Necessito, ó meus senhores, dizer-lhes sobre o momento especial da minha vida. Sobre minha festa surpresa mais surreal e especial que eu tive. Sobre o meu amor-próprio, sobre meu amor para com meus amigos e para o meu Amor que a quem eu devo toda essa felicidade que me destrói de tão boa e me faz renascer e me faz ver-me tão acolhida e amada sob as asas de um passarinho belo e perfumado.
" E pela minha lei, a gente era obrigado a ser feliz"
" No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido"
(trechos de "João e Maria" - Chico Buarque)
Eu cá estava cega de ódio e solidão. Senti-me, sem mentira alguma, ó meus queridos jurados, como um cachorro largado em dia de domingo, na sarjeta e fuçando lixos pretos, em pleno frio outonal de abril. Passei o dia inteiro dos meus 19 anos redondos sozinha. O dia pareceu-me já de cara meio estranho, um tanto conspirando para que me fizesse um novelo de linho jogado no canto da sala perto do tapete sujo. Mas isso foi ao passar das horas...Acordei com a minha mãe me dando os parabéns, com a luz do meu quarto meio fraca que doía um pouco para ver e com uma bandeja de café da manhã preparada pela minha mãe. Bem, ela estava com pressa, pois precisava trabalhar, portanto deixou-me a comer a sós, eu e meu quarto na luz fraca da manhã nublada. Foi um gesto nobre da parte dela, pois isso é ato raro. Comi e voltei a dormir, mesmo querendo ter acordado para aproveitar o dia. Bem o fiz de ter dormido, estava chuviscando e um frio adorável para celebrar minha cama que já me acompanha há muitos aniversários. Passou-se três horas e acordei, com a cara amassada, o cabelo lion, o bafo da manhã. Resolvi que queria ver pinturas...abri meu enorme livro Pintura Delta da Galeria Universal ( algum livro que roubei com muitas boas intenções) e folheei-o até achar o meu quadro favorito: "Órfã no Cemitério" - Eugene Delacroix. Absolutamente linda essa órfã. Creiam, ela tem um olhar misterioso e uma boca macia. Admirei-o por um breve tempo considerável, depois folheei mais. Também gosto daquele de Jan Van Eyck, o quadro que ele pinta um tal de Giovani Arnolfi e sua esposa. Foge-me nome do quadro, meus senhores. Mas é admirável também. Bottero fez uma "paródia" desse quadro. Foi isso. Larguei o livro ( queparece aqueles livros de poções de desenhos animados) em cima da cama e comecei meu dia a "curtir" meus 19 anos. Como de costume, quando estou em casa, faço almoço para meu irmão. Mas nada demais, sem caviar, nem docinhos elegantes, nem vinho espumante. Um dia normal. Mas em algum plano transcendental eu estava me transformando. Enfim, passei bocado da tarde por entre os cômodos da minha casa, desolada, entediada, pensando em como diferenciar meu dia especial de todos os dias comuns que passo comigo mesma. Era meu aniversário, poxa. Eu deveria ultrapassar qualquer barreira, mas dessavez não foi possível.
Tomei banho, fiquei um tempão para ver com que rouba eu sairia. No fim, sem salto nem vestido longo... meu velho e adorável all star verde, calça jeans, camiseta preta e uma camisa verde de bolinhas pretas que eu ganhei de minha Amada Senhorita. ( Minha amada senhorita é um ícone importantíssimo nesse meu novo ciclo, nesse meu dia que estou contando, na minha vida em si).
Tomei banho, fiquei um tempão para ver com que rouba eu sairia. No fim, sem salto nem vestido longo... meu velho e adorável all star verde, calça jeans, camiseta preta e uma camisa verde de bolinhas pretas que eu ganhei de minha Amada Senhorita. ( Minha amada senhorita é um ícone importantíssimo nesse meu novo ciclo, nesse meu dia que estou contando, na minha vida em si).
Peguei o fusca azul-calcinha, meio sem gasolina mas recendendo o cheiro adorável de combustível. Resolvi ue queria fotografar. Desloquei-me até meu ponto preferido nessa cidade interiorana... meu lugar preferido, lá onde se vê o pasto enorme e um delicioso vento batendo no seu rosto. Estava contente,pois teria um lugar para entrar em mim, para sentir minha mudança de anos, para celebrar-me , de uma certa maneira e agradecer a Deus pelo meu dia. Cheguei... havia um carro intruso ( pois nunca há almas por lá), mas eu até superei. Coloquei meu pé para fora do carro e chegou outro, cheio de gente, olhando-me torto, olhares curiosos " o que uma menina de camisa verde de bolinhas pretas faz num fusca azul numa rua sem saída num bairro distante?".. pois é, eu também pensaria isso se fosse eles. Quis me conter... eu necessitava daquele momento, já era tarde eu ainda não havia me equilibrado. Fui embora..consegui tirar algumas fotos, mas, não me senti a vontade. Todo mundo deveria saber que você faz aniversário... também não sei porque, mas... assim teriam me deixado em paz no meu esconderijo. Dane-se. Andei e andei sozinha de carro pela cidade até que parei na frente do cemitério. Lá pelo menos é um lugar de paz. Não pensei duas vezes. Fotografei bastante por entre estátuas de anjos alados e Jesuses carregando a cruz. Belas estátuas, por sinal. Nessa altura o céu já estava bem azul, como se não houvesse chovido. O vento ainda no rosto. Cansei. Precisava ainda ver minha Senhorita Amada na casa dela. Fui, por um caminho nunca dantes percorrido e encontrei a mãe dela, que é uma mulher engraçada, estava voltando do trabalho.
- " Vai ver minha filha?" - perguntou.
- Sim, estou indo lá, entre aí.
- Sim, estou indo lá, entre aí.
E falou-me que as sacolas estavam pesadas, pois havia passado no mercado. Chegamos. Desci e ela havia me anunciado que minha Amada Senhorita não estava. Oras bolas, mas como isso, meu povo? Não era possível, eu havia falado que ía vê-la, não queria passar meu aniversário sozinha. Pois é, não estava. Tinha ido com o pai ver alguma coisa sobre a casa que estão comprando. Desacreditei... falou-me que ligaria assim que chegasse. Peguei minhas coisas e voltei para minha casa. Desoladissima. Sem sal nem açúcar, um gosto de fel na boca, o cabelo horrível. Tudo bem, ela ligaria assim que chegasse. Demorou 3 horas e ainda nada. Pensei " não, não vou ligar, ela que ligue". O facto é que tínhamos combinado de sair, esperávamos meu amigo que vinha de outra cidade, e já era tarde da noite, assim, para quem passou o dia todo sozinha... resolvi ligar, ja estava cega de tanta raiva. Ninguém atendeu e chamou até o fim. " Ela só pode estar brincando... como assim?" Liguei de novo, disse-me que estava na casa da avó,mas estava indo embora para irmos ao barzinho.Pois é, Tatuí não é lá tão com lugares agradáveis.
Desliguei o telefone muito sentida, meus senhores. É sim. Xinguei-a de tudo quanto é nome, achando um absurdo ter me deixado sozinha em um dia especial para mim, talvez culpando-a pelo meu dia ter sido chato, sem ela, sozinha, sem ninguém, nem para contar uma infamia que fosse. Fui tomar banho, a cabeça quente, palavras saindo da minha boca, faltando poucas horas para terminar meu dia. Arrumei-me.Uma amiga-irmã visitou-me e ficaram ( ela e a mãe dela) um tempo em casa conversando comigo e minha mãe. E nada ainda de minha Senhorita chegar com o meu amigo. Atrasaram uma hora e meia. Eu já estava com sono e pensava que se dessem bolo em mim, eu juro que sairia com qualquer outra pessoa.
Chegaram. Ela linda, os cabelos longos encaracolados na ponta, uma saí, salto alto, blusinha marrom... ah, suspirei ainda, porém com um bocado de raiva. Despedi-me da minha mãe, abri o portão... ela, naquela beleza celeste, com uma cesta de presente nas mãos, um sorriso cravado, meu amigo do lado, outro sorriso cravado, todo meu ódio cai por terra, meu bico transforma-se numa mistura de surpresa e alegria e um pouco de raiva ainda. Não sabia o que dizer. Havia vinis, pirulitos, balas, uma foto nossa num porta retrato ( Je t'aime bem no canto da foto, em vermelho), um livro, uma carta, e ela, toda minha. Vergonhosa, nem sabia como agradecer. Beijei-a, o batom borrando nossas bocas. Um frio gostoso, uma música gostosa. Bem, já era hora, precisávamos ir para o barzinho. Eu ainda xingava-a, não tanto pela falta no meu dia, mas pela malandragem. Eu ainda sorria, o caminho inteiro. Precisávamos pegar duas amigas ainda. Chamamos e não estavam, estavam na casa da nossa outra amiga, na república. Eu ainda sorrindo, devo ter soltado uma besteira, pois, o que que haviam de não estarem pronta logo? Eu queria me divertir, queria meus amigos comigo. Pra que tanta demora assim? Já não bastava o dia todo sozinha, sem ninguém do meu lado, sem abraços nem desejos, desses que todo mundo te abraça e deseja coisas de aniversário. Fomos até a república. Precisava deixar minha sexta, pois não havia lugar no carro se ela ficasse. Tudo bem, concordei em descer. Alias, alguma mão invisível me fez descer, pois eu poderia muito bem ficar no carro e esperar pelas minhas amigas atrasadas. Descemos. Chamamos. Ninguém abria. O portão estava aberto, eu ainda gritando para que viessem abrir. Mas que coisa. Meus senhores, uma camera lenta aproximava-se. Eu segurando o vinho gelado. Os dois do meu lado. Abri o portão e assim, de repente, não mais que de repente, eis que surge um bando de pessoas mascaradas cantando parabéns para a Cássia. Eu, sem saber novamente onde enfiar a cara, xingava todo mundo por tal façanha inusitada e obvimamentee surpresa. Aproximei-me, numa espécie de alegria incontrolável dentro de mim, via mais e mais pessoas espalhadas pela casa, todas, meus senhores, reunidas para me parabenizar. Exceto um menino muito estranho que ninguém conhecia, muito menos eu, que se infiltrou no meio de nossa turma e ficou até o fim da festa, confesso. Mas ele ainda cantou parabéns, não sei porquê. Abraços e beijos, uma luz na minha cara, desejos e votos de felicidades, eu xingando, eu alegre, eu surrealmente alegre. Ó, meus senhores membros do júri, foi algo que eu nunca senti na minha vida. Entrei na sala e havia um monte de poemas colados na parede, fotos minhas junto com meus amigos, marcavam nossa lembrança meio nostálgica de tempos teatrais passados, de pessoas que não puderam ir, da saudade, do meu costume de desenhar meus amigos em cartazes, uma maneira de reunir todo mundo num papel. E mais desejos, mais abraços, uma caipirinha, mais papéis espalhados pela casa, poemas, porquinho da índia, João e Maria,meus amigos todos, os meninões, Minha Amada Senhorita, olhos brilhando. Tudo parecia uma bolha enorme só nossa, num calor que só nós sabemos ter. Todo meu dia nublado e com garoa evaporou em questão de segundos. Todo um novo ciclo de amizade, de anos, de amor, carinho concretizou-se. Eu queria ter muitos braços para afagar cada pessoa, cada amigo, cada sorriso que me fazia me sentir mais eu, me sentir mais cada um que se doou numa eterna conquista de nossa alma. Foi lindo. Eu não me sentia tão cara de receber um presente assim. Não me sentia no direito,não sei, não merecia tanto, foi demais, foi além de qualquer vivência, e eu não sabia falar, toda minha língua reduziu-se a sinais e sorrisos intermináveis.
Minha Amada Senhorita, a beleza feliz da minha vida, meu coração que palpita, foi quem preparou toda essa malandragem. Queria mesmo traduzir toda minha alegria, queria repor toda essa felicidade que ela me trás. Tê-la em meus braços, no calor só dela, com o aquele cheiro doce delicioso que ela exala. Devo a ela toda esse orgasmo de 19 anos que foi o meu aniversário. Devo a ela esse resgatar do meu próprio eu, esse sabor de fruta mordida que há muito tempo eu não degustava, minha essência resgatada, o eu dela em mim, o meu eu nela. Pois nada, nem palavra nem poema, nem pintura e fotografia, vão traduzir perfeitamente toda essa minha satisfação, essa coceirinha no coração da alma. O mundo pareceu-me tão simples. As pessoas eram pessoas mesmo, e me faziam senti-las, me faziam ver que cada pedaço de mim tem um pedaço delas, indiscutivelmente. E tudo ao meu redor era uma densa massa de extasy e ela, a Minha Senhorita Amada, era uma menina que eu quis sempre fazê-la feliz, que eu quis sempre coroar, por ela ter me feito tão mais eu-feliz no mais eu-feliz dela.
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