sábado, 23 de outubro de 2010

Remova Inteiramente o Plástico Protetor da Bandeja

Bolognesa

Deveria ser domingo, dia de comer lasanha, ou macarrão com frango frito e salada de alface. Domingo tem cara de comida gordurosa. De entopir artéria, prazer e pensamento. Ainda se fumasse... deixava tudo fodido pra esperar que no outro domingo tudo faça efeito: fumaça e libido gordurosa do corpo. Assim já entopia tudo, saia dessa vida dominguera, de segunda à segunda correndo pra lá e pra cá sem saber pra onde ia. Mas não fumava. Vida infeliz. E beber, bebia? Às vezes uma lata de cerveja atoa. Gostava de suco, suco de melancia. Vodka? Energético? Só de pensar dava ânsia. Em tempos remotos foi desses que bebia pra caralho até vomitar a bile, ajoelhado no chão do banheiro com a cara na privada, coisa nojenta da porra. De vomitar até chorar de tanto abrir a boca e não sair nada, uma coisa gosmenta amarelada. E ele só tinha 15 anos, se achava o dono da mundo, o dono da vida na flor dessa idade rebelde. E deveria de ser mesmo, quem diz o contrário? Na cabeça a gente é quem quer ser. No coração a gente mantém aquilo que é da gente mesmo, a bolinha de gude eterna imutável, às vezes enferrujada dos males do mundo, cheia de camadas de terra.

Molho branco por cima

Era a chuva que vinha vindo? Porque ventava muito lá fora, de fazer barulho na janela, redemunhos de folhas secas, flores amarelas cobrindo as calçadas. "Eu me perco nessas folhas". Um tapete floral florido de folhas fofas. Secas, molhadas, moídas, pisadas. Parou. Não vinha mais nada na cabeça. Ele tinha, de vez em quando, um vazio absoluto dentro dele. De não pensar em nada, caminhar lento, quieto pela rua. Não era mais o dono do mundo, mas um cidadão qualquer que está por uma rua qualquer, em qualquer hora de um dia cinza. E era livre? Preso às folhas, se sentia livre. Elas não eram nada, nem ele. Elas não conheciam o mundo, e ele também não. A camada que ele tinha foi direto pela descarga, mas isso foi há muito tempo.

O queijo

Era fome e estava com pressa de sair. Só o queijo derretia rápido. A massa estava dura ainda. Meia hora no forno. Mais 10 minutos. 10 minutos é muito tempo, menino. 10 minutos são vida. Derrete essa cara de queijo amanhecido com soro escorrido no prato. Ainda precisava tomar banho, tirar essa zica.

A bandeja

 A bandeja se abre no momento que nascemos. Com ele não era diferente. Corta-se o cordal umbilical, tira-se o plástico. Mas com o passar dos anos a bandeja se fechava de novo. Ideologias perdidas, preconceitos, a própria dureza da vida, do velho amante engajado. Gostava das Artes e ainda assim se fechava. Ideologia nenhuma, sentido nenhum pra nada. Tinha olhares ensandecidos, pulava daqui ali desvairando um solo de guitarra, lutava contra o vento e a chuva enquanto brincava de escorregar no quintal. Era hora de ir pro forno? De tirar esse plástico novamente? Vai pra vida. Cozinha um pouco essa cara. Deixa esse calor te consumir, descongelar. E deixava mesmo. Queimou o dedo ao abrir o forno. Prontinha. Só comer.

2 comentários:

Vandrei disse...

Você é uma riqueza!

Bruna Borges disse...

Simplesmente perfeito!!
Parabéns!!!