem graça, os olhos vivos, sem jeito de sentar no sofá velho, as paredes vermelhas me atormentando de uma admiração pela cor. Mas aquelas pessoas. Aqueles olhos. Toda aquela gente perdida nelas mesmas, não que eu não fosse também alguém perdido, mas eles iam mais fundo. Eu sei que me perco, eu sei minhas dores e tento resgata-las. Eu sinceramente não consegui entender. Que pena!
Já era madrugada. Decidi voltar embora. Ali não era meu lugar, as pessoas que tanto gosto, elas, elas pareciam ser outras, elas tem sim outro lado, outro lado bonicto, vivo. Não morram! Podemos compartilhar coisas boas, momentos inesquecíveis sem achar que devemos estar boiando numa atmosfera alegre. Achar - parecer. No fundo corroe tudo, morfina, remédio triste para curar a realidade dura. Quero um colo!
Uma música soava de fundo, uma linha contínua passava por entre meus ouvidos, meu equilíbrio. Fiquei zonza. Esses conceitos me quebraram a perna. Essa coisa. Seriam meus escritos também uma fumaça? Por muito me interroguei sobre o que eu seria nisso tudo. O que sentia? O que me faz mais leve?
Um colo. Um colo que me desse leite na boca. Minha fumaça voava sozinha. Minha gota não caiu no chão cheio de folhas de outono. Folhas molhadas. Chuva. Pessoas perdidas. Eu andava devagar, tudo passava num filme mesquinho e ridículo.
Esses olhos! Tive aflição. Eu queria ir embora. Vim, morrendo de sono. Minha desculpa, que não deixou de ser verdadeira, de querer dormir, querer estar longe. Eu só queria entender e queria que entendessem. Mas então descobri que é tudo relativo e que a relatividade me doía às vezes... E que eu também era uma fumaça.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A primeira

Quando a gente começa com um sorriso no rosto

A Flor que faz cócegas 
o dente-de-leão se desfazendo com o vento
assoprando, brincando
meu pedido de muita coisa boa
pra mim, pra você, pra nós
pra essa gente careta e selvagem
pra quem quer morrer de alegria
morrer de rir
morrer de tanto os olhos brilharem
morrer com a lua
pra renascer de novo
inteiro, essencial, impecável
cheirando bebê
com os olhinhos ainda fechados, chorando por ter vindo ao mundo
nos braços da mãe que nos guarda
do pai que nos abençoa
da madrinha que chora
da água que nos benze
embalados num rio calmo
que nos levará para desaguar num mar sem fim
A vida
essa
começando de novo
com a boca toda lambuzada de chocolate
com o coração lambuzado de mel de abelha silvestre