quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Vazio Gostoso

Obrigada, clara manhã, o essencial é viver

Uma alegria engraçada, de ficar sorrindo feito boba. Andando pela rua e buscando na memória músicas antigas e alegres.
Vida cheia de mudanças. Pândega essa vida, se não fosse irônica. Não acha? Acho um pouco. Mas a ironia tem diminuido aos poucos, e isso é bom. Volto a reinar em mim. Livre arbítrio zero.
Que seja. O fato não é esse.
Cheguei em São Paulo segunda-feira à tarde e vim direto pra faculdade. Estava sem a chave do apartamento ( um amigo meu havia perdido) e combinei com a Arielli de me esperar para irmos embora juntas. Agora moramos só eu e ela. As gêmeas saíram e foram morar no prédio ao lado, com o pai.
Fiquei uma semana fora, mas ainda lembrava de como era o apartamento e de como era chegar em casa e entrar bem quietinha porque as meninas já estavam dormindo e e eu tinha de vagar com as luzes apagadas. Bem, cheguei em casa segunda-feira e o apartamento estava vazio. Vazio de tudo, pessoas, móveis, som. Eu e a Arielli. Falavamos e o som ecoava pelo apartamento todo. A maioria dos móveis que tinha era das meninas. Mas essa é a melhor parte. Não temos nada, televisão, computador, micro ondas. Na cozinha o essencial que é um fogãozinho e uma geladeirinha. Temos o essencial e o que ficou foi ( além do nosso quarto inteiro) um sofá amarelo com algumas almofadas, uma mesinha, uma vitrola e uma caixa com discos de vinil ao lado. Meu Deus, como eu não descobri isso antes? Que maravilha, senhores. Chegamos e deixamos rolando o disco do Chico enquanto conversávamos atoa. Eu sorrindo igual boba, tudo vazio, um vazio gostoso, limpo, calmo. Temos tudo que precisamos. Uma vitrola e discos e um sofá com almofadas. O que mais eu quero? Achamos pizza na geladeira e comemos. E eu sorria feito boba. Apartamento vazio.
Não sei, senti mesmo algo muito gostoso dentro de mim, me purificando, me deixando inteira, sem me perder em outras coisas aleatórias. E esse enxuto me fez parecer mais livre. Era a música que faltava, era olhar o outro.
Ontem cheguei sorrindo de novo, louca para sentar no sofá e ficar olhando o teto deixando o disco rolar. Porque vitrola deixa o ar mais sofisticado. Fiz um miojo, estiquei meus pés e lá vai o disco rolar: Willie Nelson. Nunca tinha escutado. Só ouvia esse nome na música dos Engenheiros do Havai, mas nem fazia ideia de quem era. E ouvi. Um country antigo, que faz você viajar por todos os lugares, aquela cena árida e amarela, um sol alaranjado, você, um calor no seu corpo. Viajei sozinha e me senti feliz de novo.
Um sofá e um disco tocando. Eu disse que queria agora uma máquina de escrever. Já que estamos nessa onda retro, antiga e deliciosa. Acho que é a única ambição atual: uma máquina de escrever. Na verdade foi algo que sempre tive vontade de ter. Coloco ali na mesinha onde ficava o computador, acendo um cigarro que não fumo, um vinho barato e deixo, como sempre, as palavras virem. Não é delicioso? Me diga. ( Até me lembra Nelson Rodrigues)
O apartamento está vazio e ecoa as palavras pelos cômodos, do chão ao teto. Deixo a música tocando e fico dançando na frente do espelhinho que uma das meninas deixou. Já é tarde da noite, estou de pijama, descalça, e canto o que eu nunca ouvi. Faço caretas, me divirto comigo. Me acho linda. Me acho linda e engraçada, porque me pergunto às vezes: o que você ta fazendo ai, hein? vai dormir, menina. Que nada. Deixa-me aproveitar a vida. É o meu jeito de aproveitar a vida. Caretisse. Cássia, como você é engraçada. Dançava desajeitada, tentava plantar bananeira, a mão deslizava. A capoeira está fazendo efeito. - que diabos eu pensava quando entrava e estava tudo apagado, cheio de gente e tão vazio - parece que eu explodi ali dentro.
Maaaaaaas
oooooo
vazio
um sofá
uma vitrola
no vazio
mais gostoso
que eu dancei
dançava
bailava
o cabelo gigante
armado
a noite calma em plena São Paulo

bailava
só no som do disco

bailava
só no sofá

meu pé bailava
no eco
no vácuo
no
v
a
z
i
o

Um comentário:

Bianco disse...

Que louco.
Te leio e não consigo deixar de comentar.
Tenho uma máquina de escrever dando sopa aqui em casa. Uma oportunidade e te levo ela.
Beijos
Sua Pândega